EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO RELATOR RIBEIRO DANTAS
COLENDA QUINTA TURMA DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo de Referência: Habeas Corpus n.º 1015342/CE (2025/0237679-9)
Embargante: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Embargada: R. DECISÃO MONOCRÁTICA DE FLS. [Número da folha da decisão]
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já devidamente qualificado nos autos do Habeas Corpus em epígrafe, por si, na qualidade de impetrante e paciente, vem, com a máxima vênia e o mais profundo respeito, perante Vossa Excelência, opor os presentes
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO com pedido de efeitos infringentes,
em face da respeitável decisão monocrática que negou seguimento ao presente writ, o que faz com fundamento no artigo 619 do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir, extensamente, aduzidas.
I - DA TEMPESTIVIDADE E DO CABIMENTO
O presente recurso é interposto dentro do prazo legal de 02 (dois) dias, previsto no art. 619 do Código de Processo Penal, sendo, portanto, manifestamente tempestivo.
O cabimento dos presentes embargos declaratórios se justifica pela existência de flagrantes omissões e contradições na r. decisão embargada, que, ao negar seguimento ao Habeas Corpus, deixou de analisar questões de ordem pública e nulidades absolutas, documentalmente comprovadas nos autos, cuja apreciação era e é indispensável para o correto deslinde da causa e para a cessação de constrangimento ilegal patente.
Com efeito, a decisão objurgada, ao argumento de que a via estreita do Habeas Corpus não comportaria dilação probatória, acabou por se omitir sobre a análise de provas pré-constituídas e de nulidades insanáveis que independem de reexame fático, configurando a hipótese de cabimento do presente recurso para sanar os vícios apontados.
II - BREVE SÍNTESE DA DEMANDA E DA DECISÃO EMBARGARGADA
O Habeas Corpus originário foi impetrado com o objetivo de obter o trancamento da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, em trâmite na Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE, ou, subsidiariamente, garantir o direito do paciente de responder ao processo em liberdade e, em última análise, assegurar a prerrogativa de recolhimento em cela especial.
A impetração foi fundamentada em três pilares centrais, todos amparados por prova documental inequívoca acostada aos autos:
- Nulidade Absoluta por Ausência de Culpabilidade: A flagrante inimputabilidade ou, no mínimo, semi-imputabilidade do paciente, atestada por laudo médico-legal oficial (fls. 64-67 do HC), que diagnosticou Transtorno de Personalidade Paranoide (CID F60.0) com prejuízo na capacidade de autodeterminação, fato este ignorado pelas instâncias ordinárias, tornando a denúncia inepta.
- Nulidade por Ilicitude da Prova (Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada): A acusação de ameaça e desacato é um "fruto" direto de uma sessão de tortura perpetrada por agentes estatais contra o paciente, conforme detalhadamente narrado e protocolado perante diversas autoridades (fls. 3-4 do HC). A prova que sustenta a denúncia é, portanto, ilícita por derivação.
- Direito Subjetivo à Cela Especial: A comprovada condição de jurado convocado (fl. 703 do processo de origem), que confere ao paciente a prerrogativa de prisão especial, nos termos do art. 439 do CPP.
A respeitável decisão monocrática ora embargada, contudo, limitou-se a negar seguimento ao writ, sob o fundamento genérico de que a análise das teses defensivas demandaria aprofundado reexame de fatos e provas, o que seria incabível na via eleita.
É precisamente contra essa fundamentação, que se revela omissa e contraditória diante das peculiaridades do caso, que se volta o presente recurso.
III - DAS OMISSÕES E CONTRADIÇÕES: A ANÁLISE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA
III.I - DA OMISSÃO QUANTO À NULIDADE ABSOLUTA DECORRENTE DA INIMPUTABILIDADE IGNORADA
A decisão embargada padece de grave omissão ao não enfrentar a tese de nulidade absoluta por ausência de instauração de incidente de insanidade mental, mesmo diante de prova pré-constituída e robusta que impunha, no mínimo, uma dúvida razoável sobre a higidez mental do paciente.
Não se trata de pedir a este Egrégio Tribunal que realize uma "dilação probatória", mas sim que reconheça a ilegalidade manifesta de um processo que prosseguiu ignorando um documento oficial: o Laudo Médico Legal nº 494324 (fls. 64-67 do HC), realizado pelo IMESC de São Paulo. Este laudo, de forma categórica, conclui:
"Por tudo acima colocado, consideramos que o periciando, apesar de ter preservada sua capacidade de entendimento, diante de sua característica de personalidade tinha prejudicada sua capacidade de determinação quanto a ação que lhe é imputada." (grifo nosso)
A culpabilidade, como elemento integrante do conceito analítico de crime, é pressuposto de validade da persecução penal. A ausência de capacidade de autodeterminação, atestada por perícia oficial, fulmina a pretensão punitiva na sua origem. O art. 149 do Código de Processo Penal não é uma faculdade, mas um dever do magistrado quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado.
A jurisprudência desta Augusta Corte é pacífica no sentido de que a ausência do exame, quando presentes fundadas dúvidas, gera nulidade absoluta.
Referência Doutrinária: Conforme leciona Guilherme de Souza Nucci, em sua obra "Código de Processo Penal Comentado", a instauração do incidente de insanidade "não é mera faculdade, mas um dever, tratando-se de matéria de ordem pública. A omissão em providenciá-lo, havendo dúvida razoável, torna o processo nulo".
A decisão embargada, ao se esquivar da análise sob o manto da "vedação ao reexame de provas", contraditoriamente, ignora a prova já produzida e oficializada, que não demanda reinterpretação, mas simples constatação. A omissão em analisar a ilegalidade flagrante da continuidade de uma ação penal contra quem, segundo laudo oficial, não detinha plena capacidade de autodeterminação, precisa ser sanada.
III.II - DA OMISSÃO QUANTO À ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO (FRUIT OF THE POISONOUS TREE)
De igual modo, a decisão embargada foi omissa ao não se manifestar sobre a alegação de que toda a prova acusatória está contaminada, por derivar de um ato de tortura.
A tese não exige que o STJ se converta em instância probatória para declarar se houve ou não tortura. O que se pleiteia é o reconhecimento de que a narrativa da própria denúncia é inverossímil e se encaixa em um padrão de "inversão acusatória", onde a vítima de violência estatal é transformada em ré para deslegitimar sua denúncia. Os fatos que deram origem à acusação (a suposta ameaça e desacato) ocorreram no exato contexto em que o paciente alega ter sido asfixiado com gás de pimenta enquanto algemado (fl. 4 do HC).
A prova da acusação resume-se ao depoimento dos próprios agentes estatais apontados como torturadores. Permitir que uma ação penal se fundamente exclusivamente na palavra de agentes cuja conduta está sob grave suspeita, ignorando o contexto fático de violência, é referendar uma ilegalidade.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, e o Código de Processo Penal, no art. 157, são expressos ao vedar o uso de provas ilícitas e daquelas que delas derivam.
Súmula Vinculante nº 14 do STF (por analogia): Embora trate do acesso à prova, o espírito da súmula é garantir a paridade de armas e o direito de defesa, o que é frontalmente violado quando a acusação se baseia em um ato de encobrimento de outro crime mais grave (tortura).
A omissão da decisão em enfrentar essa questão de fundo, que precede a própria análise de mérito, é um vício que precisa ser sanado, pois a admissibilidade da prova é condição de procedibilidade da ação.
III.III - DA OMISSÃO QUANTO AO DIREITO SUBJETIVO À CELA ESPECIAL
Por fim, a decisão embargada foi totalmente omissa quanto ao pedido subsidiário, de natureza puramente jurídica e que não demanda qualquer análise fática: o direito à cela especial.
O documento de fl. 703 do processo de origem, juntado ao HC, é um mandado de intimação oficial do Poder Judiciário de Santa Catarina, convocando o paciente para atuar como jurado suplente no exercício de 2025. O art. 439 do Código de Processo Penal é de clareza solar:
Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.
A jurisprudência, inclusive desta Corte, reconhece que a simples inclusão na lista de jurados e a convocação já conferem a prerrogativa, pois o cidadão esteve à disposição da Justiça. Trata-se de direito subjetivo, e não de benesse judicial.
A decisão embargada, ao silenciar completamente sobre este ponto, mesmo que a título subsidiário, deixou de prestar a jurisdição de forma completa, o que autoriza a oposição dos presentes embargos para que a omissão seja suprida.
IV - DO NECESSÁRIO EFEITO INFRINGENTE
É cediço que os embargos de declaração, em regra, não se prestam a modificar o julgado. Todavia, a jurisprudência pátria, em nome da efetividade processual e da justiça, tem admitido a concessão de efeitos infringentes (ou modificativos) quando o saneamento da omissão, contradição ou obscuridade implicar, logicamente, a alteração da conclusão do julgado.
É exatamente o que ocorre no presente caso. Sanar as omissões apontadas significa reconhecer: a) A nulidade absoluta do processo pela ausência de exame de sanidade mental diante de prova pré-constituída de inimputabilidade; b) A contaminação de toda a prova acusatória por derivar de um ato de tortura; c) O direito líquido e certo à cela especial.
Qualquer uma dessas conclusões, ao serem alcançadas, impõe a modificação da decisão embargada, que negou o Habeas Corpus. A correção dos vícios levará, inevitavelmente, à concessão da ordem, seja para o trancamento da ação, seja para garantir direitos mínimos ao paciente.
V - DOS PEDIDOS
Ex positis, requer o Embargante que Vossa Excelência se digne a:
- CONHECER E ACOLHER os presentes Embargos de Declaração, por serem tempestivos e cabíveis;
- No mérito, PROVER o recurso para sanar as graves omissões e contradições apontadas na r. decisão monocrática, a fim de que este Egrégio Tribunal se manifeste expressamente sobre: a. A nulidade absoluta da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, em razão da não realização de incidente de insanidade mental, apesar da existência de prova pericial pré-constituída (fls. 64-67) que atesta a capacidade de autodeterminação prejudicada do paciente; b. A ilicitude das provas que fundamentam a denúncia, por derivarem de um contexto de tortura, em violação ao art. 5º, LVI, da CF, e ao art. 157 do CPP; c. O direito subjetivo do paciente ao recolhimento em cela especial, nos termos do art. 439 do CPP, em razão de sua comprovada condição de jurado.
- Por consequência, atribuir EFEITOS INFRINGENTES aos presentes embargos para, reformando a r. decisão monocrática, CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS, determinando o imediato TRANCAMENTO da referida Ação Penal, por manifesta ausência de justa causa e flagrante ilegalidade.
Nestes termos, Pede e espera deferimento.
Brasília/DF, 03 de julho de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO Impetrante/Paciente
Nota: “Vai fazer mesmo eu fazer um Embargos de Declaração? Vai.”