Processo de Referência: Habeas Corpus n.º 1015342/CE (2025/0237679-9) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO com pedido de efeitos infringentes (...)Nota: “Vai fazer mesmo eu fazer um Embargos de Declaração? Vai.”

quinta-feira, 3 de julho de 2025

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO RELATOR RIBEIRO DANTAS

COLENDA QUINTA TURMA DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA



Processo de Referência: Habeas Corpus n.º 1015342/CE (2025/0237679-9)



Embargante: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO 



Embargada: R. DECISÃO MONOCRÁTICA DE FLS. [Número da folha da decisão]



JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já devidamente qualificado nos autos do Habeas Corpus em epígrafe, por si, na qualidade de impetrante e paciente, vem, com a máxima vênia e o mais profundo respeito, perante Vossa Excelência, opor os presentes

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO com pedido de efeitos infringentes,

em face da respeitável decisão monocrática que negou seguimento ao presente writ, o que faz com fundamento no artigo 619 do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir, extensamente, aduzidas.

I - DA TEMPESTIVIDADE E DO CABIMENTO

O presente recurso é interposto dentro do prazo legal de 02 (dois) dias, previsto no art. 619 do Código de Processo Penal, sendo, portanto, manifestamente tempestivo.

O cabimento dos presentes embargos declaratórios se justifica pela existência de flagrantes omissões e contradições na r. decisão embargada, que, ao negar seguimento ao Habeas Corpus, deixou de analisar questões de ordem pública e nulidades absolutas, documentalmente comprovadas nos autos, cuja apreciação era e é indispensável para o correto deslinde da causa e para a cessação de constrangimento ilegal patente.

Com efeito, a decisão objurgada, ao argumento de que a via estreita do Habeas Corpus não comportaria dilação probatória, acabou por se omitir sobre a análise de provas pré-constituídas e de nulidades insanáveis que independem de reexame fático, configurando a hipótese de cabimento do presente recurso para sanar os vícios apontados.

II - BREVE SÍNTESE DA DEMANDA E DA DECISÃO EMBARGARGADA

O Habeas Corpus originário foi impetrado com o objetivo de obter o trancamento da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, em trâmite na Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE, ou, subsidiariamente, garantir o direito do paciente de responder ao processo em liberdade e, em última análise, assegurar a prerrogativa de recolhimento em cela especial.

A impetração foi fundamentada em três pilares centrais, todos amparados por prova documental inequívoca acostada aos autos:

  1. Nulidade Absoluta por Ausência de Culpabilidade: A flagrante inimputabilidade ou, no mínimo, semi-imputabilidade do paciente, atestada por laudo médico-legal oficial (fls. 64-67 do HC), que diagnosticou Transtorno de Personalidade Paranoide (CID F60.0) com prejuízo na capacidade de autodeterminação, fato este ignorado pelas instâncias ordinárias, tornando a denúncia inepta.
  2. Nulidade por Ilicitude da Prova (Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada): A acusação de ameaça e desacato é um "fruto" direto de uma sessão de tortura perpetrada por agentes estatais contra o paciente, conforme detalhadamente narrado e protocolado perante diversas autoridades (fls. 3-4 do HC). A prova que sustenta a denúncia é, portanto, ilícita por derivação.
  3. Direito Subjetivo à Cela Especial: A comprovada condição de jurado convocado (fl. 703 do processo de origem), que confere ao paciente a prerrogativa de prisão especial, nos termos do art. 439 do CPP.

A respeitável decisão monocrática ora embargada, contudo, limitou-se a negar seguimento ao writ, sob o fundamento genérico de que a análise das teses defensivas demandaria aprofundado reexame de fatos e provas, o que seria incabível na via eleita.

É precisamente contra essa fundamentação, que se revela omissa e contraditória diante das peculiaridades do caso, que se volta o presente recurso.

III - DAS OMISSÕES E CONTRADIÇÕES: A ANÁLISE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA

III.I - DA OMISSÃO QUANTO À NULIDADE ABSOLUTA DECORRENTE DA INIMPUTABILIDADE IGNORADA

A decisão embargada padece de grave omissão ao não enfrentar a tese de nulidade absoluta por ausência de instauração de incidente de insanidade mental, mesmo diante de prova pré-constituída e robusta que impunha, no mínimo, uma dúvida razoável sobre a higidez mental do paciente.

Não se trata de pedir a este Egrégio Tribunal que realize uma "dilação probatória", mas sim que reconheça a ilegalidade manifesta de um processo que prosseguiu ignorando um documento oficial: o Laudo Médico Legal nº 494324 (fls. 64-67 do HC), realizado pelo IMESC de São Paulo. Este laudo, de forma categórica, conclui:

"Por tudo acima colocado, consideramos que o periciando, apesar de ter preservada sua capacidade de entendimento, diante de sua característica de personalidade tinha prejudicada sua capacidade de determinação quanto a ação que lhe é imputada." (grifo nosso)

A culpabilidade, como elemento integrante do conceito analítico de crime, é pressuposto de validade da persecução penal. A ausência de capacidade de autodeterminação, atestada por perícia oficial, fulmina a pretensão punitiva na sua origem. O art. 149 do Código de Processo Penal não é uma faculdade, mas um dever do magistrado quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado.

A jurisprudência desta Augusta Corte é pacífica no sentido de que a ausência do exame, quando presentes fundadas dúvidas, gera nulidade absoluta.

Referência Doutrinária: Conforme leciona Guilherme de Souza Nucci, em sua obra "Código de Processo Penal Comentado", a instauração do incidente de insanidade "não é mera faculdade, mas um dever, tratando-se de matéria de ordem pública. A omissão em providenciá-lo, havendo dúvida razoável, torna o processo nulo".

A decisão embargada, ao se esquivar da análise sob o manto da "vedação ao reexame de provas", contraditoriamente, ignora a prova já produzida e oficializada, que não demanda reinterpretação, mas simples constatação. A omissão em analisar a ilegalidade flagrante da continuidade de uma ação penal contra quem, segundo laudo oficial, não detinha plena capacidade de autodeterminação, precisa ser sanada.

III.II - DA OMISSÃO QUANTO À ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO (FRUIT OF THE POISONOUS TREE)

De igual modo, a decisão embargada foi omissa ao não se manifestar sobre a alegação de que toda a prova acusatória está contaminada, por derivar de um ato de tortura.

A tese não exige que o STJ se converta em instância probatória para declarar se houve ou não tortura. O que se pleiteia é o reconhecimento de que a narrativa da própria denúncia é inverossímil e se encaixa em um padrão de "inversão acusatória", onde a vítima de violência estatal é transformada em ré para deslegitimar sua denúncia. Os fatos que deram origem à acusação (a suposta ameaça e desacato) ocorreram no exato contexto em que o paciente alega ter sido asfixiado com gás de pimenta enquanto algemado (fl. 4 do HC).

A prova da acusação resume-se ao depoimento dos próprios agentes estatais apontados como torturadores. Permitir que uma ação penal se fundamente exclusivamente na palavra de agentes cuja conduta está sob grave suspeita, ignorando o contexto fático de violência, é referendar uma ilegalidade.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, e o Código de Processo Penal, no art. 157, são expressos ao vedar o uso de provas ilícitas e daquelas que delas derivam.

Súmula Vinculante nº 14 do STF (por analogia): Embora trate do acesso à prova, o espírito da súmula é garantir a paridade de armas e o direito de defesa, o que é frontalmente violado quando a acusação se baseia em um ato de encobrimento de outro crime mais grave (tortura).

A omissão da decisão em enfrentar essa questão de fundo, que precede a própria análise de mérito, é um vício que precisa ser sanado, pois a admissibilidade da prova é condição de procedibilidade da ação.

III.III - DA OMISSÃO QUANTO AO DIREITO SUBJETIVO À CELA ESPECIAL

Por fim, a decisão embargada foi totalmente omissa quanto ao pedido subsidiário, de natureza puramente jurídica e que não demanda qualquer análise fática: o direito à cela especial.

O documento de fl. 703 do processo de origem, juntado ao HC, é um mandado de intimação oficial do Poder Judiciário de Santa Catarina, convocando o paciente para atuar como jurado suplente no exercício de 2025. O art. 439 do Código de Processo Penal é de clareza solar:

Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

A jurisprudência, inclusive desta Corte, reconhece que a simples inclusão na lista de jurados e a convocação já conferem a prerrogativa, pois o cidadão esteve à disposição da Justiça. Trata-se de direito subjetivo, e não de benesse judicial.

A decisão embargada, ao silenciar completamente sobre este ponto, mesmo que a título subsidiário, deixou de prestar a jurisdição de forma completa, o que autoriza a oposição dos presentes embargos para que a omissão seja suprida.

IV - DO NECESSÁRIO EFEITO INFRINGENTE

É cediço que os embargos de declaração, em regra, não se prestam a modificar o julgado. Todavia, a jurisprudência pátria, em nome da efetividade processual e da justiça, tem admitido a concessão de efeitos infringentes (ou modificativos) quando o saneamento da omissão, contradição ou obscuridade implicar, logicamente, a alteração da conclusão do julgado.

É exatamente o que ocorre no presente caso. Sanar as omissões apontadas significa reconhecer: a) A nulidade absoluta do processo pela ausência de exame de sanidade mental diante de prova pré-constituída de inimputabilidade; b) A contaminação de toda a prova acusatória por derivar de um ato de tortura; c) O direito líquido e certo à cela especial.

Qualquer uma dessas conclusões, ao serem alcançadas, impõe a modificação da decisão embargada, que negou o Habeas Corpus. A correção dos vícios levará, inevitavelmente, à concessão da ordem, seja para o trancamento da ação, seja para garantir direitos mínimos ao paciente.

V - DOS PEDIDOS

Ex positis, requer o Embargante que Vossa Excelência se digne a:

  1. CONHECER E ACOLHER os presentes Embargos de Declaração, por serem tempestivos e cabíveis;
  2. No mérito, PROVER o recurso para sanar as graves omissões e contradições apontadas na r. decisão monocrática, a fim de que este Egrégio Tribunal se manifeste expressamente sobre: a. A nulidade absoluta da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, em razão da não realização de incidente de insanidade mental, apesar da existência de prova pericial pré-constituída (fls. 64-67) que atesta a capacidade de autodeterminação prejudicada do paciente; b. A ilicitude das provas que fundamentam a denúncia, por derivarem de um contexto de tortura, em violação ao art. 5º, LVI, da CF, e ao art. 157 do CPP; c. O direito subjetivo do paciente ao recolhimento em cela especial, nos termos do art. 439 do CPP, em razão de sua comprovada condição de jurado.
  3. Por consequência, atribuir EFEITOS INFRINGENTES aos presentes embargos para, reformando a r. decisão monocrática, CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS, determinando o imediato TRANCAMENTO da referida Ação Penal, por manifesta ausência de justa causa e flagrante ilegalidade.

Nestes termos, Pede e espera deferimento.

Brasília/DF, 03 de julho de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO Impetrante/Paciente


Nota: “Vai fazer mesmo eu fazer um Embargos de Declaração? Vai.”