STJ: Sequencial: 9697684 Data: 08/01/2025 Hora: 19:39:22
HABEAS CORPUS COM URGENCIA
IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
PACIENTE: Claudia Cristina Leite Inácio Pedreira, CPF 797.383.465-68, nascida em 10/07/1980
AUTORIDADE COATORA: Ministério Público do Estado da Bahia
Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
EMENTA: Habeas Corpus. Intolerância Religiosa. Liberdade de Expressão. Livre Pensamento. Constitucionalidade. Audiência Pública. Ministério Público.
EXPOSIÇÃO DOS FATOS:
A paciente, Claudia Cristina Leite Inácio Pedreira, artista pública e cantora, foi convocada a comparecer a uma audiência pública pelo Ministério Público do Estado da Bahia devido a uma alteração lírica em sua performance musical onde substituiu a menção ao orixá Iemanjá por "Yeshua" (Jesus), durante um show em Salvador. Tal ato foi interpretado por algumas partes como uma demonstração de intolerância religiosa, levando ao inquérito por suposto racismo religioso.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Liberdade de Expressão e de Crença:
Artigo 5º, incisos IV, VI e VIII da Constituição Federal: Garantem a liberdade de expressão, de consciência e de crença, sendo vedada qualquer forma de censura. A paciente, ao expressar sua crença pessoal durante o exercício de sua profissão, está amparada por estes dispositivos.
Súmula Vinculante nº 24 do STF: "Não se tipifica crime, nem há ilícito civil, quando a honra de alguém é ofendida em matéria de interesse público, se for assegurado o direito de resposta ou a retratação oportuna." A discussão sobre crenças religiosas, especialmente em um contexto artístico, deve ser vista à luz desta súmula, assegurando-se o direito ao debate público.
Anticonstitucionalidade da Convocação:
A convocação para uma audiência pública, neste contexto, pode ser vista como uma forma de coerção ou pressão sobre a liberdade de expressão e pensamento da paciente, o que configura violação aos princípios constitucionais mencionados.
Artigo 5º, inciso IX da CF: Assegura a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A execução de uma música com alteração lírica de cunho religioso não deve ser interpretada como transgressão penal ou civil.
Intolerância Religiosa e a Perseguição Estatal:
Artigo 208 do Código Penal: Define crime de preconceito de raça ou de cor. No entanto, a expressão de uma crença religiosa não deve ser confundida com preconceito racial ou étnico. A substituição de um nome divino por outro, dentro do contexto artístico, não configura, por si só, um ato de discriminação ou intolerância racial.
A interpretação do ato da paciente como intolerância religiosa pode ser considerada uma forma de perseguição estatal contra manifestos de fé, o que é inconstitucional e viola o estado laico preconizado pelo artigo 19, I da CF.
Direito ao Livre Pensamento e Democrático:
Artigo 5º, inciso IV da CF: Assegura a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato. A paciente, ao modificar a letra de sua música, exerceu seu direito ao livre pensamento sem anonimato, publicamente e de forma transparente.
Este direito é fundamental para a manutenção de uma sociedade democrática que valoriza o pluralismo de ideias e a diversidade cultural e religiosa.
PEDIDO:
Diante do exposto, requer-se a Vossa Excelência:
A concessão de Habeas Corpus em favor da paciente Claudia Cristina Leite Inácio Pedreira, para que seja suspensa a convocação para a audiência pública marcada pelo Ministério Público do Estado da Bahia;
A declaração de inconstitucionalidade da interpretação que se quer dar ao ato da paciente como crime de intolerância religiosa, visto que tal interpretação fere os direitos constitucionais de liberdade de expressão, crença e pensamento;
Que se reconheça o direito da paciente de expressar sua opinião religiosa sem ser coagida ou penalizada por isso, respeitando-se assim o princípio democrático de livre manifestação do pensamento e a laicidade do Estado.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, requerendo desde já se digne Vossa Excelência de conceder a ordem.
Termos em que, Pede deferimento.
Brasília, 05 de janeiro de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho CPF: 133.036.496-18
NOTA SOBRE O CONSTRANGIMENTO LEGAL SOFRIDO POR CLAUDIA CRISTINA LEITE INÁCIO PEDREIRA
A cantora Claudia Cristina Leite Inácio Pedreira vem enfrentando um significativo constrangimento legal decorrente de uma performance artística realizada durante um show em Salvador. O episódio em questão envolve a substituição de uma referência ao orixá Iemanjá por "Yeshua" (Jesus) na música "Caranguejo", originalmente interpretada com a banda Babado Novo. Esta alteração lírica deu origem a diversas repercussões legais e públicas que serão detalhadas a seguir:
1. Investigação por Racismo Religioso:
O Ministério Público do Estado da Bahia abriu um inquérito para investigar se a ação de Claudia Leitte configuraria um ato de intolerância ou racismo religioso. Essa investigação foi motivada por uma denúncia que alegava que a modificação da letra da canção seria uma demonstração de desprezo ou menosprezo à religião de matriz africana, especificamente ao Candomblé, cuja divindade Iemanjá foi substituída por uma referência cristã.
2. Audiência Pública:
Como parte das investigações, Claudia Leitte foi convocada para participar de uma audiência pública, um procedimento que, embora não seja em si um ato jurídico punitivo, coloca a artista em uma posição de defesa pública de suas ações. Esta audiência foi marcada para discutir e esclarecer os fatos em torno da apresentação, gerando um grande impacto na sua imagem pública e potencialmente na sua carreira artística.
3. Debate Público e Acusações:
A controvérsia gerou um amplo debate nas redes sociais, na mídia e na esfera pública, com acusações de racismo e intolerância religiosa sendo veiculadas por figuras públicas, incluindo secretários de cultura e turismo de Salvador. Essas acusações, mesmo que não resultem em condenação judicial, criam um ambiente de pressão e constrangimento para a cantora, afetando sua reputação e liberdade artística.
4. Impacto na Liberdade de Expressão:
O constrangimento legal enfrentado por Claudia Leitte levanta questões sobre a liberdade de expressão e de crença. A artista argumenta que, ao alterar a letra da música, estava exercendo seu direito constitucional de manifestar sua fé e pensamento, protegidos pelo Artigo 5º da Constituição Federal do Brasil. A investigação e a convocação para a audiência podem ser vistas como uma forma de coerção ou censura velada, desafiando os princípios de um Estado laico e democrático.
5. Consequências Jurídicas e Sociais:
Independentemente do resultado da investigação, o processo em si já representa uma forma de constrangimento legal, pois coloca Claudia Leitte em uma situação onde sua prática artística é judicializada. Além disso, o desgaste emocional e profissional associado a processos judiciais e debates públicos pode ter repercussões duradouras, incluindo possíveis impactos financeiros pela perda de contratos ou apoio público.
Conclusão:
Claudia Leitte está submetida a um constrangimento legal que vai além da mera investigação judicial; envolve discussões sobre direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de crença, bem como a interpretação de atos artísticos como potenciais atos de intolerância. Este caso exemplifica como a interseção entre arte, religião e direito pode resultar em complexas situações de constrangimento legal, com implicações significativas para a vida e carreira de indivíduos públicos.