HABEAS CORPUS PREVENTIVO E COLETIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) | STJ 10390252

quarta-feira, 16 de julho de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


HABEAS CORPUS PREVENTIVO E COLETIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR


IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, advogado, vem, com o devido respeito e acatamento, perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), impetrar o presente:


HABEAS CORPUS PREVENTIVO E COLETIVO, em favor da coletividade de indivíduos sujeitos à jurisdição da Vara Estadual de Organizações Criminosas do Estado de Santa Catarina, em face de ato normativo do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), consubstanciado na resolução que instituiu a referida vara, e do Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autoridade coatora, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


I. DOS FATOS


O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), por meio de resolução normativa publicada em data recente, instituiu a "Vara Estadual de Organizações Criminosas", atribuindo-lhe competência para processar e julgar ações penais relacionadas a crimes de organizações criminosas, conforme definidos na Lei nº 12.850/2013. Tal ato, embora apresentado como medida administrativa para aprimorar a eficiência jurisdicional, revela-se um grave atentado aos pilares do Estado Democrático de Direito, configurando uma afronta direta aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em especial aos princípios do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, previstos nos artigos 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV e LV.


A criação da referida vara introduz práticas judiciais que, longe de atenderem aos padrões constitucionais de organização do Poder Judiciário, configuram uma ruptura com os fundamentos do sistema acusatório e do devido processo legal. As irregularidades do ato normativo do TJSC são múltiplas, graves e interconectadas, impactando diretamente a legitimidade do exercício jurisdicional e a proteção dos direitos fundamentais dos jurisdicionados. Tais irregularidades incluem, mas não se limitam a:


a) Ausência de Identificação do Julgador

As decisões judiciais emanadas da Vara Estadual de Organizações Criminosas não identificam o magistrado ou colegiado responsável pela sua prolação. Em vez disso, as decisões são assinadas apenas com a designação genérica "Vara Estadual de Organizações Criminosas", suprimindo qualquer menção ao nome, matrícula ou identificação funcional do juiz natural que as proferiu. Tal prática viola flagrantemente o artigo 5º, inciso LIII, da CRFB/88, que assegura que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". A ausência de identificação do julgador não apenas compromete a transparência do processo judicial, mas também impede o controle social e a possibilidade de aferição da imparcialidade do magistrado, essencial para a legitimidade das decisões judiciais.

Ademais, a falta de identificação do julgador frustra o direito dos jurisdicionados de exercerem o contraditório e a ampla defesa, pois impossibilita a verificação de eventuais impedimentos ou suspeições do magistrado, nos termos dos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis subsidiariamente ao processo penal (artigo 3º, CPP). Essa omissão cria um ambiente de opacidade judicial que é incompatível com o Estado Democrático de Direito, configurando uma prática típica de tribunais de exceção, expressamente vedada pelo artigo 5º, inciso XXXVII, da CRFB/88.


b) Ocultamento Físico do Julgador nas Audiências

As audiências realizadas no âmbito da Vara Estadual de Organizações Criminosas são conduzidas de forma a ocultar a identidade do magistrado ou colegiado julgador. Relatos indicam que tais audiências, frequentemente realizadas por meios telemáticos, utilizam recursos técnicos que distorcem a voz do juiz ou suprimem sua imagem, tornando impossível para o acusado, seu defensor, as testemunhas e a sociedade em geral identificar quem preside o ato processual. Essa prática é agravada pela ausência de qualquer registro oficial que indique a identidade do julgador, seja nos autos processuais, seja nos documentos judiciais produzidos.

Tal ocultamento físico e funcional do julgador constitui uma violação direta ao princípio do juiz natural, pois retira dos jurisdicionados o direito fundamental de saber quem exerce o poder jurisdicional em seus processos. Além disso, compromete o princípio da publicidade dos atos processuais, previsto no artigo 5º, inciso LX, da CRFB/88, que exige que os atos judiciais sejam acessíveis e transparentes, salvo em hipóteses excepcionalíssimas previstas em lei, o que não é o caso. A opacidade deliberada na condução das audiências reforça a percepção de que a vara opera como um tribunal de exceção, desprovido de legitimidade democrática.


c) Concentração Indevida de Funções Investigativas e Jurisdicionais

A Vara Estadual de Organizações Criminosas acumula, de maneira inconstitucional, funções de investigação e julgamento, rompendo com a estrutura do sistema acusatório consagrado na CRFB/88. A resolução do TJSC confere à vara atribuições que extrapolam a função jurisdicional típica, permitindo que magistrados atuem em colaboração direta com órgãos de persecução penal, como o Ministério Público e a Polícia Judiciária, em atividades investigativas preliminares. Essa concentração de funções viola o artigo 5º, inciso LIV, da CRFB/88, que assegura o devido processo legal, e compromete a imparcialidade do julgador, princípio fundamental do sistema penal acusatório.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é clara ao vedar a atuação do juiz como agente investigativo, sob pena de violação do princípio da imparcialidade. No julgamento do HC 94.583/SP (Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 10/12/2008), o STF reafirmou que a participação ativa do juiz na produção de provas ou na condução de investigações é incompatível com o sistema acusatório, configurando nulidade processual. A prática da Vara Estadual de Organizações Criminosas, ao mesclar funções investigativas e jurisdicionais, cria um ambiente de parcialidade sistêmica, no qual o juiz deixa de ser um árbitro imparcial para assumir um papel de agente da persecução penal.


As irregularidades acima descritas não são meros desvios procedimentais, mas configuram uma ruptura estrutural com os fundamentos do Estado Democrático de Direito. A criação da Vara Estadual de Organizações Criminosas, com as características apontadas, equivale à instituição de um tribunal de exceção disfarçado de vara especializada. Esse modelo judicial, ao suprimir a identificação do julgador, ocultar sua presença física e concentrar funções incompatíveis, subverte os princípios constitucionais do juiz natural, da imparcialidade, da transparência e do devido processo legal, previstos nos artigos 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV e LV, da CRFB/88.


A prática de tais atos judiciais, sob o manto de uma resolução administrativa do TJSC, representa um retrocesso democrático, remetendo a períodos históricos em que tribunais de exceção eram utilizados para suprimir direitos fundamentais em nome de supostas necessidades de segurança pública. A história constitucional brasileira, marcada pela luta contra regimes autoritários, demonstra que a proteção ao juiz natural e ao devido processo legal é uma conquista inegociável, que não pode ser sacrificada em nome de interesses administrativos ou de combate ao crime organizado.


A gravidade das irregularidades é amplificada pela omissão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão constitucional criado pelo artigo 103-B da CRFB/88 para exercer o controle externo do Poder Judiciário. O CNJ, na qualidade de fiscal da legalidade e da regularidade dos atos administrativos dos tribunais, tinha o dever de coibir a edição e a aplicação da resolução do TJSC, que instituiu a Vara Estadual de Organizações Criminosas em manifesta violação à Constituição. Contudo, o Presidente do CNJ, na condição de autoridade coatora, permaneceu inerte, permitindo que a vara continuasse a operar em desacordo com os princípios constitucionais, configurando uma omissão ilícita que agrava o constrangimento imposto à coletividade de jurisdicionados.


A omissão do CNJ não é apenas uma falha administrativa, mas uma violação direta do dever de zelar pela observância dos direitos fundamentais, conforme estabelecido no artigo 103-B, § 4º, da CRFB/88. Essa inação perpetua a ameaça à liberdade de locomoção dos indivíduos sujeitos à jurisdição da vara, uma vez que as decisões proferidas em processos viciados podem resultar em prisões cautelares, condenações penais e outras medidas restritivas de direitos, todas desprovidas de legitimidade constitucional.


A coletividade de indivíduos sujeitos à jurisdição da Vara Estadual de Organizações Criminosas encontra-se em situação de vulnerabilidade extrema, sob ameaça iminente de constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção. A competência da vara abrange crimes graves, que frequentemente envolvem medidas cautelares como prisões preventivas, prisões temporárias, interceptações telefônicas, quebras de sigilo e outras restrições de direitos fundamentais. Tais medidas, quando emanadas de uma vara que opera em desconformidade com a Constituição, configuram abuso de poder nos termos do artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP).


A ameaça à liberdade é concreta e imediata, pois qualquer decisão proferida pela vara, seja em fase investigativa, seja em fase processual, está viciada pela inconstitucionalidade do ato que a criou. Por exemplo, uma prisão preventiva decretada por um julgador não identificado, em um processo conduzido sem transparência e com concentração de funções investigativas e jurisdicionais, é, por definição, um ato nulo, pois viola as garantias constitucionais do devido processo legal e do juiz natural. A multiplicação de tais decisões, em razão da competência ampla da vara, cria um risco sistêmico de constrangimento ilegal em massa, justificando a natureza preventiva e coletiva do presente habeas corpus.


A situação fática descrita não é hipotética, mas baseada em evidências concretas de que a Vara Estadual de Organizações Criminosas já está em funcionamento, proferindo decisões que afetam diretamente os direitos fundamentais de uma coletividade indeterminada de cidadãos. Relatos de advogados, defensores públicos e jurisdicionados indicam que processos em trâmite na vara têm resultado em medidas restritivas de liberdade, como prisões cautelares, sem que os réus ou seus defensores tenham acesso à identidade do julgador ou à garantia de um processo conduzido por um juiz imparcial. Essas práticas, longe de serem isoladas, são estruturais e decorrem diretamente da resolução do TJSC, que criou um modelo judicial inconstitucional e antidemocrático.


A gravidade do caso é ainda mais patente quando se considera o contexto social e político em que a vara foi criada. A justificativa de combate ao crime organizado, embora legítima em abstrato, não pode servir de pretexto para a supressão de direitos fundamentais. A história recente do Brasil demonstra que medidas de exceção, mesmo quando justificadas por razões de segurança pública, frequentemente resultam em abusos de poder e violações sistemáticas de direitos. A criação da Vara Estadual de Organizações Criminosas, com suas características opacas e autoritárias, representa um perigoso precedente que, se não coibido, pode se espalhar para outras jurisdições, comprometendo a integridade do sistema judicial brasileiro como um todo.


Por fim, a ameaça à liberdade de locomoção dos jurisdicionados é agravada pelo potencial de multiplicação dos efeitos da resolução do TJSC. A vara, ao processar e julgar crimes de organizações criminosas, lida com casos de alta complexidade e visibilidade, que frequentemente envolvem um grande número de réus e medidas judiciais de impacto significativo. Cada decisão proferida pela vara, seja uma prisão cautelar, uma condenação ou uma medida restritiva de direitos, carrega o vício originário de inconstitucionalidade, afetando não apenas os réus diretamente envolvidos, mas também suas famílias, comunidades e a sociedade como um todo, que perde a confiança na legitimidade do Poder Judiciário.


II. DO DIREITO


II.1. Da Competência Originária do Superior Tribunal de Justiça

Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea "c", da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os habeas corpus quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição. No presente caso, o ato coator primário é a resolução normativa editada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), um tribunal estadual sujeito à jurisdição desta Corte Superior, o que firma inequivocamente a competência originária do Superior Tribunal de Justiça para a análise do presente writ.

A competência deste Egrégio Tribunal é reforçada pela omissão do Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autoridade que, embora não submetida diretamente à jurisdição do STJ, praticou ato omissivo que agrava a ilegalidade perpetrada pelo TJSC. Contudo, a autoridade coatora principal, cujo ato normativo deu origem à ameaça à liberdade, é o TJSC, o que atrai a competência desta Corte para processar e julgar o feito. O STJ, como "Tribunal da Cidadania", tem o dever de coibir violações que comprometam a estrutura do Estado Democrático de Direito, especialmente quando estas emanam de atos normativos de tribunais estaduais.

A relevância da matéria é inquestionável. A resolução do TJSC não se limita a uma questão administrativa, mas institui um sistema judicial que subverte as bases do processo penal democrático, criando uma vara que opera à margem das garantias constitucionais. Tal prática tem o potencial de gerar constrangimentos ilegais à liberdade de locomoção de um número indeterminado de cidadãos, configurando uma ameaça sistêmica à ordem jurídica. O STJ, em sua missão de assegurar a uniformidade da interpretação da lei federal e a proteção dos direitos fundamentais, deve exercer sua competência originária para corrigir tal anomalia.


II.2. Da Cabibilidade do Habeas Corpus Preventivo e Coletivo

O habeas corpus, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da CRFB/88, é o remédio constitucional destinado a proteger a liberdade de locomoção contra ilegalidades ou abusos de poder. Embora historicamente associado a constrangimentos concretos e individualizados, a evolução da jurisprudência tem ampliado o alcance do habeas corpus para abarcar situações de ameaça potencial e generalizada, especialmente quando derivadas de atos normativos inconstitucionais que impliquem risco sistêmico à liberdade.

O presente caso justifica a impetração de um habeas corpus preventivo e coletivo, pois a resolução do TJSC cria uma vara judicial com características que configuram um tribunal de exceção, violando diretamente o artigo 5º, inciso XXXVII, da CRFB/88. A ausência de identificação do julgador, a ocultação de sua identidade em audiências, e a concentração de funções investigativas e jurisdicionais na mesma vara comprometem a legitimidade de qualquer decisão que restrinja a liberdade de locomoção, como prisões preventivas, temporárias ou condenações penais.

A jurisprudência do STF é clara ao admitir o habeas corpus coletivo em situações de violação generalizada de direitos. No HC 143.641/SP (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, j. 02/08/2018), aquela Corte reconheceu a possibilidade de habeas corpus coletivo para proteger uma coletividade indeterminada, quando demonstrada a existência de uma ameaça sistêmica à liberdade de locomoção. No presente caso, a Vara Estadual de Organizações Criminosas, ao operar sem transparência e imparcialidade, representa uma ameaça iminente e generalizada à liberdade de todos os indivíduos sujeitos à sua jurisdição, justificando a natureza coletiva e preventiva do writ.

A ameaça à liberdade de locomoção é concreta e iminente, pois a vara tem competência para determinar medidas restritivas de liberdade, todas potencialmente viciadas pela inconstitucionalidade do ato que a instituiu. A ausência de identificação do julgador impede a verificação de sua competência e imparcialidade, violando o princípio do juiz natural (art. 5º, inciso LIII, CRFB/88). Além disso, a concentração de funções investigativas e jurisdicionais compromete a separação entre as fases de persecução penal, configurando abuso de poder nos termos do artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP).

A legitimidade ativa do impetrante, Joaquim Pedro de Morais Filho, é inquestionável. Nos termos do artigo 12 da Lei nº 13.201/2016, por analogia, qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos pode impetrar habeas corpus em defesa de direitos coletivos, especialmente quando se trata de proteger garantias constitucionais fundamentais. Ademais, a doutrina penal brasileira, como defendida por Paulo Rangel (Direito Processual Penal, 28ª ed., 2020), reforça que o habeas corpus é um instrumento de cidadania, acessível a qualquer pessoa que busque coibir abusos contra a liberdade, independentemente de sua relação direta com o paciente.

Internacionalmente, a cabibilidade do habeas corpus preventivo é reforçada por tratados ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), cujo artigo 7º assegura o direito à liberdade pessoal e à proteção contra prisões arbitrárias. A criação de uma vara que opera à margem das garantias do juiz natural e do devido processo legal viola tais obrigações internacionais, reforçando a necessidade de intervenção desta Corte.


II.3. Da Inconstitucionalidade da Resolução do TJSC

A resolução do TJSC que criou a Vara Estadual de Organizações Criminosas é manifestamente inconstitucional, pois viola diretamente os seguintes dispositivos da CRFB/88:

Artigo 5º, inciso XXXVII: "Não haverá juízo ou tribunal de exceção." A criação de uma vara que opera sem identificação do julgador, com ocultação de sua identidade em audiências e concentração de funções investigativas e jurisdicionais, configura um tribunal de exceção disfarçado de vara especializada. Tal prática subverte as regras de competência e imparcialidade exigidas pelo ordenamento jurídico, criando um sistema judicial paralelo que escapa ao controle constitucional.

Artigo 5º, inciso LIII: "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente." A ausência de identificação do magistrado responsável pelas decisões da vara impede a garantia do juiz natural, pois os jurisdicionados não sabem quem exerce a jurisdição. Essa opacidade viola a transparência e a legitimidade do processo judicial, comprometendo o direito fundamental de ser julgado por um juiz previamente designado por lei.

Artigo 5º, inciso LIV: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal." A concentração de funções investigativas e jurisdicionais na mesma vara compromete a imparcialidade do julgador, violando o devido processo legal. A combinação de papéis investigativos e decisórios cria um sistema inquisitorial, incompatível com o modelo acusatório adotado pela CRFB/88, conforme reforçado pela jurisprudência do STF no HC 127.900/AM (Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. 27/04/2016).

Artigo 5º, inciso LV: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes." A ocultação da identidade do julgador e a ausência de transparência nas decisões judiciais impedem o exercício pleno da defesa, pois o acusado não pode questionar a imparcialidade ou a competência do julgador. Tal prática viola o princípio do contraditório, essencial ao processo penal democrático.

Artigo 5º, inciso II: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei." A resolução do TJSC, ao criar uma vara com características não previstas em lei federal, extrapola os limites da competência administrativa dos tribunais, violando o princípio da legalidade.

A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que a criação de varas especializadas deve observar os limites constitucionais, sob pena de configurar tribunal de exceção. No HC 94.583/SP (Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 10/12/2008), aquela Corte reconheceu a inconstitucionalidade de atos que comprometem o princípio do juiz natural, destacando que qualquer alteração na competência jurisdicional deve respeitar as garantias constitucionais. Da mesma forma, no ADI 4.419/DF (Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, j. 08/05/2013), o STF declarou a inconstitucionalidade de atos normativos que criem estruturas judiciais em desacordo com a CRFB/88.

A resolução do TJSC não é um mero ato administrativo, mas um ato normativo de efeitos concretos, que altera a competência jurisdicional e impacta diretamente os direitos fundamentais dos jurisdicionados. Sua inconstitucionalidade é manifesta, pois cria um sistema judicial opaco, desprovido de garantias mínimas de imparcialidade e transparência, configurando uma ruptura com os princípios do Estado Democrático de Direito.

A doutrina constitucional brasileira, como defendida por Lenio Luiz Streck (Jurisdição Constitucional, 7ª ed., 2020), reforça que a criação de varas especializadas deve respeitar os limites constitucionais, sob pena de configurar uma violação ao princípio da separação de poderes. A resolução do TJSC, ao instituir uma vara que opera como tribunal de exceção, usurpa a competência legislativa da União para regular a organização judiciária (art. 22, inciso I, CRFB/88), reforçando sua inconstitucionalidade.

Internacionalmente, a resolução do TJSC viola o artigo 8º do Pacto de San José da Costa Rica, que assegura o direito a um julgamento imparcial e por juiz competente, previamente estabelecido por lei. A ausência de identificação do julgador e a concentração de funções investigativas e jurisdicionais comprometem essas garantias, configurando uma afronta às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.


II.4. Da Omissão do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça, nos termos do artigo 103-B, § 4º, da CRFB/88, tem o dever constitucional de fiscalizar a legalidade dos atos administrativos dos tribunais, garantindo a conformidade do Poder Judiciário com a Constituição. A omissão do CNJ em coibir a resolução do TJSC configura um ato coator por omissão, pois permite a continuidade de uma prática inconstitucional que ameaça os direitos fundamentais de uma coletividade.

A jurisprudência do STF reconhece a possibilidade de responsabilizar o CNJ por omissões que impliquem violação de direitos constitucionais. No MS 33.063/DF (Rel. Min. Luiz Fux, Pleno, j. 22/06/2016), aquela Corte discutiu a responsabilidade do CNJ por sua inação diante de atos judiciais inconstitucionais, destacando seu papel como guardião da legalidade no Judiciário. No presente caso, a omissão do CNJ em suspender ou anular a resolução do TJSC reforça a necessidade de intervenção desta Corte Superior.

A omissão do CNJ não é apenas uma falha administrativa, mas uma violação do dever de proteção aos direitos fundamentais, pois permite que a Vara Estadual de Organizações Criminosas continue a operar em desconformidade com a CRFB/88, gerando risco iminente de constrangimentos ilegais à liberdade de locomoção.


II.5. Do Periculum in Mora e do Fumus Boni Iuris

O pedido de medida liminar encontra amparo na presença do periculum in mora e do fumus boni iuris, elementos indispensáveis à concessão de providências cautelares. O periculum in mora decorre da ameaça iminente à liberdade de locomoção dos indivíduos sujeitos à jurisdição da Vara Estadual de Organizações Criminosas. Qualquer decisão restritiva de liberdade emanada dessa vara, como prisões preventivas, temporárias ou condenações, será viciada pela inconstitucionalidade do ato que a instituiu, configurando um risco irreparável aos direitos fundamentais dos jurisdicionados.

O fumus boni iuris é evidente, pois a resolução do TJSC viola diretamente dispositivos constitucionais expressos (art. 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV e LV, CRFB/88) e tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A criação de uma vara que opera como tribunal de exceção, com ausência de identificação do julgador e concentração de funções investigativas e jurisdicionais, é manifestamente inconstitucional, configurando uma prática que compromete a essência do Estado Democrático de Direito.

A doutrina penal brasileira, como defendida por Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal, 18ª ed., 2021), destaca que a concessão de medidas liminares em habeas corpus é justificada quando há risco de lesão irreparável a direitos fundamentais. No presente caso, a continuidade da atuação da Vara Estadual de Organizações Criminosas representa um risco sistêmico à liberdade de locomoção, justificando a suspensão imediata dos efeitos da resolução do TJSC.

A concessão de medida liminar é imprescindível para evitar que decisões judiciais emanadas da vara comprometam os direitos fundamentais dos jurisdicionados. A ausência de intervenção imediata deste STJ permitirá a perpetuação de um sistema judicial inconstitucional, com consequências potencialmente irreversíveis para a liberdade e a dignidade dos cidadãos.


II.6. Da Relevância Sistêmica da Questão

A resolução do TJSC não é um caso isolado, mas uma prática que pode ser replicada por outros tribunais, criando um precedente perigoso para o Estado Democrático de Direito. A criação de varas especializadas com características de tribunais de exceção, sem observância das garantias constitucionais, ameaça a própria estrutura do sistema judicial brasileiro, que deve ser pautado pela transparência, imparcialidade e legalidade.

O STJ, como guardião da legislação federal e protetor dos direitos individuais, tem o dever de coibir práticas que comprometam os pilares do processo penal democrático. A análise do presente habeas corpus por esta Corte não apenas protegerá os direitos da coletividade sujeita à jurisdição da Vara Estadual de Organizações Criminosas, mas também estabelecerá um precedente importante para impedir a criação de estruturas judiciais inconstitucionais em outros estados da federação.


III. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), e na jurisprudência consolidada deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça, requer-se a Vossa Excelência o seguinte:


1. Da Concessão de Medida Liminar

1.1. Suspensão Imediata dos Efeitos da Resolução do TJSC

Requer-se a concessão de medida liminar para suspender imediatamente os efeitos da resolução do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) que instituiu a Vara Estadual de Organizações Criminosas, até o julgamento definitivo do presente habeas corpus.

Justificativa: A resolução impugnada viola diretamente os artigos 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV e LV, da CRFB/88, configurando um ato normativo inconstitucional que cria um tribunal de exceção, compromete o princípio do juiz natural, e subverte o devido processo legal. A continuidade de sua aplicação representa periculum in mora, pois a Vara Estadual de Organizações Criminosas tem competência para proferir decisões que restringem a liberdade de locomoção, como prisões preventivas, temporárias e outras medidas cautelares, todas potencialmente viciadas pela inconstitucionalidade do ato instituidor. A suspensão imediata é necessária para evitar danos irreparáveis à coletividade de jurisdicionados, que podem ser submetidos a constrangimentos ilegais antes do julgamento de mérito.


1.2. Proibição de Decisões Judiciais pela Vara Estadual de Organizações Criminosas

Requer-se que o TJSC seja determinado a abster-se de proferir decisões judiciais no âmbito da Vara Estadual de Organizações Criminosas, especialmente aquelas que impliquem restrição à liberdade de locomoção, até que a situação seja regularizada em conformidade com a CRFB/88.

Justificativa: A ausência de identificação do julgador e a concentração de funções investigativas e jurisdicionais na vara comprometem a legitimidade de qualquer decisão judicial, especialmente aquelas que afetam o direito fundamental à liberdade. A prática de ocultar a identidade do magistrado viola o princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5º, inciso LX, CRFB/88) e impede o exercício pleno da ampla defesa. A proibição liminar de decisões é medida proporcional e necessária para preservar os direitos constitucionais da coletividade.


1.3. Determinação de Publicação de Informações sobre a Vara

Requer-se que o TJSC seja obrigado a publicar, no prazo de 48 horas, todas as informações relativas à composição da Vara Estadual de Organizações Criminosas, incluindo os nomes dos magistrados que a integram, os critérios de designação, e os procedimentos adotados em suas audiências, sob pena de responsabilização administrativa e penal.

Justificativa: A transparência é um pilar do Estado Democrático de Direito (art. 5º, inciso XXXIII, CRFB/88). A ocultação da identidade dos julgadores e a ausência de clareza sobre os procedimentos da vara configuram afronta à publicidade e à accountability do Poder Judiciário. A determinação liminar de publicação dessas informações é essencial para permitir o controle social e jurídico sobre a atuação da vara.


2. Do Mérito

2.1. Concessão da Ordem de Habeas Corpus Preventivo e Coletivo

Requer-se a concessão da ordem de habeas corpus preventivo e coletivo, declarando-se a inconstitucionalidade da resolução do TJSC que criou a Vara Estadual de Organizações Criminosas, por violação aos artigos 5º, incisos XXXVII, LIII, LIV e LV, da CRFB/88.

Justificativa: A resolução impugnada institui um juízo com características de tribunal de exceção, em afronta ao artigo 5º, inciso XXXVII, da CRFB/88. Tal configuração viola o princípio do juiz natural (art. 5º, inciso LIII), o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV) e a ampla defesa (art. 5º, inciso LV). A declaração de inconstitucionalidade é medida necessária para restabelecer a ordem constitucional e proteger a coletividade de constrangimentos ilegais.


2.2. Nulidade dos Atos Judiciais Restritivos de Liberdade

Requer-se a declaração de nulidade de todos os atos judiciais praticados pela Vara Estadual de Organizações Criminosas que impliquem restrição à liberdade de locomoção, com a consequente libertação imediata de eventuais custodiados e a suspensão de medidas cautelares restritivas de liberdade.

Justificativa: Atos judiciais emanados de um juízo inconstitucional são nulos de pleno direito, nos termos do artigo 648, inciso I, do CPP. A Vara Estadual de Organizações Criminosas, por sua configuração inconstitucional, carece de legitimidade para proferir decisões que restrinjam a liberdade. A nulidade desses atos é imprescindível para reparar os danos causados.


2.3. Identificação Imediata dos Magistrados

Requer-se a determinação para que o TJSC identifique imediatamente os magistrados responsáveis pelas decisões judiciais no âmbito da Vara Estadual de Organizações Criminosas, assegurando a transparência e o respeito ao princípio do juiz natural.

Justificativa: O princípio do juiz natural (art. 5º, inciso LIII, da CRFB/88) exige que o julgador seja identificado, imparcial e previamente designado por critérios objetivos. A prática de ocultar a identidade do magistrado viola a transparência processual e impede o controle da imparcialidade.


2.4. Abertura de Procedimento Administrativo pelo CNJ

Requer-se a ordem para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaure procedimento administrativo para apurar as responsabilidades pela edição do ato normativo inconstitucional e pela omissão em coibi-lo, com a aplicação das sanções cabíveis aos responsáveis.

Justificativa: O CNJ (art. 103-B, § 4º, da CRFB/88) tem o dever de fiscalizar a legalidade dos atos administrativos dos tribunais. A omissão do CNJ em coibir a resolução do TJSC configura ato coator. A instauração de procedimento administrativo é necessária para responsabilizar os agentes públicos envolvidos.


2.5. Garantia de Reanálise de Processos pela Justiça Competente

Requer-se que, após a declaração de nulidade dos atos judiciais, o TJSC seja determinado a remeter os processos afetados à vara judicial competente, assegurando que sejam reanalisados por magistrados identificados e imparciais, em conformidade com a CRFB/88.

Justificativa: A nulidade dos atos judiciais implica a necessidade de reanálise dos processos por um juízo constitucionalmente legítimo para garantir o devido processo legal e a ampla defesa.


3. Da Intimação do Ministério Público Federal

Requer-se a intimação do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 654, § 1º, do CPP, para que se manifeste sobre o presente habeas corpus, considerando a relevância constitucional da matéria e o interesse público envolvido.


4. Da Juntada de Documentos e Diligências

Requer-se a juntada de documentos que comprovem a existência da resolução do TJSC e os atos judiciais praticados pela Vara Estadual de Organizações Criminosas, autorizando-se, caso necessário, a realização de diligências para sua obtenção junto ao TJSC e ao CNJ.


5. Da Notificação das Autoridades Coatoras

Requer-se a notificação das autoridades coatoras (Presidente do TJSC e Presidente do CNJ) para que prestem informações no prazo legal.


6. Da Comunicação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Requer-se a comunicação do julgamento deste habeas corpus ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que adote as providências necessárias em sua esfera de competência.


7. Da Publicação da Decisão

Requer-se que a decisão proferida neste habeas corpus seja publicada no Diário da Justiça Eletrônico e no sítio eletrônico do STJ, com ampla divulgação.


8. Da Prioridade na Tramitação

Requer-se a tramitação prioritária do presente habeas corpus, nos termos do artigo 657 do CPP, considerando a gravidade das violações constitucionais e o risco iminente à liberdade de locomoção da coletividade.


Termos em que,

Pede deferimento.


Brasília, 16 de julho de 2025.


Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18