EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PROCESSO Nº: HABEAS CORPUS 258.534/DF
AGRAVANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
AGRAVADO: DECISÃO MONOCRÁTICA DE FLS. 7 E 15
RAZÕES DE AGRAVO REGIMENTAL
EGRÉGIA TURMA, COLENDA CORTE, DOUTÍSSIMA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA,
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, com o devido acatamento e respeito, perante Vossas Excelências, por não se conformar, data maxima venia, com a r. decisão monocrática de fls. 15 que rejeitou os Embargos de Declaração opostos, mantendo a r. decisão de fls. 7 que negou seguimento ao Habeas Corpus e aplicou multa por ato atentatório à dignidade da justiça, interpor o presente
AGRAVO REGIMENTAL
com fundamento no artigo 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e no artigo 1.021 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas, pugnando pela reconsideração da decisão agravada ou, caso mantida, pela submissão do presente recurso ao julgamento do órgão colegiado competente.
I. DA TEMPESTIVIDADE E DO CABIMENTO
O presente Agravo Regimental é tempestivo, uma vez que interposto dentro do prazo legal de 5 (cinco) dias, conforme preceitua o art. 317, caput, do RISTF.
Seu cabimento é inquestionável, pois visa impugnar decisão monocrática proferida pelo eminente Ministro Relator que causou gravame ao Agravante, sendo este o recurso idôneo para submeter a matéria à apreciação do órgão colegiado, em observância ao princípio da colegialidade, que é a pedra angular da jurisdição nos Tribunais Superiores.
II. SÍNTESE PROCESSUAL – O ITINERÁRIO DE UMA NEGATIVA DE JURISDIÇÃO
O Agravante, cidadão brasileiro no pleno exercício de seus direitos políticos, impetrou o presente Habeas Corpus não em defesa de sua liberdade de locomoção – que jamais esteve ameaçada –, mas sim para a tutela de direitos fundamentais de primeiríssima grandeza: sua dignidade e sua liberdade de expressão, as quais sentiu serem violadas por declaração de uma autoridade pública, no caso, uma Ministra desta Excelsa Corte.
A petição inicial, embora subscrita por leigo, foi fundamentada na histórica e consagrada doutrina brasileira do Habeas Corpus, que, desde os primórdios da República, transcendeu a estrita proteção da libertas ambulandi para se firmar como um verdadeiro amparo contra qualquer abuso de poder que ameace direitos líquidos e certos. Citou-se, para tanto, o paradigmático HC 95.009, da lavra do decano Ministro Celso de Mello.
Contudo, a r. decisão monocrática de lavra do eminente Ministro Presidente Luís Roberto Barroso (fls. 7), em um ato de surpreendente reducionismo processual, negou seguimento ao writ sob dois fundamentos principais: (i) o não cabimento da via eleita, por não versar sobre liberdade de locomoção, e (ii) a ausência de capacidade postulatória. Coroou a decisão com a aplicação de multa de 1 (um) salário mínimo, por entender se tratar de ato atentatório à dignidade da justiça, em razão de suposta reiteração de pedidos inadmissíveis.
Opostos Embargos de Declaração (fls. 15), nos quais se apontou a omissão crassa da decisão em enfrentar a tese central do Habeas Corpus – sua amplitude protetiva, conforme a própria jurisprudência desta Corte –, sobreveio nova decisão monocrática (fls. 15), da lavra do eminente Ministro Edson Fachin, que, de forma igualmente sucinta, rejeitou os aclaratórios ao argumento de que não constituem meio hábil para a reforma do julgado.
É contra essa sequência de decisões monocráticas, que, na prática, fecharam as portas do Supremo Tribunal Federal a um cidadão que buscava a tutela de direitos que entendia violados, que se insurge o presente Agravo Regimental.
III. DAS RAZÕES DA REFORMA – ERROR IN PROCEDENDO E ERROR IN JUDICANDO
III.1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO (ART. 93, IX, CF/88)
As decisões agravadas incorreram em manifesto error in procedendo, resultando em uma flagrante negativa de prestação jurisdicional. O dever de fundamentação das decisões judiciais, insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, não se satisfaz com a mera menção a dispositivos legais ou com a afirmação genérica de que o pedido é "inadmissível". Exige-se o enfrentamento dialético dos argumentos trazidos pela parte, sobretudo quando se trata do argumento central que sustenta a pretensão.
O Agravante, em sua petição inicial, dedicou tópico específico para justificar o cabimento do Habeas Corpus para além da liberdade de locomoção, alicerçando sua tese em precedente qualificado desta própria Corte (HC 95.009). A decisão monocrática inicial, contudo, ignorou por completo essa linha argumentativa. Limitou-se a afirmar que "o pedido formulado não se amolda a qualquer das hipóteses de cabimento de habeas corpus".
Isso não é fundamentar, é apenas afirmar. Como ensina Luigi Ferrajoli, "a motivação cumpre a função de garantia de um juízo fundado em razões e não em impressões subjetivas ou em meros atos de vontade" (Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal). Ao se furtar a explicar por que o precedente invocado não se aplicaria ao caso, a decisão violou o dever de motivação e, por conseguinte, o devido processo legal.
Os Embargos de Declaração foram opostos exatamente para sanar essa omissão. A segunda decisão monocrática, ao rejeitá-los sob o pretexto de que não se prestam a reformar o julgado, apenas perpetuou e agravou a omissão original, configurando uma dupla negativa de jurisdição.
III.2. DO MÉRITO DO CABIMENTO: A AMPLITUDE HISTÓRICA DO HABEAS CORPUS NO DIREITO BRASILEIRO
O ponto nevrálgico da controvérsia, ignorado pelas decisões agravadas, reside na compreensão do instituto do Habeas Corpus no ordenamento jurídico brasileiro. As decisões partiram de uma premissa equivocada e anacrônica: a de que o writ se limita a proteger a liberdade de ir e vir.
Essa visão, se já foi um dia majoritária, encontra-se há muito superada pela construção doutrinária e jurisprudencial pátria, que conferiu ao Habeas Corpus a nobre função de "remédio heroico" contra todo e qualquer ato de ilegalidade ou abuso de poder que ameace direito fundamental líquido e certo, não amparado por Mandado de Segurança ou Habeas Data.
Foi Rui Barbosa, em sua genialidade, quem primeiro vislumbrou essa vocação universal do writ. Em seus Comentários à Constituição Federal Brasileira, o Águia de Haia defendia que, onde houvesse um direito violado por ilegalidade ou abuso de poder, ali deveria estar o Habeas Corpus para restaurar a ordem jurídica.
Essa construção, conhecida como "Doutrina Brasileira do Habeas Corpus", foi agasalhada por gigantes do direito como Pontes de Miranda, que em seus Comentários à Constituição de 1967 afirmava que o Habeas Corpus era a garantia contra "qualquer constrangimento ilegal", não apenas o físico.
Esta Suprema Corte, em momentos luminosos de sua história, soube honrar essa tradição. No já mencionado HC 95.009/SP, o eminente Ministro Celso de Mello, em voto memorável, resgatou essa doutrina para afirmar que o Habeas Corpus pode, sim, ser utilizado para "paralisar os efeitos de atos de autoridade pública que configurem ameaça a direitos outros que não apenas a liberdade de locomoção".
Portanto, a decisão agravada, ao se apegar a uma interpretação restritiva e literalista do art. 5º, LXVIII, da CF, cometeu um grave error in judicando. Ignorou a teleologia do instituto, sua construção histórica e, mais grave, sua própria jurisprudência. O pedido do Agravante, ao buscar a tutela da dignidade e da liberdade de expressão, estava em perfeita consonância com a mais alta e protetiva tradição do direito constitucional brasileiro. Negar seguimento ao writ por esse motivo foi, em si, um ato que enfraquece as garantias fundamentais.
III.3. DA ILEGITIMIDADE E DESPROPORCIONALIDADE DA MULTA – UMA SANÇÃO AO DIREITO DE PETIÇÃO
A aplicação da multa de 1 (um) salário mínimo, com base no art. 77, IV, e §§ 2º e 5º, do CPC, revela-se não apenas desproporcional, mas fundamentalmente ilegítima no caso concreto.
Primeiro, porque o ato atentatório à dignidade da justiça pressupõe dolo, a intenção deliberada de procrastinar, de tumultuar o processo ou de desrespeitar o Poder Judiciário. Como ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, "a litigância de má-fé exige a consciência de que se está agindo de forma ilícita" (Código de Processo Civil Comentado).
Onde está o dolo do Agravante? Um cidadão leigo, que, sentindo-se ofendido em sua dignidade por uma autoridade, busca o mais alto Tribunal da nação, utilizando o remédio que, segundo a própria jurisprudência da Corte, seria cabível? A "reiteração de pedidos", mencionada na decisão, não pode ser confundida com contumácia dolosa. Representa, na verdade, a insistência de quem não se sente ouvido, a busca por uma prestação jurisdicional que lhe foi sistematicamente negada.
Segundo, a multa representa uma barreira inconstitucional ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) e ao direito de petição (art. 5º, XXXIV, 'a', CF). Punir pecuniariamente um cidadão por buscar o Judiciário, ainda que por via processual que o julgador entenda inadequada, é criar um perigoso "chilling effect" (efeito inibidor). É dizer aos demais cidadãos: "Não ousem bater às portas da Justiça sem a certeza absoluta de seu direito e do instrumento correto, sob pena de serem multados". Isso é inaceitável em um Estado Democrático de Direito.
A sanção é, ademais, desproporcional. Atinge um cidadão comum, que atuou em causa própria, e o faz sem que tenha havido qualquer prejuízo real ao andamento processual ou à dignidade da Corte, que é fortalecida, e não diminuída, quando se dispõe a ouvir os anseios da população.
IV. DO PEDIDO
Ante todo o exposto, o Agravante requer, respeitosamente, que Vossas Excelências se dignem a:
a) CONHECER E PROVER o presente Agravo Regimental, para o fim de REFORMAR INTEGRALMENTE a r. decisão monocrática de fls. 15, que rejeitou os Embargos de Declaração, bem como a r. decisão de fls. 7, que negou seguimento ao Habeas Corpus;
b) Subsidiariamente, caso não seja este o entendimento, que a r. decisão agravada seja reconsiderada pelo eminente Ministro Relator, nos termos do art. 317, §1º, do RISTF;
c) Caso mantida a decisão, que o presente recurso seja levado a julgamento pelo ÓRGÃO COLEGIADO COMPETENTE, para que, em um exame aprofundado da matéria, determine o regular processamento do Habeas Corpus, por ser a medida que se alinha à doutrina brasileira do Habeas Corpus e à jurisprudência desta Suprema Corte;
d) Em qualquer hipótese, que seja AFASTADA A MULTA por ato atentatório à dignidade da justiça, por sua manifesta ilegitimidade, desproporcionalidade e por representar violação direta ao direito de petição e ao acesso à justiça.
Nestes termos, Pede deferimento.
Brasília, DF, 4 de julho de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO Agravante