Agravo em Recurso Especial nº: 1508036-35.2022.8.26.0050 | STJ 10337926

terça-feira, 1 de julho de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Agravo em Recurso Especial nº: 1508036-35.2022.8.26.0050

Origem: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Agravante: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO


RAZÕES DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Egrégio Tribunal, Colenda Turma, Ínclitos Ministros, Douta Procuradoria da República,

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, na qualidade de representante do Agravante JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, inscrito no CPF sob o nº 133.036.496-18, vem, com o mais profundo respeito e acatamento, perante Vossas Excelências, manifestar seu inconformismo com a r. decisão monocrática de fls. 53-54, proferida pela douta Presidência da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em um juízo de prelibação flagrantemente equivocado, negou seguimento ao Recurso Especial tempestivamente interposto.

Assim, com fundamento no artigo 1.042 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao Processo Penal por força do artigo 3º do Código de Processo Penal, e na Súmula 727 do Supremo Tribunal Federal, interpõe o presente AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, buscando a reforma da decisão agravada e a consequente subida do apelo extremo a esta Corte Superior, pelas razões de fato e de direito que passa a detalhadamente expor.

I - DA TEMPESTIVIDADE

A r. decisão agravada, que inadmitiu o Recurso Especial, foi proferida em 30 de junho de 2025. A intimação da defesa para ciência de tal decisum ocorreu em momento posterior, sendo o presente Agravo manifestamente tempestivo, considerando o prazo legal de 15 (quinze) dias para sua interposição, nos termos do art. 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil.

II - DA SINOPSE FÁTICO-PROCESSUAL: UMA CRÔNICA DE VIOLAÇÕES AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O Agravante foi denunciado como incurso nas penas do artigo 344, caput, do Código Penal, sob a acusação de que, em 01 de fevereiro de 2022, teria usado de grave ameaça contra a médica perita Karine Keiko Leitão Higa Machado, que atuou em processo judicial no qual o Agravante era parte, com o fim de favorecer interesse próprio.

A persecução penal, desde sua fase embrionária, foi marcada por uma série de equívocos e violações a direitos fundamentais. O Agravante, pessoa que, como se demonstrará, padece de grave transtorno psiquiátrico, não foi localizado para ser ouvido na fase policial (fls. 23 e 25), sendo o inquérito relatado sem a sua versão dos fatos.

Recebida a denúncia (fls. 52), e após uma tentativa frustrada de citação pessoal (fls. 70), foi determinada a citação por edital (fls. 81), culminando na suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP (fls. 88).

Posteriormente, com a localização do Agravante, este foi devidamente citado por carta precatória (fls. 143/144) e, representado pela Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação (fls. 154).

Designada audiência de instrução, debates e julgamento para o dia 22 de janeiro de 2025, o Agravante foi pessoalmente intimado, com a advertência sobre os efeitos da revelia (fls. 205). Contudo, por motivo de saúde devidamente comprovado por atestado médico (fl. 239), não pôde comparecer ao ato virtual.

Ainda assim, o MM. Juízo a quo decretou sua revelia e, após ouvir a vítima, proferiu sentença condenatória, impondo ao Agravante a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão (fls. 214/220).

A defesa interpôs Recurso de Apelação (fls. 236/238), que foi desprovido pela Colenda 4ª Câmara de Direito Criminal do TJSP (fls. 304/321).

Manejado o competente Recurso Especial (fls. 329), este teve seu seguimento negado pela decisão ora agravada (fls. 53-54), sob o frágil e insustentável argumento de inépcia por ausência de razões.

É contra esta decisão terminativa, que obsta o acesso do Agravante à jurisdição desta Corte de Cidadania, que se insurge o presente Agravo.

III - DO CABIMENTO DO AGRAVO E DO MANIFESTO ERROR IN PROCEDENDO NA DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE

3.1. Da Usurpação de Competência e da Violação à Súmula 123 do STJ

A decisão agravada é teratológica. Fundamentar a inadmissão do Recurso Especial por "inépcia", alegando que "não foram observados" os requisitos de apresentação das razões, é fechar os olhos para a realidade dos autos e, pior, usurpar a competência desta Corte Superior.

As razões recursais, que embasam o apelo extremo, estão materializadas de forma inequívoca às fls. 236/238. Nelas, a defesa técnica, embora de forma sucinta, levantou as teses de nulidade por cerceamento de defesa, reformatio in pejus indireta e absolvição por insuficiência probatória. A petição de interposição do Recurso Especial (fl. 329) fez remissão a estas teses, sendo esta uma prática processual corriqueira.

O juízo de admissibilidade a ser realizado pelo tribunal de origem é restrito, limitado à verificação dos pressupostos formais, genéricos e específicos do recurso. Não cabe ao Tribunal a quo analisar o mérito, a profundidade, a qualidade ou a plausibilidade das teses recursais. Essa é uma tarefa exclusiva do Superior Tribunal de Justiça.

Ao julgar o recurso "inepto", a d. Presidência da Seção Criminal do TJSP emitiu um juízo de mérito, prejulgando a causa e violando frontalmente o disposto na Súmula nº 123 desta Corte: "A decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais."

O exame realizado não foi de pressupostos, mas de conteúdo. O error in procedendo é, portanto, manifesto e insanável, impondo a cassação da decisão agravada para que o Recurso Especial seja devidamente processado.

3.2. Da Inaplicabilidade da Súmula 7/STJ e da Natureza Jurídica da Controvérsia

É imperioso destacar que as questões levantadas no Recurso Especial são de puro direito, não demandando qualquer reexame do conjunto fático-probatório, o que afasta a incidência da Súmula 7/STJ. O que se pleiteia é a revaloração jurídica dos fatos e das provas, tal como postos e reconhecidos pelas instâncias ordinárias.

Discute-se: a) Se a omissão absoluta do julgador em analisar a tese defensiva de semi-imputabilidade, mesmo diante de elementos probatórios que a indicam (como o depoimento da própria vítima), constitui negativa de prestação jurisdicional e violação à lei federal. Isto é matéria de direito. b) Se a decretação de revelia de um réu que justifica sua ausência com atestado médico, ainda que tardiamente, viola o direito fundamental à autodefesa. Isto é matéria de direito. c) Se a utilização de elementos que compõem a própria "grave ameaça" para exasperar a pena-base viola o princípio do ne bis in idem e o art. 59 do CP. Isto é matéria de direito.

A análise pretendida não é sobre se os fatos ocorreram, mas sim sobre as consequências jurídicas desses fatos e a correta aplicação da lei federal ao caso concreto.

IV - DAS RAZÕES DE MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL (REITERAÇÃO E APROFUNDAMENTO ANALÍTICO)

Para demonstrar a absoluta viabilidade do apelo extremo e a necessidade de sua apreciação por esta Corte, a defesa reitera e aprofunda os fundamentos que justificam a reforma do v. acórdão recorrido.

4.1. DA NULIDADE ABSOLUTA E INSANÁVEL POR CERCEAMENTO DE DEFESA – A SUPRESSÃO DA AUTODEFESA E A VIOLAÇÃO AO INTERROGATÓRIO JUDICIAL (Negativa de Vigência aos Arts. 367 e 564, IV, do CPP)


O direito de defesa no processo penal é uma garantia sagrada, um pilar do Estado Democrático de Direito. Ele não se resume à atuação do advogado (defesa técnica), mas abrange, com igual importância, a autodefesa, que se materializa no direito do acusado de estar presente, de ser ouvido e de influenciar diretamente na formação do convencimento do julgador.

O v. acórdão recorrido, ao chancelar a decretação da revelia do Agravante, cometeu uma violência processual. Fundamentar a decisão no formalismo da "juntada extemporânea" de um atestado médico (fl. 239) que justifica a ausência do réu na audiência é inverter a hierarquia de valores do processo penal, colocando a forma acima do direito fundamental à defesa.

O interrogatório judicial não é um mero ato probatório à disposição da acusação. É, primordialmente, o momento em que o acusado exerce sua defesa pessoal. É a sua única chance de falar diretamente ao juiz, de apresentar sua versão, de se explicar, de se justificar. Suprimir esse ato, quando há uma justificativa plausível para a ausência, ainda que apresentada a posteriori, gera um prejuízo que não precisa ser provado, pois ele é inerente à própria natureza do ato suprimido. O prejuízo é, no caso, presumido (in re ipsa).

A alegação do acórdão de que a presença do Defensor Público supriria a ausência do réu é uma falácia que ignora a dualidade da defesa. A defesa técnica não substitui a autodefesa. São complementares e ambas devem ser asseguradas.

Ao negar ao Agravante a oportunidade de ser interrogado, o Poder Judiciário ceifou-lhe a mais importante ferramenta de defesa pessoal, configurando nulidade absoluta por cerceamento de defesa, nos termos do art. 564, IV, do CPP.

4.2. DA FLAGRANTE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – A OMISSÃO SEPULCRAL SOBRE A TESE DE SEMI-IMPUTABILIDADE E A CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVA INSUFICIENTE (Violação ao Art. 93, IX, da CF e ao Art. 386, VII, do CPP)

Este é, sem dúvida, o vício mais grave que contamina a condenação. As instâncias ordinárias, tanto na sentença quanto no acórdão, condenaram o Agravante com base nos e-mails enviados e no depoimento da vítima. Contudo, passaram ao largo, em um silêncio eloquente e inaceitável, da tese defensiva mais importante: a de que a conduta do Agravante é sintomática de sua condição psiquiátrica, o Transtorno de Personalidade Paranoide (CID 10 – F60.0).

A culpabilidade é o terceiro e último substrato do conceito analítico de crime. Para que alguém seja considerado culpado, não basta que o fato seja típico e ilícito; é preciso que o agente seja imputável, que tenha potencial consciência da ilicitude e que lhe seja exigível conduta diversa. A defesa atacou diretamente a imputabilidade, ou, no mínimo, sua plenitude.

O mais estarrecedor é que a prova dessa condição não foi produzida apenas pela defesa. A própria vítima, médica com formação em psiquiatria, afirmou em seu depoimento judicial que o Agravante "tem um comportamento persecutório" (fl. 217). O acórdão recorrido transcreveu essa passagem (fl. 314), mas, em um ato de inexplicável omissão, não aprofundou a análise de suas implicações jurídicas.

Como pode um julgador, diante da afirmação de uma perita de que o réu possui um "comportamento persecutório", simplesmente ignorar essa informação e condená-lo como se ele tivesse agido com plena capacidade de autodeterminação?

Essa omissão não é um mero lapso. É uma falha estrutural na fundamentação da decisão, que viola o dever constitucional de motivação (art. 93, IX, da CF) e, por consequência, nega vigência à lei federal. Ao não analisar a tese de semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP), o Tribunal deixou de aplicar a lei ao caso concreto.

Uma condenação criminal exige certeza. Ao ignorar a principal tese defensiva, que coloca em xeque a culpabilidade do agente, o Tribunal condenou com base em um quadro probatório manifestamente incompleto e, portanto, insuficiente, violando o art. 386, VII, do CPP.

V - DO PEDIDO

Ante todo o exposto, e com o devido respeito, o Agravante requer a Vossas Excelências:

a) Seja o presente AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL conhecido e PROVIDO, para o fim de cassar a teratológica decisão da Presidência da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 53-54), e, por conseguinte, ADMITIR E PROCESSAR o Recurso Especial interposto;

b) No mérito do Recurso Especial, requer seja ele integralmente PROVIDO para, em ordem de preferência:

b.1) PRELIMINARMENTE, reconhecer a nulidade absoluta do processo a partir da audiência de instrução e julgamento (fl. 210), por flagrante cerceamento de defesa, determinando-se a realização de novo ato com o devido interrogatório do réu, em conformidade com os artigos 367 e 564, IV, do CPP;

b.2) SUBSIDIARIAMENTE, caso não seja acolhida a preliminar, que seja anulado o v. acórdão por manifesta negativa de prestação jurisdicional (violação ao art. 93, IX, da CF), determinando que outro seja proferido com a análise expressa e aprofundada da tese de semi-imputabilidade e suas consequências jurídicas, notadamente a aplicação da causa de diminuição do art. 26, parágrafo único, do Código Penal;

b.3) NO MÉRITO, que seja o Agravante ABSOLVIDO da imputação, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por manifesta insuficiência de provas acerca de sua plena culpabilidade, elemento indispensável para um decreto condenatório.


Por ser medida da mais lídima, necessária e impostergável JUSTIÇA!


Nestes termos, Pede e aguarda deferimento.


São Paulo, 01 de julho de 2025.


DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Agravante/Advogado)