EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RIBEIRO DANTAS, RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 954.477/CE, EGRÉGIA QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Processo nº: HC 954.477/CE (2024/0396292-8)
Paciente/Requerente: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Impetrado: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ
Assunto: PETIÇÃO INCIDENTAL DE URGÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. OMISSÃO JUDICIAL FRENTE A GRAVES DENÚNCIAS DE TORTURA. IMPRESCRITIBILIDADE DO CRIME. PEDIDO DE IMEDIATA PROVIDÊNCIA E DISSOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, com o máximo respeito, perante Vossa Excelência, por meio desta petição, suplicar por providências urgentes e por uma decisão definitiva que ponha termo à inércia estatal frente às gravíssimas alegações de tortura, com fundamento nos seguintes fatos e razões de direito:
I. DA SÍNTESE PROCESSUAL E DA PERSISTÊNCIA DA ILEGALIDADE
O presente Habeas Corpus, impetrado em 18 de outubro de 2024, narrou com riqueza de detalhes uma série de atos de tortura sistemática, tratamentos cruéis e desumanos sofridos pelo Paciente na Penitenciária de Aquiraz/CE, entre junho e dezembro de 2023. Foram apontados agentes públicos específicos, datas, horários e locais, com destaque para o Agente Penitenciário RODOLFO RODRIGUES DE ARAUJO (CPF 034.160.793-29), e a suposta conivência de autoridades locais.
Contudo, este Egrégio Tribunal, em decisão monocrática de 25 de novembro de 2024 (e-STJ Fl. 25-26), mantida subsequentemente pela Colenda Quinta Turma, decidiu por não conhecer do writ. A fundamentação baseou-se, em suma, na (i) incompetência do STJ para determinar investigações e na (ii) ausência de um ato coator explícito por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).
Com a devida vênia, a situação fática e jurídica impõe uma nova reflexão. A decisão, ao se ater a uma análise estritamente formal, acabou por perpetuar a própria ilegalidade que se buscava combater. A omissão do Estado em investigar denúncias tão graves e detalhadas de tortura não é uma mera ausência de ato; é, em si, o ato coator por excelência, uma afronta direta e contínua à dignidade do Paciente e aos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
II. DA NATUREZA IMPRESCRITÍVEL DO CRIME DE TORTURA E O DEVER INDECLINÁVEL DE APURAÇÃO
O ponto fulcral que demanda a atenção imediata desta Corte é a natureza do delito em questão. A tortura não é um crime comum; é uma ofensa que atinge o cerne da dignidade humana, repudiada em absoluto pelo ordenamento jurídico pátrio e internacional.
- Mandamento Constitucional: O artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, é taxativo ao classificar a tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Essa proteção constitucional reforçada demonstra a repulsa do legislador constituinte a essa prática abominável.
- Legislação Infraconstitucional: A Lei nº 9.455/1997, que define os crimes de tortura, corrobora essa vedação, estabelecendo um regime jurídico mais severo para seus perpetradores. A jurisprudência pátria, consolidada no Supremo Tribunal Federal e neste próprio Superior Tribunal de Justiça, é pacífica ao reconhecer a imprescritibilidade do crime de tortura, como consectário lógico da sua gravidade e da proteção constitucional conferida.
- Direito Internacional dos Direitos Humanos: O Brasil é signatário de tratados internacionais que o obrigam a prevenir, investigar e punir a tortura, como a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (internalizada pelo Decreto nº 40/1991) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto nº 98.386/1989). Tais diplomas internacionais impõem ao Estado um dever ativo de persecução penal, que não se esvai com o tempo.
A imprescritibilidade não é um mero detalhe processual; ela significa que o dever do Estado de investigar, processar e punir os responsáveis jamais cessa. O tempo não pode servir de escudo para a impunidade. A decisão que arquiva ou se nega a dar prosseguimento a uma denúncia de tortura sob argumentos formais, na prática, contraria essa natureza perpétua de persecução.
III. DA OMISSÃO JUDICIAL COMO ATO COATOR E DA NECESSÁRIA DISSOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA
A decisão recorrida afirmou não haver "ato coator explícito" do TJCE. Ora, Excelência, a inércia deliberada do Tribunal de origem, mesmo após ser formalmente notificado por telegramas (códigos MG005933052BR e MG004932356BR) e diante de denúncias que apontavam provas materiais (filmagens das câmeras de segurança), é a mais eloquente forma de coação. É uma coação por omissão, que permite a continuidade da violação e a possível destruição de provas essenciais para a elucidação dos fatos.
Quando um órgão do Judiciário, provocado a agir em face de uma denúncia de tortura – crime imprescritível –, se recusa a tomar qualquer medida, ele falha em seu dever fundamental de guardião dos direitos e garantias constitucionais. Essa falha transforma-se em um ato coator que este Superior Tribunal de Justiça tem não apenas a competência, mas o dever de sanar.
Não se pede que o STJ realize a investigação, mas que cumpra seu papel de Tribunal da Cidadania, determinando que o órgão competente o faça. Pede-se que esta Corte reconheça a flagrante ilegalidade na omissão do TJCE e ordene a imediata instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público do Estado do Ceará e pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), com as seguintes determinações expressas:
- Preservação Imediata de Provas: Que seja determinado à Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará a imediata preservação de todas as gravações do circuito interno de segurança da Penitenciária de Aquiraz, relativas aos dias 22/08/2023, 16/09/2023, 13/10/2023, 19/10/2023 (especialmente entre 7h e 12h, na enfermaria) e 26/10/2023.
- Apuração Rigorosa: Que a investigação seja conduzida com a devida seriedade, ouvindo-se o Paciente, as testemunhas e os agentes públicos mencionados, garantindo-se a proteção dos envolvidos contra retaliações.
IV. DO PEDIDO
Ante o exposto, e diante da urgência que o caso requer para evitar a consolidação da impunidade e a perda de provas irrecuperáveis, requer-se a Vossa Excelência:
a) A RECONSIDERAÇÃO da decisão que não conheceu do Habeas Corpus, para que, superando os óbices formais, seja analisado o mérito da impetração, reconhecendo-se a gravidade e a imprescritibilidade das denúncias de tortura.
b) Subsidiariamente, que a presente petição seja recebida como um PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS URGENTES, para DISSOLVER A CONTROVÉRSIA sobre a inércia estatal, determinando-se, de ofício e com a máxima urgência, ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ e à CONTROLADORIA GERAL DE DISCIPLINA DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PENITENCIÁRIO DO CEARÁ, a imediata instauração de procedimento investigatório para apurar os fatos narrados, com a expressa ordem de preservação das provas materiais (filmagens), sob pena de responsabilidade.
c) Que seja dada ciência desta petição à Defensoria Pública do Estado do Ceará e ao Ministério Público Federal para acompanhamento.
A tortura é a negação do direito. Deixar de apurá-la é compactuar com a barbárie. Confia-se na sensibilidade e no compromisso desta Egrégia Corte com os direitos humanos para que a justiça, neste caso, não seja mais uma vítima da inércia.
Nestes termos, Pede e espera deferimento.
Brasília/DF, 29 de junho de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO