ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL em face da omissão do Poder Executivo Federal (Ministério das Relações Exteriores) na adoção de política de isenção de visto ou concessão de vistos humanitários para cidadãos palestinos em situação de crise humanitária na Faixa de Gaza e Cisjordânia | STF 100543/2025

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, por meio da Defensoria Pública da União (DPU), na qualidade de patrocinadora desta ação, com fundamento no artigo 102, § 1º, da Constituição Federal de 1988, e na Lei nº 9.882/1999, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, com pedido de medida cautelar, em face da omissão do Poder Executivo Federal (Ministério das Relações Exteriores) na adoção de política de isenção de visto ou concessão de vistos humanitários para cidadãos palestinos em situação de crise humanitária na Faixa de Gaza e Cisjordânia, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.


I. DOS FATOS

  1. Contexto da Crise Humanitária em Gaza
  2. Conforme amplamente documentado, a Faixa de Gaza enfrenta uma crise humanitária de proporções catastróficas, agravada desde outubro de 2023, após a ofensiva militar israelense deflagrada em resposta aos ataques do Hamas. Relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), conforme notícia publicada pela revista VEJA em 24 de julho de 2025, descrevem os palestinos em Gaza como “cadáveres ambulantes”, em razão da fome generalizada, que se tornou uma “ameaça imediata à vida”, inclusive para trabalhadores humanitários. O conflito resultou em mais de 38 mil mortes, destruição de infraestrutura e colapso de serviços essenciais, como saúde, água e saneamento.
  3. Política Migratória Brasileira
  4. O Brasil, conforme a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), adota o princípio da reciprocidade na exigência de vistos, demandando o documento para cidadãos de países que também o exigem de brasileiros. No caso da Palestina, reconhecida pelo Brasil como Estado desde 2010, a exigência de visto permanece, apesar da crise humanitária. A ausência de uma política de isenção de visto ou de concessão de vistos humanitários amplos para palestinos em situação de vulnerabilidade impede a proteção de direitos fundamentais, como o direito à vida e à dignidade humana.
  5. Negativas de Vistos Humanitários
  6. Conforme reportado, o governo brasileiro tem adotado uma postura restritiva na concessão de vistos humanitários para palestinos, sob o argumento de evitar um “deslocamento em massa” que poderia ser interpretado como uma nova “Nakba” (diáspora forçada). Em abril de 2024, 63 pedidos de vistos humanitários foram negados, incluindo casos de palestinos com laços familiares no Brasil, violando o direito à reunião familiar e o princípio do non-refoulement.
  7. Posicionamento Internacional do Brasil
  8. O Brasil, conforme nota do Ministério das Relações Exteriores publicada pelo G1 em 25 de julho de 2025, aderiu a uma ação na ONU que acusa Israel de genocídio contra o povo palestino, declarando que “não há espaço para ambiguidade moral nem omissão política”. Contudo, a exigência de visto para palestinos em crise contradiz essa postura, configurando uma omissão estatal que perpetua a violação de direitos fundamentais.

II. DO DIREITO

A. Cabimento da ADPF

  1. Nos termos do artigo 1º da Lei nº 9.882/1999, a ADPF é cabível para evitar ou reparar lesão a preceitos fundamentais da Constituição Federal decorrente de ato ou omissão do poder público, quando não houver outro meio eficaz para sanar a lesividade. No presente caso:
  • A omissão do Poder Executivo na adoção de uma política de isenção de visto ou concessão de vistos humanitários para palestinos em situação de crise humanitária viola preceitos fundamentais, como o direito à vida (art. 5º, caput), à dignidade humana (art. 1º, inciso III) e à solidariedade internacional (art. 4º, inciso IX).
  • Não há outro meio eficaz para sanar a lesão, pois a política de vistos é uma competência discricionária do Executivo (art. 84 da CF), e decisões administrativas individuais (como negativas de visto) não podem ser amplamente questionadas por outros instrumentos, como mandado de segurança coletivo, sem esgotar instâncias administrativas.
  1. A ADPF é o instrumento adequado para questionar a constitucionalidade de políticas públicas que, por omissão, causem grave violação de direitos fundamentais, conforme precedentes do STF, como a ADPF 347/2015 (crise no sistema carcerário) e a ADPF 635/2020 (violência policial em favelas).

B. Preceitos Fundamentais Violados

  1. Direito à Vida e à Dignidade Humana (art. 1º, inciso III, e art. 5º, caput)
  2. A Constituição Federal consagra o direito à vida e à dignidade humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito. A crise em Gaza, com fome generalizada, destruição de infraestrutura e 38 mil mortes, coloca os palestinos em risco iminente de morte. A exigência de visto, combinada com a negativa de vistos humanitários, impede o acesso a proteção e segurança, violando esses preceitos fundamentais.
  3. Princípio da Igualdade (art. 5º, caput)
  4. O Brasil concedeu vistos humanitários a sírios (2013-2021), haitianos (pós-2010) e afegãos (pós-2021) em contextos de crise humanitária, mas mantém uma postura restritiva com palestinos, mesmo diante de uma crise de gravidade semelhante. Essa distinção arbitrária configura violação do princípio da igualdade, ao tratar de forma desigual situações análogas.
  5. Direito ao Refúgio (art. 5º, inciso LII, e Lei nº 9.474/1997)
  6. A Constituição e a Lei do Refúgio incorporam a Convenção de 1951 sobre Refugiados, que garante proteção a pessoas em risco devido a conflitos armados ou perseguições. A exigência de visto para palestinos, especialmente aqueles em Gaza, onde a passagem de Rafah está fechada, impede o acesso ao direito de solicitar refúgio, violando o princípio do non-refoulement.
  7. Solidariedade Internacional (art. 4º, inciso IX)
  8. A Constituição estabelece a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como princípio das relações internacionais. A omissão do Brasil em acolher palestinos em crise humanitária, especialmente após sua adesão à ação na ONU contra Israel por genocídio, contradiz esse princípio e compromete a credibilidade do país no sistema multilateral, como destacado na nota do MRE.
  9. Direito à Reunião Familiar (art. 226)
  10. A negativa de vistos humanitários a palestinos com laços familiares no Brasil, como os 63 casos relatados em abril de 2024, viola o direito à proteção da família, garantido pela Constituição. Este preceito é reforçado pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 17), incorporado ao ordenamento brasileiro.

C. Tratados Internacionais

  1. Convenção de 1951 sobre Refugiados e Protocolo de 1967
  2. O Brasil é signatário da Convenção de 1951, que proíbe a devolução de pessoas a locais onde corram risco de vida ou perseguição (non-refoulement). A exigência de visto para palestinos em Gaza, onde há fome e destruição generalizada, impede o acesso ao refúgio e viola esse princípio.
  3. Pacto Global para Migração (2018)
  4. O Brasil aderiu ao Pacto Global, que incentiva medidas para facilitar a migração segura e ordenada em crises humanitárias. A ausência de uma política de isenção de visto ou vistos humanitários contraria esse compromisso.

D. Precedentes do STF

  1. ADPF 347/2015 (Sistema Carcerário)
  2. O STF reconheceu sua competência para determinar medidas contra omissões estatais que causem violações sistemáticas de direitos humanos. A crise humanitária em Gaza, com impacto direto sobre o direito à vida, justifica a intervenção do STF para corrigir a omissão do Executivo.
  3. ADPF 635/2020 (Violência Policial)
  4. O STF determinou medidas para proteger populações vulneráveis em favelas, reforçando seu papel em garantir direitos fundamentais em contextos de crise. A situação dos palestinos é análoga, dada a gravidade da crise humanitária.

E. Omissão Inconstitucional

  1. A omissão do Ministério das Relações Exteriores em adotar uma política de isenção de visto ou concessão de vistos humanitários para palestinos configura uma falha estatal que perpetua a violação de direitos fundamentais. A Lei de Migração (art. 14, inciso III) prevê a concessão de vistos humanitários em situações de grave instabilidade ou conflitos armados, mas a ausência de regulamentação específica para palestinos impede a aplicação dessa norma.
  2. A nota do MRE, ao declarar que “não há espaço para omissão política” na questão palestina, evidencia a contradição entre o discurso internacional do Brasil e sua prática migratória, reforçando a necessidade de intervenção judicial.

III. DA LEGITIMIDADE

  1. Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, cidadão brasileiro, tem legitimidade para propor esta ADPF, na qualidade de cidadão interessado na defesa de preceitos fundamentais, especialmente considerando o impacto da crise palestina na ordem constitucional brasileira.
  2. Patrocínio pela Defensoria Pública da União (DPU): A DPU, nos termos do artigo 134 da Constituição e da Lei Complementar nº 80/1994, tem legitimidade para atuar em defesa de direitos coletivos e individuais de populações vulneráveis, incluindo migrantes e refugiados. A crise humanitária em Gaza justifica a atuação da DPU como patrocinadora desta ação, em razão da relevância social e da impossibilidade de palestinos em território estrangeiro acessarem diretamente o STF.
  3. Obrigação da DPU: A DPU tem o dever funcional de promover a defesa de direitos humanos de grupos vulneráveis, especialmente em contextos de crise humanitária, conforme precedente na ADI 6.081/2018, onde a DPU atuou em defesa de migrantes venezuelanos. A omissão da DPU em patrocinar esta ação violaria sua missão institucional.

IV. DOS PEDIDOS

A. Pedido de Medida Cautelar

  1. Diante da urgência da crise humanitária em Gaza, com risco iminente à vida dos palestinos, requer-se a concessão de medida cautelar para:
  • Suspender, imediatamente, a exigência de visto para cidadãos palestinos oriundos da Faixa de Gaza e Cisjordânia em situação de vulnerabilidade, até o julgamento do mérito desta ADPF.
  • Determinar ao Ministério das Relações Exteriores a implementação de um programa temporário de vistos humanitários, com critérios objetivos (ex.: laços familiares no Brasil, pedidos de refúgio), nos termos do artigo 14, inciso III, da Lei nº 13.445/2017.
  1. O fumus boni juris decorre da violação de preceitos fundamentais (vida, dignidade, igualdade, refúgio) e da incorporação de tratados internacionais ao ordenamento brasileiro. O periculum in mora é evidente, dado o risco de morte iminente dos palestinos em Gaza, conforme descrito pela ONU.

B. Pedido de Mérito

  1. No mérito, requer-se:
  • A declaração de inconstitucionalidade, por omissão, da exigência de visto para palestinos em situação de crise humanitária, por violar os artigos 1º, inciso III, 5º, caput, 4º, inciso IX, e 226 da Constituição Federal.
  • A determinação ao Poder Executivo para:
  • Implementar uma política de isenção de visto para palestinos oriundos de áreas em crise (Gaza e Cisjordânia), com base em critérios humanitários, como laços familiares ou pedidos de refúgio.
  • Criar um programa de vistos humanitários, nos moldes dos concedidos a sírios, haitianos e afegãos, com regulamentação específica para palestinos, conforme a Lei de Migração.
  • Garantir o acesso dos acolhidos a direitos básicos (abrigo, saúde, educação), nos termos da Lei nº 13.445/2017.
  • A fixação de prazo razoável (ex.: 90 dias) para o cumprimento dessas medidas, sob pena de responsabilização por descumprimento de ordem judicial.

C. Pedido Subsidiário

  1. Caso o STF entenda que a isenção de visto é inviável, requer-se, em caráter subsidiário, a determinação para que o Ministério das Relações Exteriores facilite a concessão de vistos humanitários, com redução de exigências burocráticas e priorização de casos com laços familiares ou pedidos de refúgio.


V. DA LÓGICA AVANÇADA E VERACIDADE

  1. Proporcionalidade e Razoabilidade: A exigência de visto para palestinos em crise é desproporcional, pois impede a proteção de direitos fundamentais sem justificativa legítima. A adoção de uma política de isenção ou vistos humanitários é razoável, considerando os precedentes brasileiros e a capacidade do país de acolher migrantes, como demonstrado em crises anteriores.
  2. Interesse Público e Moralidade: A adesão do Brasil à ação na ONU contra Israel por genocídio reforça a obrigação moral e jurídica de adotar medidas concretas para proteger os palestinos. A omissão na política migratória compromete a credibilidade do Brasil no sistema multilateral, como alertado pelo MRE.
  3. Segurança Nacional: A preocupação com segurança, como no caso de Muslim Abuumar (), pode ser mitigada por critérios objetivos de triagem, como verificação de antecedentes e laços familiares, sem prejudicar a acolhida humanitária.
  4. Impacto Sistêmico: A decisão do STF terá efeitos sistêmicos, reforçando o papel do Brasil como líder humanitário no hemisfério Sul e alinhando sua prática migratória com sua retórica internacional.

VI. DA OBRIGAÇÃO DO STF

  1. O STF, como guardião da Constituição (art. 102), tem o dever de intervir em casos de omissão estatal que violem preceitos fundamentais, especialmente em contextos de crise humanitária. A jurisprudência do STF, como nas ADPFs 347 e 635, demonstra sua competência para determinar políticas públicas que protejam direitos fundamentais, mesmo em áreas de competência discricionária do Executivo.
  2. A negativa de intervenção judicial perpetuaria a lesão aos direitos dos palestinos e comprometeria a efetividade da Constituição, especialmente em um cenário de crise descrito como “genocídio” pelo Brasil na ONU.

VII. CONCLUSÃO

Diante do exposto, requer-se: a) A concessão de medida cautelar para suspender a exigência de visto para palestinos em crise e determinar a implementação de um programa temporário de vistos humanitários. b) No mérito, a declaração de inconstitucionalidade por omissão da exigência de visto e a determinação de uma política de isenção ou vistos humanitários, com prazo para cumprimento. c) A citação do Ministério das Relações Exteriores para apresentar informações, nos termos do artigo 5º da Lei nº 9.882/1999. d) A intimação da Defensoria Pública da União para confirmar seu patrocínio, em razão de sua obrigação institucional. e) A juntada dos documentos anexos (VEJA e G1), como prova da crise humanitária e da posição do Brasil na ONU.

Termos em que,

Pede deferimento.

Brasília, 25 de julho de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18

Advocacia-Geral da Defensoria Pública da União