Ontem dediquei algumas horas do dia lendo a análise publicada pelo Banco Credit Suisse a respeito da empresa XP Inc. cujas ações são listadas no mercado americano. O relatório traz como tese o argumento de que o preço das ações já reflete um cenário extremamente otimista; de execução perfeita. Por isso, a recomendação feita pelos analistas do CS foi de "underperform", estabelecendo um preço alvo de US$40 por ação. Contudo, o que mais me chamou atenção ao ler o relatório é uma tendência vista em muitas análises em que o analista projeta um cenário de crescimento para o futuro, tomando como base algo não replicável que se apresenta no cenário atual. Não há dúvida que vivemos um momento peculiar em diversos sentidos, com inúmeras distorções associadas ao comportamento do consumidor. Impossibilitado de sair e ir ao shopping, o consumidor comprou online com uma intensidade nunca vista antes. Entediado pela quarentena e a consequente ausência de programas esportivos na TV, os mais jovens buscaram a bolsa de valores não só como alternativa de investimentos, mas também como um passatempo. O número de contas em corretoras abertas por pessoas entre 18 anos e 35 anos bateu um recorde; não só nos EUA, mas também aqui no Brasil. Sendo assim, acreditar que a taxa de crescimento em curso no segmento online irá se perpetuar é uma falácia. E é algo próximo a isso que observamos quando lemos alguns relatórios associados a corretoras e ao varejo online. Eu posso até não conhecer muito bem o funcionamento do varejo online, mas corretoras eu conheço bem. Passei boa parte da minha carreira sendo um cliente ativo de corretoras e sei o suficiente para saber que os volume registrados em momentos de alta volatilidade raramente são replicados nos anos subsequentes. Um exemplo claro do que tento aqui transmitir pôde ser visto nos meses próximos a eleição presidencial de 2014. Naquela ocasião o nível de incerteza política era tão grande que o mercado acionário foi tomado por uma imensa especulação. Os volumes negociados explodiram. Passada a eleição e a euforia em torno da formação do novo ministério da presidente eleita, os mercados se acomodaram e o volume negociado caiu substancialmente. Durante uma época em que o volume médio diário da bolsa estava por volta de R$6,5 bi, muitas análises contemplavam a possibilidade de que este subiria para um patamar próximo a R$10 bi rapidamente. Isso não aconteceu. Enfrentamos uma recessão e o volume médio caiu para R$4,5 bi por dia. Acredito que o mesmo deverá ocorrer no Brasil nos próximos anos. Julgo ser pouco provável que o volume da bolsa irá aumentar do atual patamar nos próximos anos. Digo isso, pois o momento atual é marcado por elevada volatilidade que não deve se sustentar por muito tempo. Em termos reais, o mais provável, na minha opinião, é constatarmos nos próximos anos que o que foi visto, ao longo do ano de 2020, foi um fenômeno onde boa parte da receita para os segmentos de corretora de valores e varejo digital fora antecipada, deixando um vácuo para os anos subsequentes que deverá se manifestar através de uma taxa de crescimento bem inferior aquela projetada por analistas. Marink Martins |