HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO URGENTE DE MEDIDA LIMINAR PROCESSO DE ORIGEM Nº: 0206006-67.2023.8.06.0300 COMARCA: Aquiraz - Vara Única Criminal / CE (...) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL | STJ 10329762

domingo, 29 de junho de 2025

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO DE ORIGEM Nº: 0206006-67.2023.8.06.0300 COMARCA: Aquiraz - Vara Única Criminal / CE

IMPETRANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO 

PACIENTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO 

AUTORIDADE COATORA: EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO URGENTE DE MEDIDA LIMINAR

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, solteiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, por seu advogado que esta subscreve (instrumento de mandato anexo), vem, com a máxima vênia e o mais profundo respeito, à elevada presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, incisos LXI e LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente e robusta ordem de

HABEAS CORPUS PREVENTIVO, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR,

em face de acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que, ao manter a tramitação da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, representa uma ameaça iminente, concreta e devastadora à liberdade de locomoção do Paciente, configurando um constrangimento ilegal de proporções inadmissíveis, pelas razões de fato e de direito que, em capítulos, passa a expor de forma extensa e detalhada.

CAPÍTULO I - DA SÍNTESE FÁTICA E DA TEMPESTIVA NARRATIVA DOS ATOS DE TORTURA

I.I - O Contexto da Persecução Penal: Uma Acusação como Retaliação

A presente impetração volta-se contra o risco iminente de prisão decorrente da Ação Penal nº 0206006-67.2023.8.06.0300, em curso na Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE. Nesta ação, o Ministério Público Estadual imputa ao Paciente a prática dos crimes de ameaça (art. 147, CP) e desacato (art. 331, CP), supostamente ocorridos em 19 de outubro de 2023, nas dependências da Unidade Prisional de Aquiraz.

A peça acusatória, contudo, é uma representação grosseiramente distorcida e descontextualizada da realidade. Ela omite, de forma deliberada e estratégica, o fato mais grave e preponderante: o Paciente, na data e local dos fatos, não era o agressor, mas sim a vítima de uma brutal e covarde sessão de tortura, perpetrada por agentes estatais, que se sentiram autorizados a agir com extrema violência sob o manto da impunidade que lamentavelmente ainda viceja em parcelas do sistema carcerário brasileiro.

A reação verbal do Paciente, que deu origem à denúncia, foi o grito desesperado de um homem subjugado, humilhado e agredido, e não a conduta de um criminoso. A acusação, portanto, não passa de uma cortina de fumaça, uma manobra vil para inverter a lógica dos fatos, transformar a vítima em réu e, com isso, desacreditar as graves denúncias de tortura que ele, corajosamente, já vinha fazendo.

I.II - A Cronologia da Tortura e a Omissão Sistemática

Para a correta compreensão da ilegalidade que permeia a ação penal de origem, é imperioso apresentar a cronologia dos fatos, conforme narrado pelo próprio Paciente em petições de próprio punho dirigidas a diversas instâncias do Judiciário, inclusive a este Colendo Tribunal (HC 954477/CE), demonstrando que o episódio do dia 19/10/2023 foi o clímax de uma série de abusos e omissões:

  • 22 de Agosto de 2023: O Paciente relata ter sido algemado e ter tido spray de pimenta aplicado diretamente em seu rosto, um ato de pura crueldade que não encontra qualquer justificativa em protocolos de segurança.
  • 16 de Setembro de 2023: O Paciente foi deliberadamente isolado em uma área sem vigilância por câmeras, onde quase foi assassinado por membros de uma facção criminosa que tentaram arrombar sua cela. A omissão estatal em garantir sua integridade física é patente.
  • 13 de Outubro de 2023: Em um grave episódio de falha de segurança, um outro detento obteve acesso às chaves de uma área de segurança e quebrou as câmeras de vigilância do local onde o Paciente se encontrava.
  • 19 de Outubro de 2023 (Fato gerador da Ação Penal): Entre 07h e 12h, na enfermaria da unidade, o Paciente foi submetido a uma sessão de tortura pelo agente penitenciário Rodolfo Rodrigues de Araújo (CPF 034.160.793-29) e outros, sendo asfixiado com gás de pimenta enquanto estava algemado, a ponto de desmaiar. Foi neste contexto de extrema violência que ocorreram as supostas "ameaças" e "desacato".
  • 26 de Outubro de 2023: Novamente, o Paciente foi torturado com spray de pimenta dentro de sua cela.

Esses fatos foram tempestivamente comunicados ao Tribunal de Justiça do Ceará por meio de telegramas (códigos MG005933052BR e MG004932356BR) e, posteriormente, ao Conselho Nacional de Justiça e a este Superior Tribunal de Justiça. A resposta, contudo, tem sido a inércia, a burocracia e a perpetuação da injustiça.

CAPÍTULO II - DAS NULIDADES INSANÁVEIS E DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA

A ação penal que ameaça a liberdade do Paciente é nula em sua essência, por múltiplas e insanáveis razões, que vão desde a incapacidade do agente até a própria ilegalidade da prova que a sustenta.

II.I - DA NULIDADE ABSOLUTA PELA CONDIÇÃO PSIQUIÁTRICA DO PACIENTE: A INIMPUTABILIDADE IGNORADA

A culpabilidade é elemento essencial do tipo penal. Sem ela, não há crime. O Estado não pode exercer o jus puniendi contra quem não detém a capacidade de compreender a ilicitude de seus atos ou de se determinar de acordo com esse entendimento.

No caso em tela, a ação penal é manifestamente nula por ignorar a condição psiquiátrica do Paciente. No próprio Auto de Prisão em Flagrante (fl. 265 dos autos de origem), o Paciente, em seu interrogatório, declarou expressamente ser "semi-imputável". Esta não é uma alegação vazia; é um indicativo claro de que sua saúde mental estava comprometida, fato que, por si só, deveria ter levado à imediata instauração de um Incidente de Insanidade Mental, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal.

A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal é uníssona em reconhecer a nulidade de processos onde há dúvida razoável sobre a sanidade mental do acusado e o incidente não é instaurado. Prosseguir com a acusação, presumindo a plena capacidade mental do Paciente, é uma afronta ao devido processo legal substancial e ao princípio da culpabilidade.

A denúncia, portanto, é inepta, pois parte de uma premissa fática e jurídica comprovadamente falsa: a de que o Paciente agiu com plena consciência e vontade. A ausência de um elemento basilar do crime – a culpabilidade – impõe o trancamento da ação penal por meio deste Habeas Corpus, medida excepcional, mas plenamente cabível quando a ausência de justa causa é flagrante, como no presente caso.

II.II - DA ILEGALIDADE DA PROVA E DA ACUSAÇÃO: A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUIT OF THE POISONOUS TREE)

A acusação contra o Paciente é fruto de uma ilegalidade. Ela nasceu de uma situação de tortura, de uma violação primária de direitos fundamentais. A suposta "ameaça" e "desacato" foram reações diretas e imediatas à agressão injusta e desproporcional dos agentes estatais.

A doutrina e a jurisprudência, inspiradas na teoria norte-americana dos "frutos da árvore envenenada", são claras: as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo, contaminando todas as que delas derivarem (art. 5º, LVI, CF e art. 157, CPP).

No presente caso, a "árvore" é o ato de tortura perpetrado pelos agentes estatais. Os "frutos" são os depoimentos desses mesmos agentes, que, para se eximirem de sua responsabilidade criminal, imputaram ao Paciente a prática de crimes menores. Aceitar essa denúncia é legitimar a tortura como método de obtenção de prova e de silenciamento.

A omissão do Estado em investigar as graves denúncias de tortura, ignorando as petições do Paciente e as evidências materiais (filmagens), agrava a situação e reforça a contaminação de todo o processo. O laudo pericial de lesão corporal (fls. 262-263), que atestou ausência de lesões, não invalida a tortura, pois métodos como asfixia e uso de agentes químicos, como o spray de pimenta, muitas vezes não deixam vestígios externos.

Portanto, a ação penal deve ser trancada, pois se baseia em provas ilícitas por derivação, originadas em um contexto de flagrante violação aos direitos humanos.

CAPÍTULO III - DA MANIFESTA ILEGALIDADE DE EVENTUAL DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA

Ainda que se pudessem superar as nulidades absolutas acima demonstradas, o que se admite apenas para argumentar, a decretação de uma prisão preventiva contra o Paciente seria uma medida teratológica, desproporcional e absolutamente ilegal.

III.I - Da Ausência Total dos Requisitos do Art. 312 do Código de Processo Penal

A prisão cautelar é a ultima ratio do sistema processual penal. Sua decretação exige a demonstração concreta e individualizada dos seus requisitos, o que não ocorre no presente caso:

  1. Garantia da Ordem Pública: Os crimes imputados (ameaça e desacato), embora reprováveis, não possuem a gravidade concreta e o potencial de abalo social que justifiquem o encarceramento preventivo. Não há nos autos qualquer elemento que indique que o Paciente, em liberdade, represente um risco à coletividade. Pelo contrário, quem representa risco são os agentes torturadores que permanecem impunes.
  2. Conveniência da Instrução Criminal: A alegação de que o Paciente poderia interferir na instrução é fantasiosa. As testemunhas de acusação são os próprios agentes estatais. A liberdade do Paciente é, na verdade, essencial para que ele possa exercer sua ampla defesa e buscar provas de sua inocência e da violência que sofreu.
  3. Garantia da Aplicação da Lei Penal: O Paciente, apesar de ter se evadido por fundado temor de novas agressões, possui endereços conhecidos e demonstrou, ao peticionar a diversas instâncias, a intenção de se submeter à justiça, desde que seus direitos sejam minimamente respeitados. A mera possibilidade de fuga não pode, por si só, fundamentar a prisão.

III.II - Da Violação ao Princípio da Homogeneidade e da Proporcionalidade

A prisão preventiva, neste caso, seria flagrantemente desproporcional. A eventual pena a ser aplicada pelos crimes de ameaça e desacato, considerando a semi-imputabilidade do Paciente e as circunstâncias atenuantes, jamais resultaria em regime fechado.

Assim, a medida cautelar (prisão) seria infinitamente mais gravosa que a própria sanção final (provavelmente uma pena restritiva de direitos ou regime aberto). O princípio da homogeneidade veda essa inversão, que transforma a prisão processual em uma antecipação de pena sem o devido processo legal.

CAPÍTULO IV - DO DIREITO SUBJETIVO E INAFASTÁVEL À CELA ESPECIAL

Em caráter subsidiário, na remota e absurda hipótese de Vossa Excelência entender pela possibilidade de prisão do Paciente, é dever deste Tribunal assegurar um direito que a lei lhe confere de forma expressa e inequívoca: o recolhimento em cela especial.

Conforme documento idôneo juntado aos autos do processo de origem (fl. 703), o Paciente foi devidamente sorteado e convocado para atuar como jurado perante o Tribunal do Júri. O artigo 439 do Código de Processo Penal é categórico:

Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

A prerrogativa da prisão especial para quem exerceu a função de jurado não é um favor, mas um direito subjetivo, uma garantia legal que visa proteger o cidadão que prestou um serviço relevante à Justiça. A jurisprudência pátria, inclusive desta Corte, interpreta que a simples convocação e inclusão na lista oficial de jurados já confere tal direito, pois o cidadão esteve à disposição do Poder Judiciário.

Qualquer ordem de prisão que desconsidere essa prerrogativa legal estará eivada de manifesta ilegalidade e deverá ser imediatamente corrigida. O Estado não pode, ao mesmo tempo, convocar o cidadão para julgar seus pares e, em seguida, negar-lhe uma garantia que a própria lei processual estabelece como contrapartida a esse múnus público.

CAPÍTULO V - DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, é medida de extrema urgência e necessidade para evitar um dano irreparável. Estão presentes, de forma cristalina, os dois requisitos autorizadores:

  • Fumus Boni Iuris (Fumaça do Bom Direito): A plausibilidade do direito do Paciente é evidente. A ação penal de origem está viciada por nulidades absolutas (ausência de culpabilidade, prova ilícita), e a eventual prisão preventiva seria ilegal por ausência de requisitos e desproporcionalidade. O direito ao trancamento da ação é manifesto.
  • Periculum in Mora (Perigo na Demora): O perigo na demora é a própria ameaça de prisão. A liberdade de um indivíduo, especialmente em um contexto de perseguição estatal e violação de direitos, é o bem jurídico mais precioso a ser tutelado. A espera pelo julgamento de mérito pode resultar na consumação do constrangimento ilegal.

Diante disso, requer-se, em sede liminar, a expedição de SALVO-CONDUTO em favor de JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, para que ele não seja preso em decorrência do processo nº 0206006-67.2023.8.06.0300, até o julgamento final do presente Habeas Corpus.

CAPÍTULO VI - DOS PEDIDOS FINAIS

Ante todo o vasto e detalhado exposto, e com o mais profundo respeito à autoridade desta Colenda Corte, o Paciente, por seu advogado, requer:

  1. A concessão da MEDIDA LIMINAR, inaudita altera pars, para determinar a imediata expedição de SALVO-CONDUTO em favor de JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, sustando qualquer ordem de prisão que venha a ser expedida pelo Juízo da Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE, nos autos do processo nº 0206006-67.2023.8.06.0300, até o julgamento de mérito deste writ;
  2. No mérito, seja concedida a ordem de HABEAS CORPUS para, em sua máxima extensão: a. Primordialmente, determinar o TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL nº 0206006-67.2023.8.06.0300, por manifesta e flagrante ausência de justa causa, em razão da atipicidade da conduta pela inimputabilidade/semi-imputabilidade do agente, da ilegalidade da prova originada em contexto de tortura (frutos da árvore envenenada) e da inépcia da denúncia; b. Subsidiariamente, caso não seja este o entendimento, que se reconheça a ausência total dos requisitos do art. 312 do CPP e a violação ao princípio da homogeneidade, garantindo ao Paciente o direito de responder ao processo em plena liberdade, confirmando-se a liminar; c. Em último e remoto caso, sendo mantida qualquer possibilidade de segregação, que se ASSEGURE E DETERMINE O CUMPRIMENTO DO DIREITO do Paciente ao recolhimento em CELA ESPECIAL, nos termos do art. 439 do CPP, expedindo-se o competente alvará de remoção caso ele seja localizado e detido em local que não observe essa prerrogativa.
  3. A requisição de informações pormenorizadas à autoridade coatora, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, e ao Juízo de primeiro grau.
  4. A intimação do Ministério Público Federal para, querendo, apresentar seu douto parecer.

Pugna-se, por fim, que este Superior Tribunal de Justiça, fiel à sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal e de proteger os direitos do cidadão, faça cessar o gravíssimo constrangimento ilegal a que está submetido o Paciente.


Nestes termos, com os documentos que acompanham a presente, Pede e espera deferimento.


Brasília/DF, 29 de junho de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO