EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
Com pedido de medida liminar
REQUERENTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
INTERESSADO: Nathan Theo Perusso
AUTORIDADE COATORA: Ministra Cármen Lúcia, Relatora dos Habeas Corpus nº 248.378/DF e nº 249.012/DF, e Ministro Alexandre de Moraes, Relator da Ação Penal nº 2.244/DF, ambos do Supremo Tribunal Federal
Vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, Joaquim Pedro de Morais Filho, propor a presente ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF), com fundamento no artigo 102, § 1º, da Constituição Federal, e na Lei nº 9.882/1999, em favor de Nathan Theo Perusso, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:
I. DOS FATOS
O interessado, Nathan Theo Perusso, encontra-se preso preventivamente desde 6 de junho de 2024, em razão do suposto descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, no âmbito da Ação Penal nº 2.244/DF, em trâmite perante este Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. A prisão decorre de sua imputação como um dos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, sendo acusado pelos crimes previstos nos artigos 286, parágrafo único, e 288, caput, do Código Penal, em concurso material (art. 69, caput, CP).
Conforme laudos periciais anexos à Ação Penal nº 2.244/DF, foi constatada a semi-imputabilidade do paciente, nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, em razão de sua incapacidade parcial de compreender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se conforme tal entendimento. Apesar disso, o paciente permanece submetido a prisão preventiva, medida de caráter eminentemente processual e incompatível com sua condição psíquica, que demanda, em tese, a aplicação de medida de segurança, e não de sanção penal ou cautelar desproporcional.
Em 31 de outubro de 2024, a Defensoria Pública da União impetrou o Habeas Corpus nº 248.378/DF, perante este Supremo Tribunal Federal, com relatoria da Ministra Cármen Lúcia, requerendo a imediata liberação do paciente, sem imposição de medidas cautelares, em razão de sua semi-imputabilidade e da ausência de elementos concretos que justificassem a manutenção da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Em decisão monocrática proferida em 6 de novembro de 2024, a Ministra Cármen Lúcia negou seguimento ao writ, sob o fundamento de que não cabe habeas corpus contra ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula nº 606/STF, aplicada analogicamente, e no artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do STF.
Em 19 de novembro de 2024, o ora requerente impetrou novo Habeas Corpus nº 249.012/DF, reiterando os argumentos anteriores e acrescentando a violação ao princípio da colegialidade (art. 93, IX, CF/88) e ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88), bem como a incompatibilidade da prisão preventiva com a condição de semi-imputabilidade do paciente. Novamente, em decisão monocrática datada de 20 de novembro de 2024, a Ministra Cármen Lúcia negou seguimento ao pedido, por considerá-lo reiteração do HC nº 248.378/DF e por ausência de violação ao princípio da colegialidade, reafirmando a aplicação da Súmula nº 606/STF.
Diante da reiterada negativa de análise do mérito da situação do paciente, que permanece preso em desrespeito a preceitos fundamentais constitucionais, não resta outra alternativa senão a propositura da presente ADPF, como instrumento apto a sanar lesão a direitos fundamentais decorrente de decisões judiciais que, sob o manto da legalidade formal, perpetuam ilegalidades materiais gravíssimas.
II. DA LEGITIMIDADE ATIVA
Nos termos do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/1999, o requerente, na qualidade de cidadão brasileiro, possui legitimidade ativa para propor a presente ADPF, uma vez que a ação visa resguardar preceitos fundamentais da Constituição Federal violados em razão de atos judiciais concretos que afetam diretamente a liberdade e a dignidade do interessado, Nathan Theo Perusso.
III. DO CABIMENTO DA ADPF
A ADPF é cabível nos termos do artigo 1º, caput, da Lei nº 9.882/1999, que prevê sua utilização para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, incluindo decisões judiciais. No presente caso, as decisões monocráticas proferidas nos Habeas Corpus nº 248.378/DF e nº 249.012/DF, bem como a manutenção da prisão preventiva determinada na Ação Penal nº 2.244/DF, configuram atos do Poder Judiciário que lesionam diretamente preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a saber:
Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88);
Devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88);
Direito à liberdade (art. 5º, caput e inciso LXI, CF/88);
Princípio da colegialidade nas decisões judiciais (art. 93, IX, CF/88);
Garantia da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF/88).
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal reconhece o cabimento da ADPF para enfrentar situações em que atos judiciais, ainda que formalmente respaldados, resultem em afronta a preceitos fundamentais. Nesse sentido, cite-se o julgamento da ADPF nº 347, Rel. Min. Marco Aurélio, no qual se admitiu a arguição para discutir a crise do sistema penitenciário brasileiro, configurando precedente aplicável ao caso concreto, em que a prisão de um semi-imputável viola diretamente a dignidade humana e o devido processo legal.
Ademais, a ausência de outro meio eficaz para sanar a lesão, requisito previsto no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999, resta configurada, uma vez que os habeas corpus impetrados foram obstados por decisões monocráticas baseadas em interpretação restritiva da Súmula nº 606/STF, sem análise de mérito, cerceando o acesso do paciente à revisão colegiada de sua situação prisional.
IV. DA LESÃO A PRECEITOS FUNDAMENTAIS
IV.1. Da Violação à Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF/88)
A manutenção da prisão preventiva de Nathan Theo Perusso, reconhecido como semi-imputável por laudos periciais, afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Conforme o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, a semi-imputabilidade impõe a redução da pena ou a substituição por medida de segurança, sendo incompatível com a imposição de medida cautelar de natureza exclusivamente processual, como a prisão preventiva.
A jurisprudência deste STF é firme no sentido de que a prisão de indivíduos com transtornos mentais ou incapacidades psíquicas, sem observância de sua condição especial, viola a dignidade humana. No julgamento do HC nº 143.988, Rel. Min. Gilmar Mendes, reconheceu-se a ilegalidade de prisão preventiva em caso de inimputabilidade, por ofensa ao art. 1º, III, da CF/88, princípio que se aplica analogicamente ao caso de semi-imputabilidade.
Manter o paciente encarcerado, em um sistema prisional notoriamente incapaz de fornecer atendimento adequado à sua condição mental, agrava a lesão à sua dignidade, configurando tratamento desumano e degradante, vedado pelo artigo 5º, III, da CF/88, e pelo artigo 7º do Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
IV.2. Do Cerceamento do Devido Processo Legal (Art. 5º, LIV, CF/88)
A negativa de seguimento aos Habeas Corpus nº 248.378/DF e nº 249.012/DF, com base na Súmula nº 606/STF e no artigo 21, § 1º, do RISTF, sem análise de mérito, constitui cerceamento ao devido processo legal. O princípio constitucional do devido processo legal exige que toda restrição à liberdade seja submetida a fundamentação explícita e a revisão judicial ampla, o que foi negado ao paciente em razão da aplicação mecânica de precedentes que obstam o exame substancial de sua situação.
Ainda que o Regimento Interno do STF permita decisões monocráticas, estas devem ser interpretadas em conformidade com os preceitos constitucionais, sob pena de esvaziamento das garantias fundamentais. A reiterada recusa em submeter a prisão do paciente ao crivo do colegiado, especialmente diante de sua semi-imputabilidade e da ausência de fundamentação concreta nos termos do artigo 312 do CPP, configura manifesta violação ao devido processo legal.
IV.3. Da Afronta ao Direito à Liberdade (Art. 5º, LXI e LXVI, CF/88)
O artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal estabelece que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente". A prisão preventiva do paciente, mantida sem fundamentação que atenda aos requisitos do artigo 312 do CPP (garantia da ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou aplicação da lei penal), viola esse preceito fundamental.
Ademais, o inciso LXVI do mesmo artigo assegura que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança". No caso concreto, a semi-imputabilidade do paciente, aliada à natureza dos crimes imputados (sem violência ou grave ameaça), torna desproporcional e ilegal sua prisão preventiva, havendo alternativas como medidas cautelares diversas da prisão (art. 319, CPP) ou mesmo a aplicação de medida de segurança, conforme o artigo 97 do Código Penal.
IV.4. Da Violação ao Princípio da Colegialidade (Art. 93, IX, CF/88)
O artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal determina que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade, e a jurisprudência deste STF reconhece que decisões restritivas de direitos fundamentais devem, em regra, ser submetidas ao exame colegiado, como garantia de maior legitimidade democrática e controle de abusos. A negativa de análise colegiada nos habeas corpus impetrados em favor do paciente, sob o argumento da Súmula nº 606/STF, esvazia esse preceito, privando-o de uma revisão ampla e imparcial de sua situação.
No julgamento do HC nº 147.834, Rel. Min. Edson Fachin, este STF reconheceu a necessidade de revisão colegiada em casos de restrição prolongada de liberdade, especialmente quando há indícios de ilegalidade ou desproporcionalidade. A aplicação irrestrita da Súmula nº 606/STF, como ocorreu no caso concreto, transforma um entendimento jurisprudencial em obstáculo intransponível ao exercício de direitos fundamentais, o que não se coaduna com a Constituição.
IV.5. Do Cerceamento da Ampla Defesa e do Contraditório (Art. 5º, LV, CF/88)
A ausência de análise de mérito nos habeas corpus impetrados em favor do paciente, bem como a falta de oportunidade para que a defesa apresente suas razões em sede colegiada, viola o princípio da ampla defesa e do contraditório. A Súmula Vinculante nº 11 do STF reforça que a garantia de defesa é um direito fundamental em todas as fases do processo, sendo inadmissível que decisões monocráticas, sem possibilidade de revisão, perpetuem a prisão de um semi-imputável sem o devido enfrentamento das teses defensivas.
V. DA CONDIÇÃO DE SEMI-IMPUTABILIDADE DO PACIENTE
A semi-imputabilidade do paciente, reconhecida por laudos periciais nos autos da Ação Penal nº 2.244/DF, é elemento central da presente arguição. Nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, "a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento". Tal condição exige tratamento jurídico diferenciado, incompatível com a prisão preventiva, que tem natureza processual e não terapêutica.
A Procuradoria-Geral da República, em suas alegações finais na Ação Penal nº 2.244/DF, manifestou-se pela absolvição imprópria do paciente, reconhecendo que sua condição psíquica impede a imputação penal plena e recomenda a aplicação de medida de segurança, nos termos do artigo 97 do Código Penal. Contudo, a manutenção da prisão preventiva ignora essa manifestação e os ditames legais, configurando abuso de poder e desrespeito ao ordenamento jurídico.
A jurisprudência deste STF é clara ao estabelecer que a prisão preventiva não pode ser utilizada como medida punitiva ou em situações em que a condição do réu demande tratamento especial. No HC nº 152.752, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, foi concedida ordem para substituir a prisão preventiva por medida de segurança em caso de inimputabilidade, raciocínio que se aplica por analogia à semi-imputabilidade do paciente.
VI. DA DESPROPORCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do CPP, exige a demonstração concreta de risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. No caso concreto, não há nos autos elementos que justifiquem a manutenção da custódia cautelar do paciente, sobretudo diante de sua semi-imputabilidade e da natureza dos crimes imputados, que não envolvem violência ou grave ameaça, conforme reconhecido pela própria PGR.
A internação provisória prevista no artigo 319, inciso VII, do CPP, aplicável a semi-imputáveis em crimes cometidos com violência ou grave ameaça, não se enquadra no presente caso, o que torna a prisão preventiva uma medida manifestamente desproporcional e ilegal. A ausência de fundamentação idônea para a custódia cautelar viola o princípio da proporcionalidade, corolário do devido processo legal substancial.
VII. DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
Diante da gravidade da lesão aos preceitos fundamentais e do risco iminente de dano irreparável à liberdade e à saúde mental do paciente, requer-se a concessão de medida liminar, nos termos do artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999, para determinar a imediata suspensão da prisão preventiva de Nathan Theo Perusso, com sua consequente liberação, sem imposição de medidas cautelares, até o julgamento de mérito desta ADPF.
O periculum in mora é evidente, pois a manutenção da prisão agrava a condição psíquica do paciente, submetendo-o a sofrimento desnecessário em um ambiente prisional incompatível com sua semi-imputabilidade. O fumus boni juris, por sua vez, decorre da clara violação aos preceitos constitucionais acima elencados, amplamente demonstrada.
VIII. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
a) O recebimento e processamento da presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com a distribuição ao Plenário deste Supremo Tribunal Federal, para julgamento colegiado;
b) A concessão de medida liminar para determinar a imediata suspensão da prisão preventiva de Nathan Theo Perusso, ordenando sua liberação, sem imposição de medidas cautelares, até o julgamento final desta ADPF;
c) A notificação das autoridades coatoras, Ministra Cármen Lúcia e Ministro Alexandre de Moraes, para que prestem informações no prazo legal;
d) A oitiva da Procuradoria-Geral da República, nos termos do artigo 5º da Lei nº 9.882/1999;
e) No mérito, a procedência da ADPF, para declarar a inconstitucionalidade das decisões monocráticas proferidas nos Habeas Corpus nº 248.378/DF e nº 249.012/DF, bem como da manutenção da prisão preventiva na Ação Penal nº 2.244/DF, por violação aos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, devido processo legal, direito à liberdade, princípio da colegialidade e garantia da ampla defesa, determinando a liberação definitiva do paciente;
f) A intimação do requerente e do interessado para todos os atos processuais.
IX. CONCLUSÃO
A presente ADPF busca resguardar os preceitos fundamentais da Constituição Federal, que estão sendo gravemente violados pela manutenção da prisão preventiva de Nathan Theo Perusso, um semi-imputável cuja condição exige tratamento jurídico especial, e não a aplicação de medidas processuais desproporcionais. A reiterada negativa de análise de mérito por decisões monocráticas, sob o argumento formal da Súmula nº 606/STF, cerceia direitos fundamentais e perpetua uma injustiça que clama por reparação.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 20 de fevereiro de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho