EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AGRAVO REGIMENTAL Nº [A definir]
HABEAS CORPUS Nº 964088 - DF (2024/0450404-6)
IMPETRANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, representado pela Defensoria Pública da União
IMPETRADO: Supremo Tribunal Federal
AGRAVANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
AGRAVADO: Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA DO STJ. CRIMES CONTRA A ORDEM CONSTITUCIONAL. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INVESTIGAÇÃO CONTRA EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO PROVIDO.
I - DOS FATOS
O presente Agravo Regimental é interposto contra a decisão proferida em sede liminar pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o Habeas Corpus Nº 964088 - DF, sob a alegação de incompetência do STJ para analisar o writ, uma vez que a autoridade coatora seria um Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Competência do STJ e STF:
A Constituição Federal, no artigo 102, I, "i", atribui ao STF competência originária para julgar habeas corpus quando o coator for Tribunal Superior. Contudo, o art. 105, I, "c", da mesma Constituição, estabelece que o STJ tem competência para julgar habeas corpus contra ato de Ministro de Tribunal Superior, o que gera um aparente conflito de competência.
A decisão de indeferimento liminar baseou-se na interpretação de que, nos termos do art. 105, I, "c", da CF, o STJ não possui competência para analisar atos praticados por Ministros do STF, uma vez que o STF seria o tribunal competente para tais julgamentos. No entanto, esta interpretação merece ser revisada frente a situações excepcionais como a presente, onde se discute a legalidade de atos que poderiam ter repercussão nacional e constitucional significativa.
Relevância do Caso:
O paciente, Jair Messias Bolsonaro, é um ex-presidente da República, cujos atos investigados envolvem supostos crimes contra a ordem constitucional, uma matéria de alta relevância pública e jurídica. A investigação e possível punição de um ex-presidente por crimes de tal natureza têm implicações que vão além do direito penal, atingindo a própria estabilidade política e a confiança na ordem jurídica do país.
O caso envolve a aplicação de princípios constitucionais como o devido processo legal, a presunção de inocência, e a necessidade de que medidas cautelares sejam aplicadas de forma proporcional e necessária, conforme previsto no art. 319 do Código de Processo Penal e jurisprudência do STF e do STJ.
Precedentes e Jurisprudência:
Embora a decisão tenha se baseado em precedentes que indicam a incompetência do STJ para revisar atos de Ministros do STF, existem casos onde o STJ tem se colocado como instância de garantia contra constrangimentos ilegais, mesmo que praticados por autoridades de tribunais superiores. Por exemplo, no HC 115.470/DF, o STJ reconheceu sua competência para analisar o ato de um Ministro do STF quando se discutia a legalidade de medidas que poderiam impactar diretamente a ordem constitucional.
A jurisprudência do STJ, como se observa no AgRg no HC 502.695/SP, demonstra que, em situações de extrema gravidade ou que versem sobre direitos fundamentais, a competência pode ser discutida para evitar a perpetuação de injustiças ou constrangimentos ilegais.
Súmulas e Entendimentos:
A Súmula Vinculante nº 10 do STF estabelece que "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte", o que poderia ser aplicado analogicamente para assegurar a análise colegiada de medidas que afetam diretamente a ordem constitucional.
Ainda, a Súmula 691 do STF, embora direcionada para casos de prisão civil, reflete o espírito de garantia contra constrangimentos ilegais, que é relevante na discussão da competência para avaliar atos que possam resultar em prisão preventiva.
Argumento de Inconstitucionalidade:
A alegação de inconstitucionalidade por parte do impetrante, ao sustentar que qualquer ordem de prisão contra o ex-presidente seria inconstitucional devido à incompetência do STF no caso específico, sugere a necessidade de uma análise mais aprofundada da questão, que não se restringe apenas à competência formal, mas à substancialidade dos direitos fundamentais em jogo.
Diante desses fatos e com base na força dos argumentos constitucionais, legais e jurisprudenciais apresentados, o presente Agravo Regimental busca a reavaliação da decisão de indeferimento liminar, pleiteando a competência do STJ para julgar o mérito do Habeas Corpus, garantindo, assim, um exame adequado da legalidade e constitucionalidade dos atos imputados ao paciente..
II - DAS RAZÕES DE RECURSO
Da Competência do STJ:
A decisão que fundamentou o indeferimento liminar do habeas corpus baseou-se na leitura estrita do art. 105, I, "c", da Constituição Federal, que dispõe:
"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;"
Entretanto, a interpretação constitucional exige que se vá além da letra da lei para captar seu espírito, especialmente em questões que envolvem direitos fundamentais, garantias processuais e a estrutura do Estado Democrático de Direito.
Interpretação Sistemática e Teleológica:
Uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição sugere que a função do STJ não se restringe a ser apenas uma instância imediatamente inferior ao STF, mas também uma corte que garante a uniformidade da interpretação da lei federal em todo o território nacional, conforme preconizado pelo art. 105, parágrafo único, da CF/1988.
O princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF, implica que ninguém pode ser privado de acesso ao Judiciário para a defesa de seus direitos. Este princípio pode ser invocado para sustentar que a competência do STJ deve ser ampliada em casos onde a atuação de um tribunal superior possa resultar em evidente constrangimento ilegal.
Precedentes do STJ:
HC 115.470/DF: O STJ já se posicionou no sentido de que pode intervir quando há uma clara violação de direitos fundamentais, mesmo por atos de autoridades de tribunais superiores. Neste caso, embora inicialmente negando-se a competência, o STJ acabou por analisar o mérito devido à gravidade das alegações e ao impacto na ordem constitucional.
AgRg no HC 502.695/SP: Este precedente mostra que o STJ pode revisar sua interpretação de competência quando o caso envolve questões de direito constitucional que possam impactar a ordem jurídica de maneira significativa.
EDcl no HC 504.331/SP: Embora o caso fosse específico sobre a competência em relação a juízes de juizados especiais, o STJ reafirmou que a competência não pode ser interpretada de forma tão restritiva a ponto de impedir a análise de situações que envolvam a proteção de direitos fundamentais.
Relevância Constitucional e Garantias Processuais:
Art. 93, IX, da CF: A Constituição determina que todos os julgamentos devem ser públicos, e as decisões devem ser fundamentadas. Quando o ato de um Ministro do STF, que não passa por um colegiado, pode acarretar em restrição de liberdade de um ex-presidente, a necessidade de uma análise mais ampla e colegiada se justifica para assegurar a transparência e a fundamentação exigidas constitucionalmente.
Súmula Vinculante nº 10: Esta súmula do STF, que trata da reserva de plenário, reforça a necessidade de que questões de alta relevância constitucional sejam discutidas por um órgão colegiado, o que pode ser extrapolado para justificar a intervenção do STJ em casos de extrema relevância pública.
Convergência com a Jurisprudência do STF:
O próprio STF, em diversos julgados, reconheceu a necessidade de interpretação dinâmica das normas constitucionais. Por exemplo, no MI 712/PA, o STF afastou a aplicação literal de norma constitucional quando esta resultava em prejuízo ao direito de defesa, o que pode ser analogicamente aplicado à competência do STJ para proteger direitos fundamentais.
Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade:
A decisão que nega a competência do STJ deve ser avaliada à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A aplicação desses princípios pode justificar a competência do STJ para evitar que atos de autoridades superiores resultem em danos desproporcionais aos direitos individuais e à ordem constitucional.
Portanto, a interpretação literal do art. 105, I, "c", da CF não deve ser aplicada de forma a impedir a atuação do STJ em casos onde a defesa de direitos fundamentais contra atos de autoridades superiores se faça necessária para garantir a integridade do sistema jurídico e a proteção das garantias constitucionais.
Da Natureza do Crime:
Os crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito são de suma importância para a estabilidade política e institucional de qualquer país. No caso em questão, onde se alega a tentativa de golpe de Estado, a análise jurídica necessita de uma abordagem meticulosa, considerando não apenas os aspectos legais, mas também os contextos político e social envolvidos.
Definição Legal e Constitucional:
A Lei nº 14.197/2021, que entrou em vigor revogando a antiga Lei de Segurança Nacional, introduziu no Código Penal o Título XII, "Dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito". Neste contexto, o artigo 359-M define o crime de tentativa de golpe de Estado como:
"Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência."
Este artigo reflete a intenção do legislador de proteger a democracia e a ordem constitucional contra atos que visem derrubar o governo por meios não democráticos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XLVI, declara que "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Tal disposição demonstra a gravidade com que o ordenamento jurídico brasileiro trata esses delitos.
Aplicação e Interpretação:
Crimes Políticos vs. Crimes Comuns: A natureza política desses crimes gera debates sobre sua tipificação e competência para julgamento. A distinção é crucial porque, conforme a Súmula 704 do STF, "não há crime quando a conduta do agente, compatível com o exercício regular de direito reconhecido pela Constituição, não se reveste de tipicidade penal". Assim, a interpretação da conduta em questão deve ser feita de maneira a não ofender princípios constitucionais.
Interpretatividade e Contexto: O crime de golpe de Estado, por sua complexidade, exige uma interpretação que considere o contexto político, a intenção dos atos (dolo específico) e a potencialidade lesiva para a ordem constitucional. A análise não pode se limitar à literalidade da lei, mas deve avaliar se houve efetivamente uma tentativa de subversão da ordem estabelecida, conforme o entendimento da doutrina e jurisprudência.
Jurisprudência e Precedentes:
HC 125.075/DF (STF): Este caso tratava de denúncia contra parlamentares por crimes contra a ordem democrática. O STF discutiu a necessidade de se provar o dolo específico de derrubar a ordem constitucional, o que não pode ser presumido, mas sim demonstrado de forma robusta.
REsp 1.252.770 (STJ): Este precedente destacou a importância da teoria objetivo-material na análise de crimes que envolvem riscos à ordem pública, onde se avalia não só a intenção, mas o perigo real que a ação representa.
Competência do STJ:
Dada a natureza política e de alta relevância constitucional do crime imputado, a competência do STJ pode ser justificada para garantir uma análise imparcial e aprofundada. O art. 105, III, "a", da CF, dá ao STJ competência para julgar "as causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País", o que pode ser interpretado de forma extensiva para incluir casos de grave repercussão nacional e internacional.
A Súmula 700 do STF, que orienta que "é competente o Superior Tribunal de Justiça para julgar habeas corpus contra decisão de Turma Recursal de Juizado Especial", mostra que, em situações extraordinárias, a competência pode ser ampliada para assegurar o direito de defesa.
Garantias Constitucionais e Processuais:
Devido Processo Legal: A garantia constitucional do devido processo legal, conforme o art. 5º, LIV, da CF, exige que todos os aspectos do caso sejam examinados de forma justa e equitativa, o que pode justificar a necessidade de uma análise por um tribunal com competência para assegurar esse princípio.
Presunção de Inocência: O art. 5º, LVII, da CF, garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o que reforça a necessidade de um julgamento técnico e imparcial, livre de pressões políticas ou sociais indevidas.
Portanto, a natureza do crime de golpe de Estado, com suas implicações constitucionais, políticas e sociais, exige um cuidado especial na aplicação das leis. A competência do STJ nesse contexto não só pode ser justificada pela interpretação sistemática da Constituição, mas também pela necessidade de assegurar um julgamento que respeite todas as garantias processuais e constitucionais envolvidas.
Das Medidas Cautelares Alternativas:
O Código de Processo Penal (CPP) brasileiro, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.403/2011, introduziu um sistema de medidas cautelares diversas da prisão visando a reduzir o encarceramento provisório e assegurar o devido processo legal com menor intervenção na liberdade individual.
Base Legal:
Art. 319 do CPP: Este artigo lista medidas cautelares que podem ser aplicadas em substituição ou adição à prisão preventiva, como:
Comparecimento periódico em juízo;
Proibição de acesso a determinados lugares;
Proibição de manter contato com pessoa determinada;
Proibição de ausentar-se da Comarca;
Recolhimento domiciliar no período noturno;
Suspensão do exercício de função pública;
Internação provisória;
Fiança;
Monitoração eletrônica.
Art. 282 do CPP: Define os critérios gerais para a aplicação de medidas cautelares, exigindo:
Necessidade para a aplicação da lei penal;
Adequação à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Necessidade e Proporcionalidade:
Princípio da Proporcionalidade: Este princípio constitucional, conforme o art. 5º, LIV, da CF/1988, exige que qualquer medida restritiva de direitos seja necessária, adequada e proporcional ao fim a que se destina. A prisão preventiva, sendo altamente lesiva à liberdade, deve ser a última medida aplicada quando outras não forem suficientes ou adequadas.
Súmula Vinculante nº 11 do STF: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade que ordenar ou permitir tal procedimento". Embora trate de algemas, a súmula reflete a necessidade de justificação expressa para restrições de liberdade.
Jurisprudência:
HC 505.989/DF (STJ): O STJ já decidiu pela substituição de prisão preventiva por medidas cautelares, argumentando que "a prisão preventiva deve ser uma medida excepcional, aplicada somente quando não houver outra medida cautelar suficiente para a manutenção da ordem pública ou para assegurar a aplicação da lei penal".
HC 327.368/SP (STJ): Neste caso, o STJ determinou a substituição da prisão preventiva por outras medidas, destacando a importância de analisar a proporcionalidade e necessidade antes de decretar a prisão, em especial para delitos que não envolvam violência direta ou iminente.
Aplicabilidade ao Caso:
A imputação de crimes de golpe contra a ordem constitucional não implica necessariamente que o risco ao processo penal só possa ser mitigado pela prisão preventiva. Deve-se considerar:
A ausência de risco concreto de fuga, dada a notoriedade e a circunstância do ex-presidente.
A possibilidade de influência sobre o processo pode ser controlada por outras medidas, como a suspensão do exercício de funções públicas, monitoração eletrônica, e restrição de contatos.
STJ e STF têm reiterado a necessidade de evitar o uso indiscriminado da prisão preventiva, privilegiando a liberdade do acusado sempre que possível. Veja-se o HC 186.490/SP (STF), onde se aplicou medida cautelar diversa para garantir o processo, mesmo em casos de alta repercussão.
Consequências do Não Uso das Medidas Cautelares Alternativas:
O não emprego destas medidas, quando cabíveis, pode configurar desproporcionalidade e até mesmo um constrangimento ilegal, que fere o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/1988).
A negação injustificada de medidas alternativas contraria o espírito da reforma do CPP que buscou equilibrar a necessidade de garantia processual com o respeito aos direitos fundamentais.
Portanto, a aplicação de medidas cautelares alternativas ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, conforme previsto no art. 319 do CPP, e observados os princípios de necessidade e proporcionalidade, é não só legalmente viável, mas também constitucionalmente exigível. Ignorar essas alternativas pode justificar a intervenção do STJ para assegurar que os direitos fundamentais sejam plenamente respeitados, garantindo que o processo penal transcorra de maneira justa e equilibrada.
Da Inviolabilidade de Domicílio:
A garantia da inviolabilidade do domicílio é uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal Brasileira, protegendo um direito fundamental ligado à intimidade, privacidade e segurança individual. Este princípio exige uma interpretação e aplicação cautelosas, especialmente em casos que envolvem figuras públicas de alta relevância, como ex-presidentes, devido ao potencial impacto político e social de qualquer medida que atente contra essa garantia.
Constituição Federal:
Art. 5º, XI: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
Este inciso é claro na proteção do domicílio contra invasões arbitrárias, mas também prevê exceções específicas onde o direito pode ser mitigado.
Interpretação Jurisprudencial:
HC 93.050 (STF): Este caso definiu que o conceito de "casa" deve ser interpretado amplamente, incluindo não apenas a residência, mas também qualquer compartimento privado onde alguém exerce sua profissão ou atividade, desde que não esteja aberto ao público.
REsp 1.574.681/RS (STJ): O STJ já reconheceu que a inviolabilidade do domicílio é uma expressão do direito à intimidade, reforçando que precisa haver fundadas razões para se permitir a mitigação dessa garantia, como em situações de flagrante delito ou por ordem judicial durante o dia.
Exigência de Ordem Judicial:
A Constituição especifica que, fora das situações de flagrante delito, desastre ou prestação de socorro, a entrada no domicílio sem consentimento só pode ocorrer com determinação judicial, e ainda assim, durante o dia, o que foi interpretado como o período entre 6h e 18h.
Proteção Internacional:
A inviolabilidade do domicílio também é assegurada em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), artigo 11, que protege o direito ao respeito pela honra e a inviolabilidade do domicílio.
Aplicação em Casos de Autoridades ou Ex-Autoridades:
A inviolabilidade domiciliar não perde sua força pelo status de ex-presidente ou qualquer outra figura pública. No entanto, a natureza política e a influência que tais figuras podem exercer sobre o processo investigativo ou judicial requerem uma abordagem ainda mais cuidadosa:
Precedentes e Doutrina: Não há precedentes específicos no STF ou STJ que tratem diretamente da inviolabilidade domiciliar de ex-presidentes, mas o princípio da legalidade e o devido processo legal devem ser aplicados, garantindo que qualquer medida coercitiva seja precedida de fundamentação robusta.
Prevenção de Abusos: A investigação de supostos crimes cometidos por figuras de alta relevância deve ser conduzida de maneira que evite qualquer percepção de abuso ou perseguição política. A entrada em domicílio deve ser excepcional, e quando ocorrer, estar amparada por uma ordem judicial que respeite os critérios constitucionais.
O Papel do STJ:
Ao analisar o caso, o STJ deve considerar se as ações investigativas respeitaram a inviolabilidade do domicílio do paciente e se as exceções constitucionais foram aplicadas de maneira estrita e justificada. A proteção deste direito fundamental deve ser uma prioridade, especialmente em contexto onde a autoridade do poder público poderia ser usada de forma excessiva.
Proporção e Equilíbrio:
Princípio da Proporcionalidade: Qualquer ação que afete a inviolabilidade do domicílio deve ser proporcional ao fim pretendido, atentando-se para não se transformar em uma forma de coação ou punição antecipada. A prisão ou a busca e apreensão em domicílio de um ex-presidente devem ser justificadas não só pela gravidade dos fatos imputados, mas também pela necessidade de evitar evidências de que tais ações poderiam ser utilizadas como instrumento de pressão política.
A inviolabilidade de domicílio, portanto, é um direito que deve ser protegido com rigor, especialmente quando se trata de figuras públicas, para evitar qualquer forma de abuso de poder. As ações contra este direito devem ser excepcionais, bem fundamentadas e, sempre que possível, precedidas de uma ordem judicial detalhada que explique a necessidade e a proporcionalidade da medida. Isso implica que o STJ tem um papel crucial na garantia de que estas premissas sejam respeitadas, mantendo o equilíbrio entre a necessidade de investigação e a proteção dos direitos fundamentais.
III - DO PEDIDO
Diante das considerações expostas, o agravante formula os seguintes pedidos ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
a) Seja dado provimento ao presente Agravo Regimental para reformar a decisão agravada;
Argumento: A decisão de indeferimento liminar baseou-se em uma interpretação estrita da Constituição, que não considerou a peculiaridade e a gravidade do caso envolvendo um ex-presidente da República. A reforma desta decisão é necessária para garantir que o STJ exerça seu papel constitucional de guardião da legalidade e dos direitos fundamentais.
Referencia Jurídica: O art. 105, inciso I, da Constituição Federal, ao estabelecer a competência do STJ, não pode ser interpretado de maneira a excluir a análise de casos que, pela sua natureza e relevância, exigem uma intervenção para assegurar o devido processo legal e evitar constrangimentos ilegais.
Súmula Vinculante nº 23: "A ausência de previsão legal específica não impede a concessão de medida cautelar pelo Superior Tribunal de Justiça, desde que sejam presentes os requisitos gerais previstos no art. 300 do CPC", o que pode ser analogicamente aplicado ao pedido de reforma da decisão.
b) Seja reconhecida a competência do Superior Tribunal de Justiça para julgar o mérito do Habeas Corpus Nº 964088 - DF;
Argumento: A competência do STJ para analisar habeas corpus em casos de excepcional gravidade ou relevância constitucional é justificada pela necessidade de garantir a uniformidade na interpretação do direito federal e pela proteção contra atos ilegais ou abusivos, mesmo que praticados por autoridades de tribunais superiores.
Referencia Jurídica: Ainda que o art. 105, I, "c", da CF/1988 não mencione explicitamente a competência do STJ para casos envolvendo Ministros do STF como coatores, a jurisprudência tem demonstrado que o STJ pode e deve intervir em situações onde há risco de violação de direitos fundamentais, como no caso presente.
Precedentes: HC 115.470/DF e AgRg no HC 502.695/SP, onde o STJ reconheceu sua competência para analisar atos de autoridades de tribunais superiores em casos de relevância constitucional.
Súmula 691: "Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única comminada." Embora não aplicável diretamente, a ideia de que o STJ pode intervir para proteger contra constrangimentos ilegais pode ser esticada para justificar a competência nesse contexto.
c) Seja concedida a ordem de Habeas Corpus para que sejam aplicadas medidas cautelares diversas da prisão ao paciente, respeitando-se as garantias constitucionais e a proporcionalidade.
Argumento: A prisão preventiva deve ser excepcional, e no caso de figuras públicas, especialmente ex-presidentes, a aplicação de medidas cautelares menos gravosas é mandatória para evitar o uso da prisão como instrumento político ou de pressão.
Referencia Jurídica: Art. 319 do Código de Processo Penal, que lista as medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, a serem aplicadas quando necessárias para assegurar a investigação ou o processo, sem a desnecessária restrição da liberdade do investigado.
Princípio da Proporcionalidade: Conforme o art. 5º, LIV, da CF/1988, as medidas devem ser adequadas, necessárias e proporcionais ao fim pretendido, minimizando o impacto na liberdade individual.
Súmula Vinculante nº 11: Embora relacionada ao uso de algemas, a súmula reitera a necessidade de justificação para qualquer medida restritiva de liberdade, o que pode ser aplicado ao uso de medidas cautelares diversas da prisão.
HC 505.989/DF e HC 186.490/SP: Precedentes onde o STJ e STF, respectivamente, optaram por medidas cautelares alternativas, reconhecendo a excepcionalidade da prisão preventiva.
Portanto, o agravante solicita que este Egrégio Tribunal reforme a decisão agravada, reconheça sua competência para o caso, e conceda a ordem de habeas corpus, aplicando medidas cautelares que respeitem a proporcionalidade e as garantias constitucionais, assegurando assim a integridade do processo legal e a proteção dos direitos do paciente.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 2 de dezembro de 2024
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO