Pedido de Decretação de Estado de Emergência na Segurança Pública e Afastamento Cautelar de Governador de Estado do Ceará | STF 130251/2025

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

 

HABEAS CORPUS COLETIVO, PREVENTIVO E REPRESSIVO

COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

IMPETRANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

PACIENTES: TODA A POPULAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ

AUTORIDADE COATORA: EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ E OUTROS

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL



Processo de Origem: Inexistente (Ação Originária)

Assunto: Habeas Corpus Coletivo. Segurança Pública. Omissão Estatal. Risco Iminente à Liberdade de Locomoção e à Vida. Pedido de Decretação de Estado de Emergência na Segurança Pública e Afastamento Cautelar de Governador de Estado.



JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, inscrito no CPF sob o nº 133.036.496-18, cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, no artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal, e no artigo 192 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, vem, com o devido respeito e acatamento perante Vossa Excelência, impetrar a presente ordem de

HABEAS CORPUS COLETIVO, PREVENTIVO E REPRESSIVO,

COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS,

em favor de TODA A POPULAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ, indiscriminadamente, que se encontra em situação de manifesto e iminente risco em seu direito de ir, vir e permanecer, bem como em seus direitos fundamentais à vida, à segurança e à integridade física, em decorrência de atos omissivos e comissivos que configuram constrangimento ilegal por parte do EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ, com sede funcional no Palácio da Abolição, Fortaleza-CE, e, por extensão, do próprio ESTADO DO CEARÁ, pessoa jurídica de direito público interno, a ser notificado na pessoa de seu Procurador-Geral, configurando-se como autoridades coatoras, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

I. DA EMENTA DA PEÇA

HABEAS CORPUS COLETIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 144 DA CF. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ. GUERRA ENTRE FACÇÕES CRIMINOSAS. VIOLÊNCIA GENERALIZADA E ESCALADA DO TERROR. OMISSÃO ESTRUTURAL E QUALIFICADA DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. DEVER DE PROTEÇÃO ESTATAL DEFICIENTE. RISCO CONCRETO, ATUAL E IMINENTE À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO (AMBULATÓRIA E PERMANÊNCIA) E À VIDA DE TODA A POPULAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CIDADÃO PARA IMPETRAÇÃO. ART. 5º, LXVIII, DA CF. CABIMENTO DO WRIT PARA TUTELAR DIREITOS FUNDAMENTAIS AMEAÇADOS POR OMISSÃO ESTATAL. PRECEDENTES DO STF. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE ESTADO DE EMERGÊNCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA. MEDIDA EXCEPCIONAL PARA RESTAURAÇÃO DA ORDEM. AFASTAMENTO CAUTELAR DO GOVERNADOR DO ESTADO POR DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE GARANTIR A SEGURANÇA. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR PARA CESSAR O CONSTRANGIMENTO ILEGAL E A AMEAÇA IMEDIATA.

II. DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A competência desta Suprema Corte para processar e julgar o presente Habeas Corpus encontra amparo no artigo 102, inciso I, alínea "i", da Constituição Federal, que estabelece competir ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, "o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância".

No caso em tela, aponta-se como principal autoridade coatora o Governador do Estado do Ceará. Conforme entendimento pacificado nesta Corte, os atos de Governador de Estado, quando questionados em sede de Habeas Corpus, atraem a competência do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, "c", CF). Contudo, a presente impetração transcende a análise de um simples ato de gestão. O que se alega é a falência sistêmica do aparato de segurança pública, uma omissão que resulta na violação massiva de direitos fundamentais de toda uma coletividade, configurando um verdadeiro "Estado de Coisas Inconstitucional", matéria que, por sua gravidade e magnitude, conclama a intervenção do guardião máximo da Constituição.

A petição não se volta contra um ato específico de constrangimento à liberdade, mas sim contra um quadro de anomia e caos social derivado da omissão do Chefe do Poder Executivo Estadual. A situação fática, como se demonstrará, assemelha-se àquelas que ensejaram a decretação de intervenção federal, cuja competência para processar e julgar o respectivo pedido é desta Suprema Corte (art. 36, § 1º, da CF). O pedido de "Estado de Emergência" é um pleito que, embora não se confunda com a intervenção, exige a mesma análise macro sobre a capacidade do ente federado em manter a ordem e garantir direitos.

Ademais, o pedido de afastamento de um Governador de Estado, ainda que cautelar, é medida de extrema gravidade que impacta o pacto federativo. A análise de tal pleito, quando fundamentado na quebra da ordem constitucional por omissão na garantia de direitos fundamentais, deve ser feita pela Corte com a atribuição de zelar pelo equilíbrio federativo e pela supremacia da Constituição. Portanto, por simetria e pela magnitude das questões constitucionais envolvidas, roga-se pelo reconhecimento da competência originária do Supremo Tribunal Federal.

III. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO IMPETRANTE

O artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". O inciso LXXVII do mesmo artigo, por sua vez, complementa ao dispor que "são gratuitas as ações de 'habeas corpus' e 'habeas data', e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania".

A Constituição Cidadã, de forma expressa, universalizou a legitimidade para a impetração do Habeas Corpus. Qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, independentemente de sua capacidade civil ou de ser advogado, pode manejar o remédio heroico. Trata-se da mais democrática e acessível das ações constitucionais, um verdadeiro instrumento de cidadania.

O impetrante, JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, na sua condição de cidadão brasileiro, residente e domiciliado em território nacional e, portanto, sujeito às leis e ao poder de império do Estado, sente-se diretamente atingido pela situação de insegurança que assola o Estado do Ceará. A ameaça à sua liberdade de locomoção, à sua vida e à sua integridade não é uma mera abstração, mas uma realidade palpável que o afeta como membro da coletividade.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, em diversas ocasiões, o manejo de Habeas Corpus Coletivo (paradigma no HC 143.641/SP) para a tutela de direitos individuais homogêneos de um grupo ou de uma coletividade indeterminada de pessoas, quando há um ato coator único que atinge a todos. No presente caso, a omissão do Estado do Ceará e de seu Governador é o ato coator único que projeta seus efeitos nefastos sobre toda a população, ameaçando o direito à locomoção e à própria vida de cada cidadão cearense.

Portanto, o impetrante é parte manifestamente legítima para figurar no polo ativo desta ação, seja por sua condição universal de cidadão, seja na qualidade de substituto processual de toda a coletividade cearense, cujos direitos mais básicos se encontram sob grave e iminente ameaça.

IV. DOS PACIENTES - A COLETIVIDADE SOB COAÇÃO AMBIENTAL

Os pacientes da presente ordem coletiva de Habeas Corpus são, em sua acepção mais ampla, TODA A POPULAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ. Não se trata de uma mera soma de indivíduos, mas do próprio corpo social cearense – composto por milhões de crianças, jovens, adultos e idosos – que, em sua totalidade, sofre os efeitos de uma coação ambiental difusa e permanente, a qual suprime materialmente a sua liberdade fundamental de locomoção e agride a sua dignidade.

A liberdade de locomoção, tutelada pelo remédio heroico, não pode ser interpretada sob uma ótica restritiva, limitada apenas à sua dimensão negativa (libertas a coactione), qual seja, o direito de não sofrer prisão ou constrangimento físico direto e ilegal. A exegese constitucional moderna impõe o reconhecimento de sua dimensão positiva (libertas ad actionem), que se traduz no direito fundamental de ir, vir e permanecer nos espaços públicos e privados com segurança. Essa dimensão positiva gera para o Estado um dever de proteção (Schutzpflicht), uma obrigação indeclinável de criar e manter as condições fáticas para que a liberdade possa ser efetivamente exercida.

A omissão do poder público cearense, ao falhar em seu dever de garantir a segurança, transmuta-se em um ato coator de natureza permanente. A coação não emana de um agente estatal específico que detém um cidadão, mas do próprio ambiente de anomia e terror instalado. Trata-se de uma coação ambiental, onde o medo generalizado e o risco concreto de violência impõem barreiras invisíveis, porém intransponíveis, à liberdade de todos. O cidadão é coagido a se autoencarcerar em sua residência, a evitar trajetos, a declinar de compromissos sociais, laborais e educacionais. A liberdade, nesse contexto, torna-se uma mera formalidade jurídica, desprovida de qualquer substrato fático.

Ademais, a liberdade de locomoção constitui um direito-meio, um pressuposto para o exercício de inúmeros outros direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, à educação, à saúde, ao lazer e à própria participação na vida política. Ao ser neutralizada pelo estado de insegurança endêmica, a liberdade de ir e vir provoca um efeito cascata de violações, atrofiando o exercício da cidadania e corrompendo as bases do Estado Democrático de Direito. O "toque de recolher" imposto pelo poder paralelo, e tolerado pela inércia estatal, é a mais cruel manifestação da falência do monopólio da força pelo Estado e da transferência de soberania sobre os territórios, aviltando a condição de cada cidadão a de um refém em potencial.

Portanto, cada pessoa que vive ou transita no Ceará é um paciente em potencial e atual estado de ameaça, submetido a um constrangimento ilegal que, embora não se materialize necessariamente em uma prisão formal, é igualmente ou mais gravoso, pois aprisiona a coletividade em uma teia de medo e incerteza, justificando plenamente a tutela jurisdicional por meio do presente writ coletivo.

V. DOS FATOS - A RUPTURA DA ORDEM PÚBLICA E A OMISSÃO ESTRUTURAL DO ESTADO

A narrativa fática que se segue não descreve uma mera crise de segurança pública, mas sim a crônica de uma falência institucional e a capitulação do poder estatal perante atores não-estatais armados. O Estado do Ceará, por omissão estrutural e qualificada de seus gestores, deixou de ser o detentor do monopólio da força legítima em vastas porções de seu território, submetendo a população, paciente deste writ, a um estado de beligerância fática e a uma diuturna violação de seus direitos mais elementares.

V.1. Da Eclosão de um Conflito Armado Urbano e a Usurpação da Soberania Estatal

Os documentos colacionados aos autos, extraídos de fontes públicas e notórias, evidenciam que a criminalidade no Ceará transcendeu a delinquência comum para assumir a forma de organizações paramilitares com estrutura hierárquica, capacidade bélica, domínio territorial e, mais grave, a audácia de declarar guerra e ditar a ordem social. O documento intitulado "Facções se unem ao TCP para aniquilar CV do Ceará: 'Raça imunda'", datado de 17 de setembro de 2025, não é uma simples notícia, mas o registro de um ultimato, um manifesto de guerra civil de baixa intensidade.

A aliança formalizada entre múltiplas facções criminosas com o objetivo explícito de "dizimar" e "eliminar" um grupo rival não se trata de um ato de banditismo, mas de uma operação militar coordenada. A linguagem empregada – "eliminar essa raça imunda", "clarear o céu do Ceará" – e a subsequente celebração com uma "IMENSA QUEIMA DE FOGOS" por toda a capital, conforme noticiado, constituem atos de soberania paralela. São demonstrações de poder que visam não apenas intimidar rivais, mas, principalmente, humilhar o Estado, demarcar a sua ausência e afirmar perante a população quem de fato exerce o poder em determinados territórios.

Essa usurpação materializa-se na imposição de "toques de recolher", na expulsão de moradores de suas residências, na cobrança de "taxas de proteção" do comércio e na exigência de autorização para o trânsito de pessoas. Tais atos configuram a suspensão fática de garantias constitucionais, imposta por um poder ilegítimo, mas tolerada pela inércia da autoridade coatora, que falha em cumprir seu dever fundamental de garantidor da ordem (Garantenstellung).

V.2. O Sistema Penitenciário como Quartel-General do Crime e a Confissão de Falência do Estado

A falência do poder público torna-se irrefutável quando o próprio aparato que deveria coibir o crime se converte em seu centro de comando. O sistema penitenciário cearense, sob a responsabilidade direta do Poder Executivo Estadual, deixou de ser um instrumento de execução penal para se tornar um catalisador da violência extramuros. A notícia de que "Visitas a presos faccionados estão suspensas temporariamente em 6 presídios do CE" é a mais explícita confissão de incompetência e perda de controle.

A justificativa oficial da Secretaria da Administração Penitenciária, de que a medida visa "coibir as 'reiteradas tentativas' de rebelião", é, em si, uma prova da anomia. A reiteração de motins evidencia que a autoridade estatal é rotineiramente desafiada e desrespeitada. A suspensão de visitas é uma medida meramente paliativa, que ataca o sintoma e não a causa, e que reconhece tacitamente que o Estado não possui meios eficazes de inteligência e controle para impedir que as ordens para a guerra nas ruas emanem de dentro de suas próprias muralhas. É o Estado admitindo que os centros de detenção são, na verdade, centros de deliberação e comando do crime organizado.

V.3. Da Omissão Qualificada e sua Repercussão Causal no Constrangimento Coletivo

O estado de beligerância fática instalado no Ceará não é obra do acaso nem de força maior, mas o resultado direto e inequívoco de uma omissão estatal que, em sua análise jurídica, revela-se crônica, estrutural e qualificada. É crônica por sua persistência temporal, desafiando sucessivos alertas da mídia, da academia e da sociedade civil, sem que respostas minimamente proporcionais à escalada da crise fossem implementadas. A normalização do caos pela gestão pública transformou a exceção em regra.

É estrutural por não se tratar de falhas isoladas, mas do colapso sistêmico do aparato de segurança, evidenciado pela ausência de políticas de inteligência integradas, pela incapacidade de descapitalizar as organizações criminosas e pela falha em retomar o controle do sistema prisional. Essa falha estrutural demonstra a inépcia do Estado-Administração em se organizar para cumprir seu dever mais basilar.

Contudo, é na sua qualificação jurídica que a omissão se revela como o ato coator por excelência. A omissão do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado não é genérica; ela é qualificada pela sua posição de garante (Garantenstellung). Como Chefe do Poder Executivo e comandante supremo das forças policiais do Estado, a ele incumbe o dever jurídico específico, indelegável e cogente de assegurar a ordem pública e a incolumidade das pessoas, nos termos do art. 144 da Constituição Federal. Sua inação, portanto, não é mera discricionariedade política, mas a quebra de um dever de agir que equivale, em seus efeitos, a uma ação comissiva danosa.

A conduta da autoridade coatora, ao adotar políticas reconhecidamente ineficazes ou simplesmente se omitir diante da escalada do poderio fático das facções, atrai para si a responsabilidade pelo resultado. Essa conduta amolda-se, no mínimo, à culpa gravíssima, pela inobservância de um dever de cuidado que se impõe ao mais elementar administrador público. Contudo, a persistência na omissão, mesmo diante da previsibilidade manifesta e da notoriedade da carnificina iminente, tangencia o dolo eventual. Ao não agir de forma contundente e eficaz, o gestor público, embora não desejando diretamente o resultado, assume o risco de produzi-lo, demonstrando uma inaceitável indiferença para com a vida e a liberdade de seus governados.

Este quadro fático, portanto, ultrapassa a mera aferição de políticas públicas e adentra o campo do ilícito constitucional, em violação direta ao princípio da proibição da proteção deficiente (Untermassverbot), segundo o qual o Estado não apenas tem o dever de não violar direitos, mas também a obrigação de protegê-los ativamente contra agressões de terceiros. A omissão estatal estabelece o nexo de causalidade direto entre a inércia do poder público e a coação ambiental sofrida por toda a população do Ceará, legitimando a intervenção deste Supremo Tribunal Federal para cessar a ilegalidade e restaurar a ordem constitucional violada, garantindo o mínimo existencial em matéria de segurança e liberdade.

VI. DO DIREITO - A FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

VI.1. Do Cabimento do Habeas Corpus Coletivo para Tutela da Liberdade de Locomoção Ameaçada pela Omissão Estatal

Habeas Corpus é, por excelência, o remédio constitucional destinado a proteger a liberdade de locomoção. Conforme já assentado por esta Suprema Corte, seu alcance não se limita a reparar uma coação já efetivada (repressivo), mas também a prevenir que uma ameaça se concretize (preventivo). A ameaça, para ser amparável pelo writ, deve ser plausível, concreta e iminente, não bastando uma conjectura vaga.

No caso em tela, a ameaça é mais do que plausível: é uma certeza estatística e uma realidade cotidiana para os cidadãos cearenses. A "guerra" declarada entre facções não é um evento futuro e incerto; é uma carnificina em pleno curso, cujas vítimas são, em grande parte, inocentes apanhados no fogo cruzado ou executados como forma de intimidação. A liberdade de locomoção de todos está sob coação diária.

A jurisprudência deste Egrégio Tribunal evoluiu para reconhecer o cabimento do Habeas Corpus contra atos omissivos do Poder Público que resultem em violação à liberdade. A omissão estatal em garantir a segurança pública, quando atinge um nível de gravidade como o ora descrito, equivale a um ato de coação, pois aprisiona o cidadão em sua própria casa pelo medo, cerceando na prática seu direito de ir e vir.

O Ministro Celso de Mello, em julgado histórico, já afirmava que "a inércia do Estado em cumprir imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado" (ADPF 45). Embora o julgado se refira a outro instrumento, a lógica é a mesma: a omissão inconstitucional é um ato ilícito passível de correção judicial.

O leading case do HC 143.641/SP, que tratou da prisão preventiva de mulheres grávidas ou mães de crianças, firmou a tese do cabimento e da importância do Habeas Corpus Coletivo. O Ministro Ricardo Lewandowski, relator, destacou que o instrumento é essencial para a tutela de direitos de grupos vulneráveis diante de práticas estatais que, de forma sistêmica, violam a Constituição. A população de um estado, submetida a um estado de terror pela ineficiência estatal, é, sem dúvida, um grupo vulnerável cujos direitos estão sendo sistematicamente violados.

Assim, a omissão do Governador do Estado do Ceará em prover a segurança mínima necessária à vida em sociedade é o ato coator único e contínuo que legitima a presente impetração coletiva, visando salvaguardar a liberdade de locomoção e a vida de toda a população.

VI.2. Da Segurança Pública como Dever do Estado e Direito Fundamental - O Estado de Coisas Inconstitucional

A Constituição Federal é clara ao estabelecer, em seu artigo 144, que "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". Não se trata de uma mera faculdade, mas de um dever inafastável, uma obrigação de resultado.

Quando o Estado falha de maneira tão fragorosa em cumprir esse dever, a ponto de permitir que organizações criminosas imponham sua própria lei e declarem guerra em seu território, instala-se o que esta Corte denominou, no julgamento da ADPF 347 (sobre o sistema carcerário), de "Estado de Coisas Inconstitucional". Trata-se de um quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade de múltiplos órgãos estatais, exigindo do Judiciário uma postura mais ativa para induzir a superação do bloqueio institucional.

Os elementos que caracterizam o Estado de Coisas Inconstitucional, segundo o precedente, são: (i) violação massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas; (ii) prolongada omissão ou incapacidade das autoridades em superar as violações; e (iii) a necessidade de medidas estruturais a serem adotadas por diferentes órgãos, e não apenas a correção de uma ilegalidade pontual.

Todos esses elementos estão presentes na segurança pública do Ceará. A violação ao direito à vida, à segurança e à liberdade de locomoção é massiva. A omissão do governo estadual é prolongada e notória. E a superação dessa crise exige um conjunto complexo e estruturado de ações que vão muito além do policiamento ostensivo. Exige inteligência, investimento, desarticulação financeira das facções, políticas sociais nas áreas conflagradas e, acima de tudo, vontade política.

A omissão do Excelentíssimo Governador do Estado do Ceará não é apenas administrativa, é uma omissão que atenta contra a própria substância da Constituição. É um descumprimento do seu dever mais elementar como gestor público: proteger a vida e a segurança de seus governados.

VI.3. Das Medidas Judiciais de Urgência como Ultima Ratio para a Superação do Colapso Institucional

Diante da anomia fática e da paralisia dos Poderes constituídos no âmbito estadual, a intervenção do Poder Judiciário, notadamente de sua cúpula, deixa de ser uma opção para se tornar um dever indeclinável, fundado no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF) e no juramento de guarda da Constituição. Medidas ordinárias, recursais ou dialógicas já se provaram inócuas. É imperativo que esta Suprema Corte, como instância contramajoritária e última trincheira da cidadania, adote providências extraordinárias para a restauração da ordem constitucional violada.

O pedido de decretação de um "Estado de Emergência na Segurança Pública" não busca usurpar as competências dos institutos do Estado de Defesa ou de Sítio, mas sim invocar o poder geral de cautela deste Tribunal para a criação de um provimento judicial atípico, uma ferramenta processual-constitucional desenhada para dar efetividade à declaração do "Estado de Coisas Inconstitucional". Se a Corte tem a competência para diagnosticar a patologia constitucional, deve, por simetria, possuir os instrumentos terapêuticos para curá-la. Trata-se da aplicação direta do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, forçando o ente federado a superar a sua inércia paralisante.

Contudo, a experiência demonstra que a mera determinação judicial para a elaboração de planos, sem a remoção dos obstáculos que geraram a crise, resulta em crônico descumprimento. Neste cenário, a medida mais drástica – o afastamento cautelar e imediato do Governador do Estado – revela-se como conditio sine qua non para o sucesso de qualquer outra providência. A permanência da autoridade coatora no cargo representa um risco concreto ao resultado útil do processo. Sua comprovada incapacidade de gestão e sua responsabilidade direta pela omissão estrutural o convertem no principal foco de resistência à mudança e na personificação da falência institucional.

O afastamento aqui pleiteado não possui natureza de sanção penal ou de condenação por improbidade, mas sim de uma medida cautelar constitucional inominada, instrumental e assecuratória. Seu único propósito é remover o agente público cuja atuação (ou inação) impede a restauração da ordem e a eficácia da tutela jurisdicional. A previsão de medidas análogas em outros diplomas (art. 319, VI, do CPP; Lei 8.429/92) apenas corrobora a tese de que o afastamento de gestores é um instrumento legítimo do ordenamento para prevenir a continuidade de ilícitos e garantir a instrução processual – no caso, a instrução de um plano de recuperação da segurança.

Não se ignora a excepcionalidade da medida e suas implicações para o pacto federativo e a separação de Poderes. Contudo, tais princípios não podem ser invocados como um escudo para a barbárie ou como um salvo-conduto para a inépcia administrativa que custa vidas. O federalismo pressupõe responsabilidade. A omissão que resulta na perda da soberania estatal sobre o território e na submissão da população a um poder paralelo armado representa, em si, a mais grave quebra do pacto federativo, perpetrada pelo próprio ente estatal. A intervenção judicial, neste caso, não rompe o federalismo; ela atua para restabelecê-lo em suas bases mínimas de ordem e proteção de direitos.

A omissão que leva a um banho de sangue e à perda do monopólio da força pelo Estado é materialmente mais grave do que qualquer crime de responsabilidade formalmente tipificado. Manter no poder a autoridade que, por culpa manifesta ou dolo eventual, permitiu a instalação do caos, é condenar a população à perpetuação do sofrimento. O afastamento se impõe como medida de ultima ratio, amarga, porém indispensável para estancar a hemorragia social e criar as condições mínimas para que uma nova gestão, ou um interventor, possa reestabelecer a ordem e a esperança.

VII. DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS

A concessão de medida liminar em Habeas Corpus é cabível quando presentes, de forma inequívoca, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Ambos os requisitos estão sobejamente demonstrados nos autos.

fumus boni iuris (fumaça do bom direito) reside na flagrante violação do artigo 144 e do artigo 5º (direito à vida, à segurança e à liberdade) da Constituição Federal. A omissão do Estado do Ceará e de seu Governador é um fato público e notório, documentado pela imprensa e sentido na pele por cada cidadão cearense. A fundamentação jurídica, amparada em precedentes desta própria Corte, demonstra a plausibilidade do direito invocado.

periculum in mora (perigo da demora) é ainda mais evidente e gritante. Ele se materializa em cada vida perdida, em cada família destroçada pela violência. A "guerra" declarada pelas facções está em pleno andamento. A cada dia, a cada hora que a situação de omissão se perpetua, novas mortes ocorrem, e o direito à liberdade de locomoção e à vida dos pacientes é irremediavelmente lesado. A demora na prestação jurisdicional, neste caso, custa vidas. A urgência é máxima e inadiável.

Ouvir a autoridade coatora antes de decidir sobre a liminar seria, com o devido respeito, compactuar com a continuidade do massacre. A situação exige uma intervenção judicial imediata, forte e corajosa, para sinalizar o fim da inércia e o início da restauração da ordem.

Ante o exposto, requer-se a concessão da medida liminar, inaudita altera pars, para:

a) Decretar, de forma imediata, o ESTADO DE EMERGÊNCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ, determinando-se, por conseguinte, a intervenção judicial para a gestão da crise, com a nomeação de um interventor ou a delegação de poderes a uma autoridade federal, a critério desta Corte, para coordenar as ações de segurança no Estado;

b) Determinar o AFASTAMENTO CAUTELAR E IMEDIATO DO EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ de suas funções, até o julgamento final do mérito deste Habeas Corpus, como medida indispensável para garantir a eficácia da intervenção e a restauração da ordem pública, dada a sua manifesta incapacidade de gestão e a sua responsabilidade pela escalada da crise.

VIII. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, e com o mais profundo respeito, o impetrante requer a Vossa Excelência:

1. O recebimento e o processamento do presente HABEAS CORPUS COLETIVO PREVENTIVO E REPRESSIVO, reconhecendo-se a competência originária deste Colendo Supremo Tribunal Federal para a sua apreciação;

2. A concessão da MEDIDA LIMINARinaudita altera pars, nos termos do item VII, para DECRETAR O ESTADO DE EMERGÊNCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ e determinar o AFASTAMENTO IMEDIATO DO GOVERNADOR DO ESTADO de suas funções, dada a extrema urgência e o risco iminente à vida e à liberdade de milhões de pessoas;

3. A notificação das autoridades coatoras, o Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Ceará e o Estado do Ceará, na pessoa de seu Procurador-Geral, para que prestem as informações que entenderem necessárias, no prazo legal;

4. A intimação do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República para que oferte seu parecer, como fiscal da ordem jurídica;

5. Ao final, no mérito, que seja CONCEDIDA A ORDEM DE HABEAS CORPUS COLETIVO em sua totalidade, para:

a. Confirmar a liminar, caso deferida, e declarar a existência de um "Estado de Coisas Inconstitucional" na segurança pública do Estado do Ceará;

b. Consolidar o afastamento do Governador do Estado e determinar a adoção de um plano estrutural de segurança pública, a ser elaborado com a participação de diversos setores da sociedade e do governo (federal e estadual) e monitorado por esta Suprema Corte, com metas claras, prazos definidos e alocação de recursos, para a efetiva restauração da ordem pública, da paz social e da garantia dos direitos fundamentais da população cearense.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial pela juntada de novos documentos, reportagens, dados estatísticos de violência e oitiva de especialistas, se necessário.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para meros efeitos fiscais.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Brasília, 17 de setembro de 2025.


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JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Impetrante