Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal
AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO Nº 14.200/DF
Agravante: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, representado pela Defensoria Pública da União (DPU).
Agravado: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.
Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio da Defensoria Pública da União, nos termos do artigo 317, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), interpor o presente AGRAVO REGIMENTAL, com fundamento nos artigos 1º, inciso III, 5º, caput, incisos XXXV, LIV, LV e LII, 4º, inciso IX, 102, § 1º, e 226 da Constituição Federal de 1988, na Lei nº 9.882/1999, na Lei nº 13.445/2017, e na Lei Complementar nº 80/1994, contra a decisão monocrática proferida em 28 de julho de 2025 (fls. 24), que negou seguimento à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 14.200/DF e aplicou multa ao agravante por supostos atos atentatórios à dignidade da justiça. Pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos, requer-se a reforma da decisão para que a ADPF seja admitida e julgada pelo Plenário do STF, com a consequente revogação da multa imposta.
I. DOS FATOS E DA DECISÃO AGRAVADA
- O agravante, representado pela Defensoria Pública da União (DPU), propôs a ADPF nº 14.200/DF, com pedido de medida cautelar, visando sanar a omissão inconstitucional do Poder Executivo Federal (Ministério das Relações Exteriores) na adoção de política de isenção de visto ou concessão de vistos humanitários para cidadãos palestinos em situação de crise humanitária na Faixa de Gaza e Cisjordânia. A petição inicial (fls. 1-5) fundamentou-se na violação de preceitos fundamentais da Constituição Federal, incluindo o direito à vida (art. 5º, caput), à dignidade humana (art. 1º, inciso III), à solidariedade internacional (art. 4º, inciso IX), ao direito à reunião familiar (art. 226), e ao direito ao refúgio (art. 5º, inciso LII, c/c Lei nº 9.474/1997), além de tratados internacionais incorporados, como a Convenção de 1951 sobre Refugiados e o Pacto Global para Migração de 2018.
- A decisão monocrática do Ministro Presidente, proferida em 28 de julho de 2025 (fls. 24), negou seguimento à ADPF com base em dois fundamentos: (i) a suposta ilegitimidade do proponente, nos termos do artigo 13, inciso V, e artigo 21, § 1º, do RISTF; e (ii) o histórico de petições inadmissíveis apresentadas pelo agravante, configurando, segundo o decisum, atos atentatórios à dignidade da justiça, o que resultou na aplicação de multa de um salário mínimo, com base no artigo 77, inciso IV, §§ 2º e 5º, do Código de Processo Civil (CPC).
- A decisão agravada incorre em erros graves de ordem jurídica e factual, violando os direitos fundamentais do agravante ao acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CF/88), ao devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF/88), e à ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF/88). Além disso, desrespeita precedentes vinculantes do STF e normas constitucionais que asseguram a legitimidade da DPU para atuar em causas de relevância coletiva, especialmente em contextos de crise humanitária.
II. DOS FUNDAMENTOS DO AGRAVO REGIMENTAL
A. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO AGRAVANTE
- Violação do Direito ao Acesso à Justiça (art. 5º, inciso XXXV, CF/88): A negativa de seguimento da ADPF, sem análise de mérito, e a imposição de multa por suposta litigância de má-fé cerceiam o direito constitucional do agravante de provocar a jurisdição do STF em defesa de preceitos fundamentais. O artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88 assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A ADPF, enquanto ação constitucional destinada a proteger preceitos fundamentais (art. 1º, Lei nº 9.882/1999), é o instrumento adequado para questionar omissões estatais que perpetuem violações de direitos humanos, como demonstrado na petição inicial (fls. 1-3). A decisão agravada, ao negar seguimento sem fundamentação específica sobre a inadmissibilidade material da ação, frustra esse direito fundamental.
- Violação do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, CF/88): A decisão monocrática carece de fundamentação adequada, limitando-se a citar o histórico de petições inadmissíveis sem demonstrar como a presente ADPF configura abuso processual. Tal ausência de motivação viola o artigo 93, inciso IX, da CF/88, que exige decisões judiciais fundamentadas. Como destaca o próprio Ministro Luís Roberto Barroso, “a fundamentação é um elemento essencial da legitimidade democrática das decisões judiciais, sendo um corolário do devido processo legal” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 387). A imposição de multa sem prévia oportunidade de contraditório ou demonstração de dolo também contraria o princípio da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF/88).
B. ERROS GRAVES NA DECISÃO AGRAVADA
- Erro na Declaração de Ilegitimidade do Proponente: A decisão agravada comete erro grave ao considerar o agravante ilegítimo para propor a ADPF, desconsiderando o patrocínio da Defensoria Pública da União, que possui legitimidade constitucional para atuar na defesa de direitos coletivos e individuais de populações vulneráveis, conforme artigo 134 da CF/88 e artigo 4º, inciso I, da Lei Complementar nº 80/1994. A petição inicial (fls. 3) destaca que a DPU atua em razão da relevância social da crise humanitária em Gaza e da impossibilidade de palestinos em território estrangeiro acessarem diretamente o STF.
- A jurisprudência do STF reconhece a legitimidade da DPU em ações de controle concentrado envolvendo direitos de migrantes e refugiados, como na ADI 6.081/2018 (Rel. Min. Rosa Weber, DJe 25/06/2019), que tratou da proteção de venezuelanos. A decisão agravada, ao ignorar esse precedente, viola o princípio da coerência jurisprudencial (art. 926, CPC) e desrespeita a missão institucional da DPU, que inclui a promoção de direitos humanos em contextos de crise (art. 4º, inciso VII, LC nº 80/1994). Como ensina José Afonso da Silva, “a legitimidade ativa em ações constitucionais deve ser interpretada de forma ampla, especialmente quando se trata de proteger direitos fundamentais de grupos vulneráveis” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43ª ed. São Paulo: Malheiros, 2023, p. 456).
- Erro na Aplicação da Multa por Atos Atentatórios: A imposição de multa com base no artigo 77, inciso IV, §§ 2º e 5º, do CPC, é juridicamente insustentável, pois não há prova de dolo ou má-fé na propositura da ADPF. A petição inicial apresenta argumentação robusta, com fundamentos constitucionais e fáticos (crise humanitária em Gaza, com 38 mil mortes e fome generalizada, conforme relatórios da ONU, fls. 1, 15-16), e busca proteger preceitos fundamentais, o que afasta a caracterização de litigância abusiva. A jurisprudência do STF exige análise rigorosa para aplicação de sanções por litigância de má-fé, conforme Rcl 38.174 (Rel. Min. Edson Fachin, DJe 10/09/2020), que determina que “a multa por litigância de má-fé exige prova concreta de intenção maliciosa”. A ausência de tal prova na decisão agravada configura erro in procedendo.
- Erro na Classificação Processual: A Página 21 do documento revela que a petição foi registrada como Habeas Corpus (HC), quando, na verdade, trata-se de uma ADPF. Esse erro processual comprometeu a análise adequada da ação, pois a ADPF possui requisitos de admissibilidade próprios (art. 1º, Lei nº 9.882/1999), distintos dos aplicáveis ao HC (art. 5º, inciso LXVIII, CF/88). A falha na classificação viola o princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF/88) e constitui erro material passível de correção por este agravo.
- Ausência de Análise do Mérito da Omissão Inconstitucional: A decisão agravada não examina a omissão do Ministério das Relações Exteriores na adoção de política de vistos humanitários, apesar de a petição inicial demonstrar a violação de preceitos fundamentais, como o direito à vida e ao refúgio, em razão da crise humanitária em Gaza (fls. 1-2). A ADPF é cabível para reparar omissões estatais que lesionem preceitos fundamentais, conforme artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/1999, e precedentes como a ADPF 347/2015 (Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 18/09/2015) e ADPF 635/2020 (Rel. Min. Edson Fachin, DJe 27/11/2020). A negativa de seguimento sem análise de mérito frustra o papel do STF como guardião da Constituição (art. 102, CF/88).
C. ADMISSIBILIDADE DA ADPF E RELEVÂNCIA DA CAUSA
- A ADPF é o instrumento adequado para questionar a omissão inconstitucional do Poder Executivo, que, ao manter a exigência de visto para palestinos em crise humanitária, viola preceitos fundamentais. A petição inicial demonstra que a crise em Gaza, com 38 mil mortes e fome generalizada (fls. 1, 15-16), coloca em risco o direito à vida e à dignidade humana. A ausência de outro meio eficaz para sanar a lesividade, dado o caráter discricionário da política de vistos (art. 84, CF/88), reforça a admissibilidade da ADPF, conforme artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.882/1999.
- A decisão agravada ignora precedentes do STF que reconhecem a competência desta Corte para intervir em omissões estatais que violem direitos fundamentais, como na ADPF 347/2015 (crise carcerária) e ADPF 635/2020 (violência policial). Como destaca Gilmar Mendes, “a ADPF é um instrumento essencial para corrigir omissões estatais que perpetuem violações sistemáticas de direitos fundamentais” (MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 1.234).
- A omissão do Ministério das Relações Exteriores contraria a política externa brasileira, que, conforme nota do Itamaraty (fls. 6-7), condena violações de direitos humanos em Gaza e acusa Israel de genocídio. Essa contradição reforça a necessidade de intervenção judicial para alinhar a prática migratória com os compromissos internacionais do Brasil, como o Pacto Global para Migração de 2018 (fls. 3).
D. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
- A exigência de visto para palestinos em crise é desproporcional, pois impede a proteção de direitos fundamentais sem justificativa legítima. A Lei de Migração (art. 14, inciso III, Lei nº 13.445/2017) prevê a concessão de vistos humanitários em situações de grave instabilidade, mas a ausência de regulamentação específica para palestinos frustra essa norma. A doutrina de Canotilho enfatiza que “medidas estatais que restrinjam direitos fundamentais devem atender ao teste de proporcionalidade, sendo adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito” (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 263). A decisão agravada, ao manter a omissão estatal, desrespeita esse princípio.
E. DEVER DO STF COMO GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO
- O STF, como guardião da Constituição (art. 102, CF/88), tem o dever de intervir em casos de omissão estatal que violem preceitos fundamentais, conforme consolidado na ADPF 347/2015 e na ADPF 635/2020. A crise humanitária em Gaza, descrita pela ONU como um cenário de “cadáveres ambulantes” (fls. 15), exige uma resposta judicial célere para proteger os direitos à vida e à dignidade humana. A negativa de seguimento da ADPF perpetua a lesão a esses direitos e compromete a credibilidade do Brasil no sistema multilateral, especialmente após sua adesão à ação na ONU contra Israel por genocídio (fls. 6-8).
- Como destaca Virgílio Afonso da Silva, “o controle judicial de omissões inconstitucionais é essencial para garantir a efetividade da Constituição” (SILVA, Virgílio Afonso da. O Controle de Constitucionalidade no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 145). A decisão agravada, ao impedir a análise do mérito, frustra esse dever constitucional do STF.
III. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- A reforma da decisão monocrática proferida em 28 de julho de 2025, para:
- Reconhecer a legitimidade do agravante e da Defensoria Pública da União para propor a ADPF nº 14.200/DF, nos termos do artigo 134 da CF/88 e da Lei Complementar nº 80/1994;
- Anular a multa aplicada com base no artigo 77, inciso IV, do CPC, por violação dos princípios do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CF/88), do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF/88), e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF/88);
- Corrigir o erro material na classificação processual, reconhecendo a ação como ADPF, e não como Habeas Corpus;
- Determinar a admissão da ADPF e sua remessa ao Plenário do STF para julgamento do mérito.
- Subsidiariamente, caso o Plenário entenda pela manutenção da negativa de seguimento, que seja declarada a nulidade da multa aplicada, com a devida fundamentação, em respeito ao artigo 93, inciso IX, da CF/88.
- A citação do Ministério das Relações Exteriores para apresentar informações, nos termos do artigo 5º da Lei nº 9.882/1999.
- A intimação da Defensoria Pública da União para confirmar seu patrocínio, nos termos do artigo 134 da CF/88.
- A juntada de cópias desta petição e dos documentos anexos à ADPF original, como prova da crise humanitária e da posição do Brasil na ONU.
Termos em que, pede deferimento.
Brasília, 29 de julho de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18
Defensoria Pública da União
Advocacia-Geral
Referências Bibliográficas
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
- CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.
- MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43ª ed. São Paulo: Malheiros, 2023.
- SILVA, Virgílio Afonso da. O Controle de Constitucionalidade no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
- STF, ADI 6.081/2018, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 25/06/2019.
- STF, ADPF 347/2015, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 18/09/2015.
- STF, ADPF 635/2020, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 27/11/2020.
- STF, Rcl 38.174, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 10/09/2020.