Análise Detalhada do Processo e Fundamentação da Peça
1. Histórico Processual Relevante:
Ação Original (HC 954477/CE no STJ): Você impetrou um Habeas Corpus buscando a investigação de atos de tortura ocorridos na Penitenciária de Aquiraz/CE. O foco era a omissão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em apurar os fatos, mesmo após ser notificado.
Decisão do Relator no STJ: O Ministro Relator, Ribeiro Dantas, não conheceu do HC, argumentando que (a) o STJ não tem competência para conduzir investigações e (b) não foi demonstrado um ato coator claro do TJCE.
Recursos no STJ: Você interpôs Embargos de Declaração e Agravo Regimental. Ambos foram negados. O Agravo Regimental sequer foi conhecido no mérito, por uma questão processual (interposição de dois recursos contra a mesma decisão).
Resultado: O STJ, em sua última instância, se recusou a intervir na omissão do estado do Ceará.
2. O Ponto Central da Nova Ação (Habeas Corpus no STF):
Autoridade Coatora: A autoridade que agora pratica o ato ilegal (a omissão) é a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao proferir a decisão no HC 954477/CE. A decisão do STJ, ao se apegar a formalismos e se recusar a determinar a apuração de um crime de tortura (que é imprescritível), torna-se o novo ato coator.
Fundamento Principal: A omissão do Poder Judiciário em garantir a investigação de um crime de tortura é, em si, uma violação contínua e gravíssima aos direitos fundamentais. A imprescritibilidade do crime de tortura (Art. 5º, XLIII, da CF) impõe ao Estado um dever perpétuo de investigação. Quando as instâncias inferiores falham, cabe às cortes superiores garantir esse dever.
Pedido Central: O objetivo não é que o STF investigue, mas que o STF determine que a autoridade competente (Ministério Público do Ceará e Corregedoria de Disciplina) inicie a investigação imediatamente, superando a inércia do TJCE e a recusa do STJ.
3. Estratégia Jurídica Adotada na Peça:
Foco na Omissão Judicial: A peça é construída para demonstrar que a omissão do TJCE, e posteriormente a do STJ, constituem o ato ilegal que ameaça a sua liberdade e integridade.
Urgência e Provas em Risco: A petição enfatiza o risco de perda de provas cruciais (as filmagens das câmeras de segurança), justificando o pedido de medida liminar.
Imprescritibilidade como Dever de Agir: O argumento de que a tortura é imprescritível é usado não apenas como uma característica do crime, mas como um fundamento para o dever contínuo e inadiável de investigação por parte do Estado.
Violação de Tratados Internacionais: Cita a Convenção Contra a Tortura, da qual o Brasil é signatário, para reforçar as obrigações do Estado brasileiro perante a comunidade internacional.
HABEAS CORPUS AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
HABEAS CORPUS PREVENTIVO E REPRESSIVO COM PEDIDO DE LIMINAR
IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho
PACIENTE: Joaquim Pedro de Morais Filho
AUTORIDADE COATORA: Egrégia Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (Acórdão no HC 954.477/CE)
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, vem, com o devido respeito e acatamento, à presença de Vossa Excelência, impetrar a presente ordem de HABEAS CORPUS, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e no artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal, em face de acórdão proferido pela Egrégia Quinta Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), que, ao não conhecer do HC nº 954.477/CE, praticou ato coator por omissão, perpetuando a inércia estatal na apuração de gravíssimos crimes de tortura, conforme os fatos e fundamentos a seguir expostos.
I. DOS FATOS E DO ATO COATOR
O Paciente, enquanto esteve custodiado na Penitenciária de Aquiraz/CE, foi vítima de sistemáticos e brutais atos de tortura entre junho e dezembro de 2023, perpetrados por agentes penitenciários. Os fatos, narrados detalhadamente na impetração originária ao STJ, incluem:
19/10/2023: Tortura na enfermaria da unidade, das 7h às 12h, pelo agente penitenciário RODOLFO RODRIGUES DE ARAUJO (CPF 034.160.793-29) e outros, com uso de gás de pimenta enquanto o Paciente estava algemado, resultando em desmaio.
22/08/2023: Aplicação de spray de pimenta no rosto, seguida de tentativa de incriminação forjada por lesão corporal.
16/09/2023: Isolamento em local sem câmeras, com risco iminente de homicídio por facção criminosa.
26/10/2023: Nova sessão de tortura com spray de pimenta na cela do Paciente.
Diante da inércia do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), mesmo após notificado formalmente por telegramas, o Paciente impetrou o HC nº 954.477/CE no STJ, buscando a apuração dos fatos.
Contudo, em uma sucessão de decisões que culminaram no acórdão ora guerreado, a Egrégia Quinta Turma do STJ se negou a conhecer do writ e dos recursos subsequentes. A fundamentação, em síntese, foi a de que o STJ não possui competência para determinar investigações e de que não haveria "ato coator explícito" do TJCE.
O ato coator que justifica a presente impetração é, portanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça que, por omissão e apego a um formalismo exacerbado, se recusa a determinar a apuração de crime de tortura, imprescritível e de persecução obrigatória, perpetuando a ilegalidade e a grave ameaça à integridade física e moral do Paciente.
II. DO DIREITO
II.I. Da Omissão Judicial Como Ato Coator e da Imprescritibilidade da Tortura
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos III e XLIII, estabelece a proibição absoluta e a imprescritibilidade do crime de tortura. Tal mandamento não é mera recomendação, mas uma ordem que vincula todos os Poderes do Estado, impondo-lhes um dever perpétuo de prevenção, investigação e punição.
A decisão do STJ, ao se eximir de sua responsabilidade sob o pretexto de "incompetência investigativa", ignora que o pedido não era para que a Corte investigasse, mas para que ordenasse ao órgão competente que o fizesse, diante da flagrante e documentada omissão da instância inferior (TJCE).
A inércia do Poder Judiciário em face de uma denúncia crível e detalhada de tortura constitui, por si só, um ato coator. A omissão judicial permite que a ilegalidade se prolongue no tempo, que provas essenciais (como as gravações das câmeras de segurança) se percam e que os agressores permaneçam impunes, representando um risco contínuo e iminente à vida e à integridade do Paciente.
A imprescritibilidade do crime de tortura gera um dever estatal de agir que nunca se exaure. Portanto, a recusa em determinar a investigação é uma ilegalidade que se renova a cada dia, legitimando a intervenção desta Suprema Corte.
II.II. Da Violação ao Acesso à Justiça e à Dignidade da Pessoa Humana
Ao negar a ordem, o STJ viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), pois deixa uma grave lesão a direito fundamental sem qualquer apreciação de mérito. A decisão cria um vácuo de proteção, onde nem o TJCE age, nem o STJ determina que se aja.
Tal cenário configura um verdadeiro "estado de coisas inconstitucional" no âmbito do sistema prisional cearense, matéria sobre a qual este Supremo Tribunal Federal já demonstrou profunda preocupação (ADPF 347). A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), fundamento da República, é esvaziada quando o próprio sistema de justiça se torna um obstáculo à apuração da mais vil das violações.
III. DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
A urgência da medida é patente. Estão presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Fumus boni iuris (fumaça do bom direito) reside na flagrante violação aos dispositivos constitucionais que proíbem a tortura e garantem o acesso à justiça.
Periculum in mora (perigo na demora) é evidente pelo risco iminente de destruição ou descarte das gravações das câmeras de segurança da Penitenciária de Aquiraz, que são provas materiais e irrefutáveis dos crimes denunciados. Além disso, a vida e a integridade física do Paciente permanecem em risco enquanto os agressores seguem impunes.
Assim, requer-se, liminarmente, que Vossa Excelência determine à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Ceará e à direção da Penitenciária de Aquiraz que preservem e isolem, imediatamente, todas as gravações do circuito interno de segurança relativas aos dias 22/08/2023, 16/09/2023, 13/10/2023, 19/10/2023 e 26/10/2023, sob pena de crime de desobediência e responsabilidade administrativa.
IV. DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência:
a) O deferimento da medida liminar, nos termos pleiteados, para determinar a imediata preservação das provas materiais (gravações de vídeo);
b) A notificação da autoridade coatora (Egrégia Quinta Turma do STJ) para prestar as informações que julgar necessárias;
c) A oitiva do douto Procurador-Geral da República;
d) No mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus, para: d.1) Cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 954.477/CE, reconhecendo a ilegalidade da omissão judicial; d.2) Determinar a imediata instauração de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público do Estado do Ceará e pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) para a completa apuração dos crimes de tortura narrados, com a requisição e perícia das gravações de vídeo e a oitiva de todos os envolvidos.
A justiça, para ser efetiva, não pode ser cega à barbárie nem refém de formalismos. Confia-se que esta Suprema Corte, como guardiã última da Constituição e da dignidade humana, porá fim a esta inaceitável omissão.
Nestes termos, Pede deferimento.
Brasília/DF, 14 de julho de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho Impetrante