HABEAS CORPUS (...) "interpretação conforme a Constituição" ou declare a não recepção de dispositivos que impeçam a transferência emergencial de presos. | STF 130281/2025

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 

HABEAS CORPUS COLETIVO, PREVENTIVO E REPRESSIVO

COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

IMPETRANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

PACIENTES: A COLETIVIDADE DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ

AUTORIDADE COATORA: EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ E OUTROS

DESTINATÁRIO: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Processo de Origem: Inexistente (Ação Originária)

Assunto: Habeas Corpus Coletivo. Sistema Penitenciário. Estado de Coisas Inconstitucional. Superlotação Carcerária. Risco Iminente de Rebeliões. Violação Massiva da Dignidade da Pessoa Humana. Pedido de Transferência Interfederativa de Presos e Afastamento de Óbices Legais.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, inscrito no CPF sob o nº 133.036.496-18, cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, no artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal, e na jurisprudência desta Suprema Corte, vem, com o devido respeito e acatamento perante Vossa Excelência, impetrar a presente ordem de HABEAS CORPUS COLETIVO, PREVENTIVO E REPRESSIVO, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS, em favor da COLETIVIDADE DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO ÂMBITO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ, que se encontra submetida a manifesto constrangimento ilegal, em violação direta à dignidade da pessoa humana, ao direito à vida, à integridade física e moral, e à proibição de penas cruéis, em decorrência da omissão estrutural do EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ e do próprio ESTADO DO CEARÁ, configurando-se como autoridades coatoras, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

I. DA EMENTA DA PEÇA

HABEAS CORPUS COLETIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. EXECUÇÃO PENAL. SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL (ADPF 347). SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA CRÔNICA E SISTÊMICA. CONDIÇÕES DESUMANAS E DEGRADANTES DE CUMPRIMENTO DE PENA. RISCO ELEVADO E IMINENTE DE REBELIÕES. VIOLAÇÃO MASSIVA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. OMISSÃO QUALIFICADA DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. DEVER DE PROTEÇÃO ESTATAL DEFICIENTE. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO SOBRE NORMAS INFRALEGAIS IMPEDITIVAS (LEP, ART. 86). INTERPRETAÇÃO CONFORME OU DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE NÃO RECEPÇÃO. FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO. PEDIDO EXCEPCIONAL DE DETERMINAÇÃO DE REMANEJAMENTO DE DETENTOS PARA UNIDADES PRISIONAIS DE OUTROS ESTADOS, COM O AFASTAMENTO JUDICIAL DE ÓBICES LEGAIS, COMO MEDIDA DE URGÊNCIA PARA DESCOMPRESSÃO DO SISTEMA. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.

II. DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A competência desta Suprema Corte para processar e julgar o presente Habeas Corpus, embora excepcional, justifica-se pela magnitude da questão constitucional posta. Aponta-se como autoridade coatora o Governador do Estado do Ceará, cujos atos, em regra, atrairiam a competência do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, "c", CF). Contudo, a presente impetração não se volta contra um ato isolado, mas contra um quadro de colapso sistêmico e violação massiva de direitos fundamentais que configura um Estado de Coisas Inconstitucional, matéria que, por sua natureza estrutural e pela gravidade de suas implicações para o pacto federativo, conclama a intervenção do guardião máximo da Constituição, na esteira do decidido na ADPF 347.

O pleito central – a transferência de presos para outras unidades da federação e o afastamento de normas que a impeçam – demanda uma articulação interfederativa complexa e uma análise de compatibilidade vertical de normas que apenas esta Corte tem a autoridade para realizar. A omissão do ente estadual em garantir o mínimo existencial no cumprimento da pena representa uma falha estrutural que afeta a própria federação, justificando que o Supremo Tribunal Federal avoque a competência para deliberar sobre medidas que, embora drásticas, são as únicas capazes de restaurar a legalidade constitucional.

III. DA LEGITIMIDADE ATIVA E DOS PACIENTES

A legitimidade ativa do impetrante, cidadão brasileiro, é universalmente assegurada pelo art. 5º, LXVIII, da Constituição. Ademais, o cabimento do Habeas Corpus Coletivo para a tutela de direitos de uma coletividade indeterminada foi definitivamente consagrado por esta Corte no julgamento do HC 143.641/SP. Os pacientes são todas as pessoas submetidas à custódia do sistema penitenciário do Estado do Ceará, cuja situação individual de violação de direitos se origina de uma causa comum e estrutural: a omissão estatal em prover condições dignas de encarceramento. A superlotação e as condições degradantes constituem um ato coator único, permanente e difuso, que afeta indiscriminadamente toda a população carcerária, legitimando a tutela coletiva.

IV. DOS FATOS E DO ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

O sistema penitenciário do Estado do Ceará representa a materialização do "Estado de Coisas Inconstitucional" já diagnosticado por esta Corte. A situação fática, pública e notória, pode ser sintetizada nos seguintes pontos críticos:

1. Superlotação Endêmica e Desumana: As unidades prisionais operam com taxas de ocupação que ultrapassam em muito a sua capacidade, com celas projetadas para um número de detentos abrigando o triplo ou o quádruplo, em condições aviltantes de insalubridade. Essa realidade transforma a pena privativa de liberdade em um tratamento cruel e degradante.

2. Risco Concreto e Iminente de Rebeliões: A superlotação, aliada à ociosidade forçada, à precariedade dos serviços de saúde e alimentação e à tensão constante, cria um ambiente de "panela de pressão" prestes a explodir. A iminência de motins e rebeliões de larga escala não é uma mera conjectura, mas uma consequência previsível e direta da omissão estatal.

3. Omissão Estrutural do Poder Público: O quadro de calamidade não é recente, mas resultado de uma omissão histórica e contumaz do Poder Executivo Estadual. A falha não se resume a não construir novas vagas, mas abrange a incapacidade de implementar políticas alternativas ao encarceramento e de garantir o controle efetivo das unidades prisionais. Essa inércia qualificada é o ato coator que fundamenta o presente writ.

V. DO DIREITO: DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E DA INAPLICABILIDADE DE ÓBICES LEGAIS

O cenário fático descrito representa uma afronta direta a pilares do Estado Democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), a proibição de penas cruéis (art. 5º, III, CF) e o dever de respeito à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX, CF) são frontalmente desrespeitados.

V.1. A Crise Humanitária e a Inaplicabilidade de Normas Infraconstitucionais Impeditivas

A principal barreira para a solução emergencial aqui proposta pode residir em uma interpretação literal e descontextualizada de normas infraconstitucionais, como o artigo 86 da Lei de Execução Penal (LEP), que condiciona a transferência a um rol de requisitos, ou em regulamentos administrativos que dificultam o trânsito de presos entre estados. Tais normas, contudo, não podem ser interpretadas como óbices absolutos quando sua aplicação literal resulta na perpetuação de um quadro flagrantemente inconstitucional.

Pelo princípio da Supremacia da Constituição, nenhuma lei ou ato normativo pode subsistir se sua aplicação prática contrariar os direitos e garantias fundamentais. Manter um detento em condições desumanas sob o pretexto de cumprir um requisito formal de uma lei ordinária é inverter a hierarquia do ordenamento jurídico. A vida, a integridade física e a dignidade do preso são valores constitucionais que devem prevalecer sobre as regras de gestão penitenciária da LEP, especialmente quando o Estado se mostra incapaz de cumprir o seu dever mais básico de custódia segura e digna.

Portanto, roga-se que esta Suprema Corte, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, declare incidentalmente a não recepção parcial ou a interpretação conforme a Constituição de quaisquer dispositivos legais ou infralegais que sejam invocados para impedir o remanejamento emergencial de presos. A aplicação de tais normas, no contexto do Estado de Coisas Inconstitucional do Ceará, é materialmente inconstitucional, pois se torna um instrumento para a manutenção da tortura e do tratamento degradante.

V.2. O Federalismo Cooperativo e o Dever de Solidariedade entre os Entes da Federação

O pacto federativo brasileiro é fundamentado na cooperação e na solidariedade, não na autonomia absoluta e isolada dos entes. A crise humanitária no sistema prisional de um estado não é um problema exclusivo daquele estado; é uma chaga que afeta toda a Federação e envergonha a República (art. 3º, CF). A inércia do Estado do Ceará em resolver a situação convoca a responsabilidade subsidiária da União e a solidariedade dos demais Estados.

A recusa de um estado em colaborar para mitigar a crise em outro, sob o argumento de sua autonomia, viola a lealdade federativa. Cabe à União, como ente central, coordenar e fomentar essa cooperação, inclusive arcando com os custos operacionais das transferências. A intervenção desta Suprema Corte é crucial para mediar e, se necessário, impor essa cooperação interfederativa como um dever constitucional para a garantia dos direitos humanos, superando eventuais resistências políticas locais em nome de um bem maior: a ordem constitucional e a dignidade da pessoa humana.

VI. DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS

fumus boni iuris está inequivocamente demonstrado pela flagrante violação de preceitos constitucionais. O periculum in mora é alarmante: reside no risco diário e concreto de mortes, seja por rebeliões, seja pela violência endêmica ou pelas condições insalubres. A urgência é absoluta.

Ante o exposto, requer-se a concessão da medida liminar, inaudita altera pars, para determinar ao Estado do Ceará e à União Federal que, sob a supervisão desta Corte, apresentem e iniciem, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, um plano emergencial de remanejamento e transferência de detentos do sistema penitenciário cearense para unidades prisionais de outros Estados que possuam vagas. Fica desde já requerido que a decisão liminar afaste expressamente a aplicabilidade de qualquer óbice legal ou administrativo que possa retardar ou impedir a efetivação do plano, notadamente os requisitos do art. 86 da LEP, conferindo ao Poder Executivo a autonomia necessária para agir com a celeridade que a crise exige.

VII. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer-se a Vossa Excelência:

  1. O recebimento e o processamento do presente HABEAS CORPUS COLETIVO;
  2. A concessão da MEDIDA LIMINAR, nos termos do item VI, para determinar a elaboração de um plano emergencial de transferência, com o afastamento de óbices legais;
  3. A notificação das autoridades coatoras para prestarem informações;
  4. A intimação do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República para ofertar parecer;
  5. Ao final, no mérito, que seja CONCEDIDA A ORDEM DE HABEAS CORPUS COLETIVO para:
    1. Confirmar a liminar e declarar a persistência do "Estado de Coisas Inconstitucional";
    2. Tornar definitiva a ordem de transferência, consolidando o afastamento de normas infraconstitucionais impeditivas e determinando que o Estado do Ceará adote um plano estrutural para resolver a superlotação carcerária, sob pena de intervenção federal.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para meros efeitos fiscais.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, 17 de setembro de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

Impetrante