EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
EMENTA: HABEAS CORPUS COLETIVO PREVENTIVO. AMEAÇA À ORDEM CONSTITUCIONAL E AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ATO DE AUTORIDADE PARLAMENTAR. PROPOSTA DE RESTRIÇÃO AO ACESSO À JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL (ART. 103, CF). VIOLAÇÃO IMINENTE AO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA (ART. 5º, XXXV, CF) E AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PACIENTE: A COLETIVIDADE BRASILEIRA. CABIMENTO DA VIA ELEITA PARA TUTELA DE DIREITO FUNDAMENTAL TRANSINDIVIDUAL. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR.
IMPETRANTE: Joaquim Pedro Pedro Morais Filho
PACIENTE: A Coletividade Brasileira
AUTORIDADE COATORA: Senador da República Davi Alcolumbre
JOAQUIM PEDRO PEDRO MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF sob o nº 133.036.496-18, vem, com o devido respeito e acatamento, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS COLETIVO PREVENTIVO
em favor da COLETIVIDADE BRASILEIRA, paciente difusa e titular do direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa, contra ato iminente e manifestamente ilegal atribuível ao Excelentíssimo Senador da República DAVI ALCOLUMBRE, Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, cujos atos e declarações públicas configuram grave ameaça à ordem constitucional, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.
I. DA SÍNTESE DOS FATOS
O presente writ volta-se contra a ameaça concreta e iminente materializada nas declarações públicas do Senador Davi Alcolumbre, proferidas em 02 de julho de 2025. Conforme noticiado amplamente pela imprensa nacional, a autoridade coatora manifestou a intenção de articular e apresentar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o objetivo de restringir a legitimidade ativa dos partidos políticos para a propositura de Ações de Controle Concentrado de Constitucionalidade perante este Supremo Tribunal Federal.
A proposta, segundo o Senador, visaria criar uma "cláusula de barreira" ou um critério de "proporcionalidade partidária", limitando o acesso ao STF apenas a legendas com maior representatividade parlamentar. Tal medida, na prática, silenciaria partidos políticos de oposição ou minoritários, como o PSOL e o Novo, que historicamente exercem papel crucial como guardiões da Constituição, provocando a jurisdição constitucional para a defesa de direitos fundamentais e de minorias.
As declarações surgiram como reação direta ao exercício legítimo da atividade parlamentar e do direito de ação por parte de legendas que questionaram, judicialmente, atos do Poder Legislativo e do Executivo, como a derrubada do aumento do IOF e resoluções do Conselho Federal de Medicina. A manobra representa, portanto, uma retaliação que busca blindar o poder político do escrutínio judicial, configurando um ataque frontal ao sistema de freios e contrapesos (checks and balances), pilar do Estado Democrático de Direito.
Adicionalmente, o histórico do Senador, que inclui investigações por supostos ilícitos (Inquéritos STF nº 4.432/2017 e 4.627/2018) e alegações de prevaricação na análise de pedidos de impeachment contra Ministros desta Corte, agrava a percepção de que suas ações são motivadas por interesses que conflitam com os princípios da moralidade e da impessoalidade que devem reger a administração pública e a atividade parlamentar.
II. DO DIREITO
II.I. DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA TUTELA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Embora o Habeas Corpus seja, por tradição, o remédio heroico destinado à proteção da liberdade de locomoção, a jurisprudência deste Pretório Excelso, em uma visão contemporânea e consentânea com a força normativa da Constituição, tem admitido sua utilização para a salvaguarda de outros direitos fundamentais, quando estes se mostram como pressuposto lógico para o exercício pleno da cidadania e das liberdades.
A ameaça em questão, embora não restrinja diretamente o direito de ir e vir, ataca o seu pré-requisito: a existência de uma ordem jurídica justa e de um sistema de controle que impeça o arbítrio estatal. A supressão do acesso à justiça constitucional é uma forma de coação que deixa toda a coletividade vulnerável a leis e atos inconstitucionais, que podem, em última análise, suprimir a própria liberdade de locomoção e outros direitos essenciais.
Como ensina o Ministro Gilmar Mendes, o controle de constitucionalidade é a "garantia das garantias". Fragilizá-lo é colocar em risco todo o edifício de direitos construído pela Constituição de 1988. Portanto, o presente HC coletivo é a via adequada e necessária para conter a ameaça iminente a um direito transindividual que afeta, indistintamente, toda a população brasileira.
II.II. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA (CLÁUSULA PÉTREA)
O artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, estabelece que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Trata-se de cláusula pétrea, insuscetível de abolição ou mesmo de restrição por via de emenda constitucional. A proposta anunciada pelo Senador Alcolumbre viola frontalmente este princípio em sua dimensão mais vital: o acesso à jurisdição constitucional.
O rol de legitimados do artigo 103 da Constituição foi concebido pelo constituinte originário como um sistema plural e aberto, que visa garantir que diferentes vozes da sociedade, por meio de seus representantes (incluindo partidos políticos com representação mínima), possam provocar o guardião da Constituição. Limitar esse rol com base em critérios de representatividade majoritária é subverter a lógica do sistema, que busca proteger a Constituição contra as maiorias eventuais do Congresso.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo, leciona que a inafastabilidade do controle jurisdicional é a "pedra angular do Estado de Direito". A proposta do Senador é uma tentativa de remover essa pedra, desestabilizando toda a estrutura democrática.
II.III. DA OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES E AO SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS
A arquitetura constitucional brasileira se assenta na harmonia e independência entre os Poderes (art. 2º, CF). O controle de constitucionalidade exercido pelo STF é a mais importante manifestação do sistema de freios e contrapesos, permitindo que o Judiciário invalide atos do Legislativo e do Executivo que extrapolem os limites da Constituição.
A tentativa de restringir o acesso ao STF por parte de quem discorda de suas decisões é uma clara afronta a essa separação. Não se trata de um debate legítimo sobre o aperfeiçoamento das instituições, mas de uma retaliação que visa enfraquecer o poder fiscalizador da Suprema Corte. Tal ato atenta contra a própria essência da República, que não admite poderes absolutos ou imunes a controle.
II.IV. DA TIPIFICAÇÃO, EM TESE, DE CONDUTAS CRIMINOSAS
As ações e declarações da autoridade coatora, para além da flagrante inconstitucionalidade, podem configurar ilícitos penais que devem ser apurados pela autoridade competente, qual seja, a Procuradoria-Geral da República. Em tese, vislumbram-se os seguintes tipos:
- Crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal): Ao tentar, por meio de proposta de alteração constitucional, impedir ou restringir o livre exercício do Poder Judiciário, notadamente sua função de controle de constitucionalidade, o Senador atenta contra o pilar do Estado de Direito.
- Crime de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019): A utilização do cargo e do poder político para constranger o exercício de um direito (o de ação dos partidos) e para promover uma alteração legislativa com desvio de finalidade (retaliação) pode se enquadrar nos tipos previstos na referida lei.
- Crime de Prevaricação (Art. 319 do Código Penal): A já mencionada omissão em dar andamento a pedidos de impeachment de Ministros do STF, se confirmada, pode caracterizar o delito de prevaricação, por satisfação de interesse ou sentimento pessoal.
III. DA MEDIDA LIMINAR – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA
A concessão da medida liminar é imperativa, dada a presença inequívoca dos requisitos legais.
O fumus boni iuris (fumaça do bom direito) reside na flagrante inconstitucionalidade da proposta ventilada pelo Senador, que colide frontalmente com cláusulas pétreas da Constituição, como o acesso à justiça e a separação dos poderes, conforme exaustivamente demonstrado.
O periculum in mora (perigo na demora) é ainda mais evidente. A simples articulação de uma proposta dessa natureza por uma figura de proa do Legislativo, como o Presidente da CCJ, gera um efeito deletério e intimidatório sobre a oposição e sobre a própria sociedade. A ameaça de retaliação inibe o exercício de direitos e cria um clima de instabilidade institucional. A demora na concessão da ordem pode permitir que a proposta avance, causando danos de difícil ou impossível reparação ao ordenamento jurídico e à democracia brasileira.
IV. DOS PEDIDOS
Ante o exposto, e com o mais profundo respeito, requer-se a Vossa Excelência:
- A concessão da medida liminar, inaudita altera pars, para o fim de: a. Determinar que a autoridade coatora, Senador Davi Alcolumbre, se abstenha imediatamente de apresentar, subscrever, pautar ou de qualquer forma dar andamento a qualquer proposição legislativa (PEC, PLP, PL, etc.) que vise restringir ou alterar o rol de legitimados para o controle concentrado de constitucionalidade previsto no artigo 103 da Constituição Federal; b. Determinar que o Senador se retrate publicamente das declarações que ameaçam o livre exercício da jurisdição constitucional, em respeito à ordem democrática.
- A notificação da autoridade coatora para, querendo, prestar as informações que julgar necessárias no prazo legal.
- A intimação do ilustre representante da Procuradoria-Geral da República para que se manifeste sobre o feito, especialmente no que tange aos indícios de práticas criminosas.
- No mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus, confirmando-se a liminar, para declarar a inconstitucionalidade de qualquer ato tendente a restringir o acesso à jurisdição constitucional nos moldes propostos e, por conseguinte, salvaguardar o direito fundamental de toda a coletividade brasileira à manutenção de um sistema de freios e contrapesos hígido e eficaz.
- A extração de cópias de todo o processado e sua remessa à Procuradoria-Geral da República, para a devida apuração dos fatos narrados que, em tese, configuram os crimes previstos nos artigos 319 e 359-L do Código Penal e na Lei nº 13.869/2019.
V. DAS PROVAS
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, requerendo, desde já, a juntada dos links das reportagens jornalísticas que noticiaram o fato, bem como a requisição de informações sobre o andamento dos Inquéritos nº 4.432/2017 e nº 4.627/2018.
Termos em que, Pede e espera deferimento.
Brasília, 03 de julho de 2025.
Joaquim Pedro Pedro Morais Filho Impetrante