RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Processo de Origem (STJ): Habeas Corpus nº 1000898/DF (2025/0155919-0) Recorrente: Joaquim Pedro de Morais Filho (em causa própria) Pacientes: Todos os assistidos da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (...) writ visava a suspender, liminarmente, a anunciada implementação de um sistema de Inteligência Artificial (IA) para a elaboração de peças processuais e resumos de autos, sem a devida comprovação de salvaguardas que garantissem a supervisão humana qualificada

domingo, 29 de junho de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Processo de Origem (STJ): Habeas Corpus nº 1000898/DF (2025/0155919-0) Recorrente: Joaquim Pedro de Morais Filho (em causa própria) Pacientes: Todos os assistidos da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso Recorrido: v. Acórdão da Colenda Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça

RAZÕES DE RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS

Egrégio Supremo Tribunal Federal, Colenda Turma, Douta Procuradoria-Geral da República,

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, com o devido respeito e acatamento, perante Vossas Excelências, na qualidade de cidadão e impetrante, não se conformando, data maxima venia, com o v. acórdão proferido pela Colenda Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao Agravo Regimental e majorou a sanção por litigância de má-fé, interpor o presente

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS

com fundamento no art. 102, inciso II, alínea "a", da Constituição da República Federativa do Brasil, e nos arts. 30 e seguintes da Lei nº 8.038/1990, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

I. DA TEMPESTIVIDADE

O v. acórdão recorrido foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico em 25 de junho de 2025. Consoante o art. 310 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o prazo para a interposição do presente recurso é de 5 (cinco) dias. Sendo hoje, 28 de junho de 2025, o recurso é manifestamente tempestivo.

II. SÍNTESE PROCESSUAL

O recorrente impetrou Habeas Corpus coletivo e preventivo perante o Superior Tribunal de Justiça, em favor de todos os assistidos da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso. O writ visava a suspender, liminarmente, a anunciada implementação de um sistema de Inteligência Artificial (IA) para a elaboração de peças processuais e resumos de autos, sem a devida comprovação de salvaguardas que garantissem a supervisão humana qualificada e a análise individualizada de cada caso.

A fundamentação do mandamus originário baseou-se na iminente e grave ameaça a direitos fundamentais de matriz constitucional, notadamente a ampla defesa (art. 5º, LV), o devido processo legal (art. 5º, LIV), a assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV) e a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), que seria aviltada pela automatização de uma defesa que deve ser, por excelência, técnica, individual e humanizada.

Contudo, a Presidência do STJ indeferiu liminarmente a petição, com dois argumentos centrais: a) a via do Habeas Corpus seria inadequada por não envolver risco direto e imediato à liberdade de locomoção; e b) a conduta do impetrante seria abusiva e de má-fé, em razão de impetrações anteriores. Tal decisão, além de aplicar multa ao recorrente, foi mantida em sede de Agravo Regimental, com a majoração da sanção pecuniária, em acórdão que constitui o objeto deste recurso.

O v. acórdão recorrido, ao invés de enfrentar a tese jurídica de fundo — a compatibilidade do uso de IA na advocacia essencial com as garantias constitucionais —, desviou o foco para a pessoa do impetrante, caracterizando seu ato como "atentatório à dignidade da justiça" e negando, na prática, a prestação jurisdicional sobre uma das mais relevantes questões jurídicas da atualidade.

III. DO CABIMENTO DO RECURSO E DO MÉRITO

O presente Recurso Ordinário é cabível para reverter decisão denegatória de Habeas Corpus proferida em única instância por Tribunal Superior, nos exatos termos do art. 102, II, "a", da Constituição. O mérito recursal reside na demonstração dos graves erros de julgamento e de procedimento do v. acórdão, que violaram diretamente garantias constitucionais do recorrente e dos pacientes.

A. ERRO IN JUDICANDO: VIOLAÇÃO AO ACESSO À JUSTIÇA E BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ (CF, ART. 5º, XXXV)

O v. acórdão recorrido incorre em grave erro de julgamento ao fundamentar a denegação da ordem e a punição do recorrente em um suposto "histórico" de demandas. A garantia do acesso à justiça, inscrita no art. 5º, XXXV, da CF ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), não pode ser mitigada ou suprimida com base em um juízo de valor sobre o histórico de litigiosidade de um cidadão.

Cada ação deve ser analisada por seus próprios méritos. No caso em tela, a petição inicial veiculava matéria de altíssima relevância e atualidade, qual seja, os limites éticos e constitucionais da automação na defesa de vulneráveis. Não se trata de "pedido teratológico" ou "brincadeira", mas de um questionamento legítimo que ecoa em debates acadêmicos e institucionais em todo o mundo.

A sanção por litigância de má-fé, prevista no Código de Processo Civil e aplicada subsidiariamente, exige a comprovação de dolo processual, de uma intenção deliberada de prejudicar a parte contrária ou o andamento do processo (art. 80, CPC). A simples propositura de ações, ainda que consideradas improcedentes, não configura, por si só, má-fé. Punir o cidadão por exercer seu direito de petição sobre uma matéria nova e complexa, como a IA no Direito, representa um perigoso precedente que intimida o controle social sobre o Poder Público.

Como leciona Nelson Nery Junior, a aplicação de penalidades por litigância de má-fé "não pode se dar de forma automática, mas, isto sim, dependendo da análise do caso concreto e da verificação do elemento subjetivo, a vontade de prejudicar" (Código de Processo Civil Comentado. 17ª ed. São Paulo: RT, 2018, p. 499). O acórdão recorrido presumiu o dolo, sem jamais analisar o mérito da questão posta, o que configura um claro erro de julgamento e uma violação direta ao direito de ação.

B. ERRO IN PROCEDENDO: NEGATIVA DE JURISDIÇÃO E A AMPLITUDE DO HABEAS CORPUS COLETIVO PARA A TUTELA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS (CF, ART. 93, IX)

O acórdão recorrido afirma a inadequação da via eleita, limitando o Habeas Corpus à tutela direta da liberdade de locomoção. Tal visão, além de anacrônica, ignora a evolução jurisprudencial desta Suprema Corte.

A questão central do writ não é a liberdade de locomoção de um indivíduo, mas a garantia mínima do sistema de defesa que, se comprometida, afeta a liberdade de locomoção de todos os assistidos pela Defensoria. Uma defesa técnica falha, automatizada e despersonalizada é a antessala da condenação injusta e da privação indevida da liberdade. A ameaça não é hipotética, mas concreta e sistêmica.

Este Pretório Excelso, no histórico julgamento do HC 143.641/SP (Rel. Min. Ricardo Lewandowski), admitiu o uso do Habeas Corpus coletivo para tutelar direitos de um grupo de pessoas em situação similar, reconhecendo que o remédio heroico pode e deve ser utilizado para corrigir ilegalidades estruturais que impactam direitos fundamentais, ainda que de forma mediata.

Ao se recusar a analisar o mérito sob o pretexto da inadequação da via, o STJ praticou uma negativa de jurisdição, violando o dever de fundamentação imposto pelo art. 93, IX, da CF. A decisão não enfrenta os argumentos sobre a violação à ampla defesa, limitando-se a uma análise superficial e formalista do cabimento do writ. Como já decidiu este STF, "Nega-se a jurisdição quando o tribunal, sem examinar o mérito da pretensão, não conhece de um recurso por razões de ordem puramente formal, que não subsistem" (AI 493.434-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso).

O erro de procedimento é manifesto: em vez de julgar a causa, julgou-se o autor e o instrumento.

C. ERRO IN JUDICANDO: A QUESTÃO DE FUNDO - O USO DA IA E A VIOLAÇÃO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA

Ainda que superados os óbices formais, o cerne do recurso reside na ilegalidade material da prática que se buscou coibir. A ampla defesa (art. 5º, LV, CF) não é um conceito meramente formal. Ela se desdobra em defesa técnica e autodefesa. A defesa técnica, para ser efetiva, exige uma atuação diligente, individualizada e estratégica, incompatível com a padronização acrítica proposta pelo uso de IA para "elaborar modelos de petições e realizar resumos processuais".

O Conselho Nacional de Justiça, pela Resolução nº 332/2020, estabelece diretrizes para o uso da IA no Poder Judiciário, exigindo, entre outros, o "uso da tecnologia de IA como uma ferramenta de apoio ao trabalho humano" e a garantia da "supervisão humana". O ato da Defensoria Pública do Mato Grosso, conforme noticiado, não oferece garantias de que essa supervisão será efetiva, especialmente diante do cenário de "alta demanda" e "déficit de defensores" que a própria instituição admite.

A confiança em um resumo processual gerado por IA, sem a leitura atenta de todas as peças pelo defensor, pode levar à omissão de detalhes cruciais, nulidades não arguidas e teses defensivas não exploradas. Nas palavras do mestre Aury Lopes Jr., "a defesa técnica é indisponível e irrenunciável, devendo ser plena e efetiva" (Direito Processual Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 112). Uma defesa baseada em algoritmos, sem a sensibilidade e a análise crítica de um profissional, jamais poderá ser considerada "plena e efetiva".

A decisão do STJ, ao se furtar a este debate, permite a consolidação de uma prática que pode precarizar ainda mais a defesa da população mais vulnerável, em flagrante violação ao espírito da Constituição.

IV. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, o recorrente pugna para que este Egrégio Supremo Tribunal Federal:

CONHEÇA e dê PROVIMENTO ao presente Recurso Ordinário em Habeas Corpus;

REFORME INTEGRALMENTE o v. acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça para, superando os óbices formais, reconhecer a violação ao direito de ação e a inadequada aplicação da sanção por litigância de má-fé;

ANULE a multa imposta ao recorrente, por sua manifesta ilegalidade e desproporcionalidade, e por configurar inadmissível coibição ao exercício do direito fundamental de acesso à justiça;

Determine, por fim, o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que a Colenda Sexta Turma proceda a um novo julgamento, desta vez analisando o mérito do Habeas Corpus originário, a fim de decidir sobre a legalidade e constitucionalidade do uso de Inteligência Artificial pela Defensoria Pública nos moldes anunciados, garantindo a devida prestação jurisdicional.

Nestes termos, Pede e espera deferimento.

Cuiabá, 28 de junho de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho (Recorrente em Causa Própria)