MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR URGENTE (...) ausência de norma regulamentadora federal que discipline o exercício do comércio ambulante e do trabalho autônomo em vias públicas resulta na inviabilização dos direitos fundamentais ao trabalho (art. 5º, XIII, CF/88), à livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, parágrafo único, CF/88) e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) | STF 93069/2025

segunda-feira, 7 de julho de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR URGENTE

Impetrante: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, por si e em representação dos interesses coletivos da classe dos vendedores ambulantes e trabalhadores autônomos.

Autoridades Coatoras:

  1. PRESIDENTE DA REPÚBLICA, representado pela Advocacia-Geral da União, com endereço em Brasília-DF, SAS, Quadra 06, Lotes 05/07, Edifício Sede da AGU.
  2. CONGRESSO NACIONAL, representado pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com endereço em Brasília-DF, Praça dos Três Poderes.

Fundamento Legal: Artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal de 1988 e Lei nº 13.300/2016.


I – DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

O Impetrante, na condição de vendedor ambulante, é pessoa hipossuficiente na acepção jurídica do termo, não possuindo condições de arcar com custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. Requer, portanto, a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, e do artigo 98 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).


II – DO CABIMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO

O Mandado de Injunção é o remédio constitucional adequado para sanar omissões legislativas que inviabilizem o exercício de direitos e liberdades constitucionais, conforme dispõe o artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal:

"Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania."

No presente caso, a ausência de norma regulamentadora federal que discipline o exercício do comércio ambulante e do trabalho autônomo em vias públicas resulta na inviabilização dos direitos fundamentais ao trabalho (art. 5º, XIII, CF/88), à livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, parágrafo único, CF/88) e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Tal omissão expõe milhões de trabalhadores ambulantes à violência estatal, à apreensão arbitrária de mercadorias e à negação de sua subsistência, configurando um estado de insegurança jurídica e violação sistemática de direitos.

O caráter coletivo do presente mandado justifica-se pela representatividade do Impetrante, que atua em nome de uma classe numerosa e difusa, composta por vendedores ambulantes e trabalhadores autônomos em todo o Brasil, cuja situação de vulnerabilidade é agravada pela omissão legislativa e pela repressão estatal. A legitimidade para a impetração coletiva encontra amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece a possibilidade de Mandado de Injunção Coletivo em casos de direitos difusos (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes).

III – DOS FATOS

Os vendedores ambulantes e trabalhadores autônomos, como o Impetrante, enfrentam uma realidade de exclusão social, perseguição estatal e violência institucional em diversas cidades brasileiras. Relatórios recentes, como o da Agência Pública (02/06/2025), apontam um quadro alarmante de abusos, especialmente no bairro do Brás, em São Paulo, onde 23 casos de violência policial contra ambulantes foram registrados entre 2023 e 2025, culminando no assassinato do senegalês Ngagne Mbaye por um policial militar em 11 de abril de 2025.

Os fatos demonstram um padrão sistemático de violações, incluindo:

  1. Agressões físicas e verbais: Relatos de espancamentos, uso de armas de choque, chutes e xingamentos racistas, como “negrinho” e “você não tá no seu país não”, especialmente contra trabalhadores negros e imigrantes (Centro Gaspar Garcia, 2025).
  2. Apreensões arbitrárias de mercadorias: Bens que representam o sustento dos ambulantes são confiscados sem devido processo legal, muitas vezes sem lacre, inviabilizando sua recuperação.
  3. Extorsão e milícias: A Operação Aurora (GAECO, 16/12/2024) revelou esquemas de cobrança de propinas por policiais militares, com valores semanais de até R$ 300 e taxas anuais de R$ 15 mil, para permitir o trabalho dos ambulantes.
  4. Racismo institucional: Mais de 50% das vítimas de violência são negras, especialmente imigrantes africanos e caribenhos, evidenciando uma prática discriminatória (Centro Gaspar Garcia, 2025).

Essas ações, sob o pretexto do “poder de polícia”, são agravadas pela ausência de regulamentação federal que estabeleça critérios claros e uniformes para o exercício do comércio ambulante. Normas municipais díspares e a falta de emissão de Termos de Permissão de Uso (TPUs) criam um vácuo normativo que legitima a repressão e a violência.


IV – DO DIREITO

IV.I – Da Omissão Legislativa e a Violação de Direitos Fundamentais

A Constituição Federal consagra como fundamentos do Estado brasileiro:

  • A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III);
  • Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV);
  • O livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, salvo qualificações previstas em lei (art. 5º, XIII);
  • O livre exercício de atividade econômica, independentemente de autorização estatal, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único).

A expressão “salvo nos casos previstos em lei” não autoriza a inércia legislativa. Pelo contrário, impõe ao Poder Público o dever de regulamentar o exercício desses direitos de forma a torná-los efetivos. A ausência de uma lei federal que discipline o comércio ambulante, harmonizando o direito ao trabalho com o interesse público, resulta na negação prática desses direitos constitucionais. Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, a omissão legislativa que inviabiliza direitos fundamentais é uma afronta ao princípio da efetividade das normas constitucionais (Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., 2008, p. 97).

Os vendedores ambulantes, em sua maioria, são trabalhadores pobres, muitos com baixa escolaridade e dificuldades de inserção no mercado formal, como aponta pesquisa do Dieese (2012). A repressão estatal, em vez de oferecer alternativas, criminaliza sua atividade, violando a dignidade humana e o direito ao trabalho.

IV.II – Do Poder de Polícia e Seus Limites

O poder de polícia administrativa, embora legítimo, deve observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e respeito aos direitos fundamentais. A apreensão de mercadorias de ambulantes, frequentemente sem auto de infração ou devido processo, configura uma medida confiscatória e desproporcional, que compromete a subsistência desses trabalhadores.

O STF, em sua Súmula 323, estabelece:

"É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos."

Por analogia, é igualmente inadmissível a apreensão de mercadorias como forma de coação para forçar a regularização administrativa, sobretudo quando o próprio Estado omite-se em criar condições para tal regularização. Como destacou o juiz Luís Gustavo B. de Oliveira (TJ-DF, 2015), a retenção de bens além do prazo necessário para fiscalização constitui “meio indireto de coação” (ConJur, 19/09/2015).

Ademais, o STF reconhece que o poder de polícia não pode ser exercido de forma arbitrária ou abusiva, devendo respeitar os limites constitucionais (RE 1.401.159, Rel. Min. Edson Fachin). A violência policial e a apreensão de mercadorias, muitas vezes acompanhadas de humilhações e discriminação, extrapolam esses limites, configurando abuso de poder.


IV.III – Do Racismo Institucional e da Violação à Isonomia

A repressão aos ambulantes é marcada por um racismo institucional evidente, com mais de 50% das vítimas sendo negras, especialmente imigrantes. Tal seletividade viola o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/88) e o objetivo republicano de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, CF/88).

A Convenção Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, ratificada pelo Brasil, reforça a obrigação do Estado de combater práticas discriminatórias. A omissão legislativa, ao permitir que ações policiais sejam direcionadas desproporcionalmente contra negros e imigrantes, torna o Estado conivente com o racismo estrutural.


IV.IV – Da Jurisprudência do STF

Este Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade do Mandado de Injunção para suprir omissões legislativas que inviabilizem direitos fundamentais (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes; MI 670, Rel. Min. Maurício Corrêa). No caso dos ambulantes, a omissão legislativa não apenas inviabiliza o direito ao trabalho, mas perpetua um ciclo de violência e exclusão social.

Além disso, o STF tem reafirmado a necessidade de proteger grupos vulneráveis contra abusos estatais (ADPF 635, Rel. Min. Edson Fachin), especialmente em contextos de racismo institucional e violência policial. A presente impetração alinha-se a essa jurisprudência, buscando garantir a efetividade dos direitos constitucionais dos trabalhadores ambulantes.

V – DA URGÊNCIA E DO PEDIDO LIMINAR

V.I – Fumus Boni Iuris

A plausibilidade do direito invocado é inequívoca:

  1. A omissão legislativa federal viola direitos constitucionais fundamentais (arts. 1º, III e IV; 5º, XIII; 170, parágrafo único, CF/88).
  2. A Súmula 323 do STF proíbe a apreensão de mercadorias como medida coercitiva, aplicável por analogia às ações contra ambulantes.
  3. A violência policial e o racismo institucional configuram afrontas aos princípios da dignidade humana, isonomia e vedação à discriminação.
  4. A jurisprudência do STF reconhece o Mandado de Injunção como instrumento para sanar omissões que comprometam direitos fundamentais.

V.II – Periculum in Mora

O perigo na demora é manifesto:

  1. A continuidade das ações policiais resulta em agressões físicas, humilhações, apreensões arbitrárias e até mortes, como o caso de Ngagne Mbaye.
  2. A ausência de regulamentação perpetua a insegurança jurídica e a vulnerabilidade dos ambulantes, que têm seus meios de subsistência destruídos.
  3. A repressão violenta e seletiva, especialmente contra negros e imigrantes, agrava a exclusão social e o risco de novas tragédias.

A demora na prestação jurisdicional significa a perpetuação da violência, da fome e da indignidade para milhões de trabalhadores. A medida liminar é essencial para preservar a vida, a dignidade e o sustento da classe representada pelo Impetrante.


VI – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. Concessão de Medida Liminar, inaudita altera pars, com fundamento no artigo 5º da Lei nº 13.300/2016, para:
  2. a) Suspender, em todo o território nacional, quaisquer ações de Polícias Militares e Guardas Civis Municipais que resultem em repressão violenta, agressões físicas ou verbais, e apreensão de mercadorias de vendedores ambulantes e trabalhadores autônomos, até o julgamento final do mérito deste Mandado de Injunção, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por descumprimento, além de responsabilização funcional e criminal dos agentes envolvidos;
  3. b) Determinar que as autoridades públicas abstenham-se de cassar Termos de Permissão de Uso (TPUs) sem o devido processo legal, garantindo o direito de defesa aos ambulantes;
  4. c) Ordenar a devolução imediata de mercadorias apreendidas de forma arbitrária, sem prejuízo de eventuais indenizações por perdas e danos.
  5. Concessão da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV, da CF/88 e artigo 98 do CPC.
  6. Notificação das autoridades coatoras (Presidente da República e Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) para que prestem informações no prazo legal.
  7. Intimação do Ministério Público Federal para manifestação sobre o feito.
  8. No mérito, a procedência total do pedido para:
  9. a) Declarar a omissão legislativa do Presidente da República e do Congresso Nacional na regulamentação do comércio ambulante, nos termos do artigo 5º, inciso LXXI, da CF/88;
  10. b) Fixar prazo razoável (sugere-se 180 dias) para que as autoridades coatoras editem norma regulamentadora que harmonize o direito ao trabalho e à livre iniciativa dos ambulantes com o interesse público;
  11. c) Ordenar a devolução imediata de mercadorias apreendidas de forma arbitrária, sem prejuízo de eventuais indenizações por perdas e danos.
  12. Concessão da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV, da CF/88 e artigo 98 do CPC.
  13. Notificação das autoridades coatoras (Presidente da República e Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) para que prestem informações no prazo legal.
  14. Intimação do Ministério Público Federal para manifestação sobre o feito.
  15. No mérito, a procedência total do pedido para:
  16. a) Declarar a omissão legislativa do Presidente da República e do Congresso Nacional na regulamentação do comércio ambulante, nos termos do artigo 5º, inciso LXXI, da CF/88;
  17. b) Fixar prazo razoável (sugere-se 180 dias) para que as autoridades coatoras editem norma regulamentadora que harmonize o direito ao trabalho e à livre iniciativa dos ambulantes com o interesse público;
  18. c) Caso a omissão persista, que o STF estabeleça, com força normativa, diretrizes para o exercício do comércio ambulante, garantindo:
  • O direito ao trabalho sem repressão violenta ou apreensões arbitrárias;
  • A emissão de autorizações simplificadas (ex.: TPUs) em todos os municípios;
  • A proteção contra práticas discriminatórias, especialmente racismo institucional;
  • A criação de canais de diálogo com a categoria, como Comissões Permanentes de Ambulantes.
  1. Atribuição de valor à causa, para fins meramente fiscais, de R$ 1.000,00 (mil reais).

VII – DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E JURISPRUDENCIAIS

  1. Constituição Federal de 1988, artigos 1º, III e IV; 3º, IV; 5º, XIII e LXXI; 170, parágrafo único.
  2. Súmula 323 do STF: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”
  3. Jurisprudência do STF:
  • MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes (legitimidade do Mandado de Injunção Coletivo).
  • MI 670, Rel. Min. Maurício Corrêa (omissão legislativa e efetividade de direitos).
  • ADPF 635, Rel. Min. Edson Fachin (combate à violência policial e racismo institucional).
  1. Doutrina:
  • Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.
  • Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 34ª ed., São Paulo: Malheiros, 2017.
  1. Fontes Fáticas:
  • Agência Pública, “Vendedores ambulantes do centro de São Paulo relatam rotina de violência da polícia”, 02/06/2025.
  • Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Relatório sobre Violência contra Ambulantes, 2023-2025.
  • ConJur, “Retenção indevida de produtos de ambulante não gera dano moral”, 19/09/2015.
  • Rede Brasil Atual, “Ambulantes organizam resistência jurídica contra perseguição em São Paulo”, 22/05/2012.


Nestes termos, pede deferimento.

Brasília-DF, 07 de julho de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

Impetrante