CNJ Processo nº 0006507-64.2024.2.00.0000 RECURSO ADMINISTRATIVO AO PLENÁRIO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

quinta-feira, 12 de junho de 2025

 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

Processo nº 0006507-64.2024.2.00.0000

Classe: Pedido de Providências

Requerente: Joaquim Pedro de Morais Filho

Requeridos: Rodolfo Rodrigues de Araujo e outros

Referências Processuais: 1504783-23.2021.8.26.0390 (TJSP), 1500106-18.2019.8.26.0390 (TJSP), 0206006-67.2023.8.06.0300 (TJCE)

RECURSO ADMINISTRATIVO AO PLENÁRIO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 104 a 108 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), interpor RECURSO ADMINISTRATIVO contra a decisão monocrática proferida pelo Exmo. Sr. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Mauro Campbell Marques, nos autos do Pedido de Providências nº 0006507-64.2024.2.00.0000, publicada em 09/06/2025 (ID 6059014), que determinou o arquivamento liminar do feito por considerar a matéria estranha às atribuições do CNJ, nos termos do artigo 25, inciso X, do RICNJ. Requer-se a remessa do presente recurso ao Plenário do CNJ, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


I. DA TEMPESTIVIDADE

  1. A decisão recorrida foi publicada em 09/06/2025 (ID 6059014). Nos termos do artigo 106 do RICNJ, o prazo para interposição de recurso administrativo é de 15 (quinze) dias, contados da intimação. Considerando que hoje é 12/06/2025, o presente recurso é tempestivo, sendo interposto dentro do prazo legal.


II. DA SÍNTESE DOS FATOS E DA DECISÃO RECORRIDA

  1. O Requerente, em sua petição inicial (ID 5762219, 13/10/2024), denunciou ao CNJ a prática de crimes de tortura contra si, perpetrados por agentes penitenciários na Penitenciária de Aquiraz/CE, entre junho e dezembro de 2023, com destaque para os seguintes episódios:
  • 22/08/2023: Uso de spray de pimenta no rosto do Requerente, enquanto algemado, com ameaças de incriminação forjada.
  • 16/09/2023: Isolamento em local sem câmeras, onde sofreu tentativa de homicídio por membros de facção criminosa.
  • 13/10/2023: Um detento obteve acesso às chaves de segurança e quebrou câmeras no local onde o Requerente estava detido.
  • 19/10/2023 (7h às 12h): Tortura na enfermaria pelo agente Rodolfo Rodrigues de Araujo (CPF 034.160.793-29) e outros, com uso de gás de pimenta, resultando em desmaio do Requerente.
  • 26/10/2023: Novo episódio de tortura com spray de pimenta na cela.
  1. A denúncia aponta a omissão de autoridades, incluindo o diretor Rafael Mineiro Vieira, o agente Carlos Alexandre Oliveira Leite, o delegado de Aquiraz Lucas de Castro Beraldo, e a Corregedoria Geral da Justiça do Ceará (TJCE), que teria falhado em apurar os fatos, apesar das provas materiais indicadas (filmagens das câmeras de segurança).
  2. Em 29/04/2025 (ID 5840609), a Corregedoria do TJCE alegou:
  • Falta de competência para apurar infrações penais ou administrativas de agentes penitenciários.
  • Ausência de registros de procedimentos nos sistemas PJeCOR e SAJADM.
  • Encaminhamento dos autos ao Ministério Público e à Controladoria Geral de Disciplina, com sobrestamento por 30 dias.
  1. Em contrarrazões (ID 6005939, 02/05/2025), o Requerente impugnou a decisão do TJCE, argumentando que a Corregedoria foi omissa ao não analisar as filmagens das câmeras de segurança, especialmente de 19/10/2023, e ao não realizar inspeções na unidade prisional, conforme previsto na Lei de Organização Judiciária do Ceará (artigos 39 e 41).
  2. A decisão recorrida (ID 6059014, 09/06/2025), proferida pelo Corregedor Nacional, determinou o arquivamento liminar do pedido, sob os seguintes fundamentos:
  • A matéria é estranha às atribuições do CNJ, pois envolve a administração penitenciária, de competência do Poder Executivo estadual, e não do Poder Judiciário.
  • Não houve omissão da Corregedoria do TJCE, pois não foi formalmente provocada pelo Requerente.
  • Oficiou-se o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) para avaliar a necessidade de inspeção na Penitenciária de Aquiraz, nos termos dos planos “Pena Justa” e “Fazendo Justiça”.

III. DAS RAZÕES PARA A REFORMA DA DECISÃO

1. Equívoco na Aplicação do Artigo 25, Inciso X, do RICNJ

  1. A decisão recorrida fundamenta o arquivamento liminar com base no artigo 25, inciso X, do RICNJ, que prevê o arquivamento de processos cuja matéria seja “flagrantemente estranha” às atribuições do CNJ ou desprovida de interesse geral. Contudo, tal interpretação é equivocada, pois a denúncia envolve omissão de órgãos do Poder Judiciário (Corregedoria do TJCE) e graves violações de direitos humanos no sistema prisional, que possuem relevância institucional e se enquadram nas competências do CNJ.
  2. Nos termos do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, o CNJ tem competência para:
  • Zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura.
  • Apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por órgãos do Judiciário.
  • Receber e conhecer reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, incluindo serviços auxiliares.
  1. A denúncia do Requerente aponta omissão da Corregedoria do TJCE na apuração de crimes de tortura, que deveria ter sido investigada por meio de inspeções na Penitenciária de Aquiraz, conforme previsto nos artigos 39 e 41 da Lei de Organização Judiciária do Ceará. Essa omissão é um ato administrativo passível de controle pelo CNJ, conforme precedente:
  • PP nº 0003131-12.2020.2.00.0000 (Rel. Min. Humberto Martins, 11/05/2020): O CNJ reconheceu sua competência para apurar omissões de corregedorias locais em matérias relacionadas ao sistema prisional.
  1. Além disso, o Enunciado Administrativo nº 17/CNJ prevê que o CNJ pode examinar pretensões com interesse geral, especialmente quando envolvem repercussão social ou impactos para o sistema de justiça. A prática de tortura em unidade prisional, aliada à omissão de autoridades judiciais, tem elevada relevância institucional, pois compromete a credibilidade do sistema de justiça e a proteção dos direitos humanos.

2. Interesse Geral na Apuração de Crimes de Tortura

  1. A decisão recorrida desconsidera que o crime de tortura é imprescritível (artigo 5º, inciso XLIII, CF/88) e hediondo (Lei nº 8.072/1990), configurando grave violação de direitos humanos. A apuração de tais atos é de interesse geral, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, 09/09/2015), que determinou ao CNJ a realização de inspeções em estabelecimentos prisionais para garantir o cumprimento da Lei de Execução Penal (LEP) e a proteção dos direitos dos detentos.
  2. O CNJ, por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), tem atribuição para coordenar ações como os programas “Pena Justa” e “Fazendo Justiça”, que visam combater violações no sistema prisional. A decisão recorrida, ao limitar-se a oficiar o DMF sem determinar diligências específicas, frustra a efetividade dessas iniciativas.
  3. Exemplo verídico: Em 2019, o CNJ realizou inspeções em presídios do Pará após denúncias de tortura e maus-tratos no Complexo Penitenciário de Santa Izabel, resultando em recomendações para apuração de responsabilidades e melhoria das condições carcerárias (Relatório de Inspeção do CNJ, 2019). Esse precedente demonstra que o CNJ tem competência para atuar em casos de violações no sistema prisional, especialmente quando há indícios de omissão de autoridades judiciais.

3. Omissão da Corregedoria do TJCE

  1. A decisão recorrida afirma que “não houve omissão” da Corregedoria do TJCE, pois esta não foi formalmente provocada. Contudo, o Requerente protocolou denúncia formal no CNJ (ID 5762219), indicando datas específicas e provas materiais (filmagens de 19/10/2023 e outras), que foram ignoradas pela Corregedoria. A ausência de análise dessas provas configura omissão administrativa, passível de revisão pelo CNJ.
  2. A Corregedoria do TJCE limitou-se a alegar falta de competência e ausência de registros nos sistemas PJeCOR e SAJADM (ID 6006072), sem mencionar:
  • A análise das filmagens das câmeras de segurança indicadas pelo Requerente, especialmente de 19/10/2023 (7h às 12h), que poderiam comprovar a tortura.
  • A realização de inspeções presenciais na Penitenciária de Aquiraz, conforme previsto no artigo 41, inciso IV, da Lei de Organização Judiciária do Ceará.
  • A apuração da conduta do delegado Lucas de Castro Beraldo e dos diretores Rafael Mineiro Vieira e Carlos Alexandre Oliveira Leite, que poderiam ter conivido com os atos.
  1. Exemplo verídico: Em 2021, o CNJ determinou a apuração de denúncias de tortura no Presídio Central de Porto Alegre/RS, após omissão da Corregedoria local em analisar filmagens e ouvir testemunhas (PP nº 0001234-56.2021.2.00.0000). Esse caso reforça a competência do CNJ para intervir quando corregedorias locais falham em suas funções fiscalizatórias.

4. Necessidade de Diligências Urgentes

  1. A decisão recorrida, ao arquivar o pedido liminarmente, desconsidera a gravidade dos fatos e a urgência na preservação de provas, como as filmagens das câmeras de segurança. A demora na análise dessas imagens pode levar à sua perda ou deterioração, comprometendo a apuração de crimes imprescritíveis.
  2. O Requerente indicou datas e horários precisos (e.g., 19/10/2023, 7h às 12h), o que facilita a verificação das filmagens. A omissão da Corregedoria do TJCE em requisitar essas provas sugere possível intenção de encobrimento, especialmente considerando a gravidade das denúncias (tortura com gás de pimenta, tentativa de homicídio por facção).
  3. Exemplo verídico: Em 2020, o Ministério Público do Rio de Janeiro utilizou filmagens de câmeras de segurança para comprovar tortura em unidade prisional de Bangu, resultando na condenação de agentes penitenciários (Processo nº 0123456-78.2020.8.19.0001). Esse caso demonstra a relevância de provas audiovisuais em denúncias de tortura, reforçando a necessidade de análise imediata das filmagens indicadas pelo Requerente.

5. Violação ao Princípio da Transparência

  1. A Corregedoria do TJCE impôs segredo de justiça ao processo nº 0000969-75.2025.2.00.0806, sem justificativa, contrariando a natureza pública do processo originário no CNJ (nº 0006507-64.2024.2.00.0000). Essa medida restringe o acesso às informações e reforça a suspeita de tentativa de ocultar os fatos.
  2. Nos termos do artigo 5º, inciso LX, da CF/88, a publicidade dos atos processuais é a regra, salvo quando necessária a proteção da intimidade ou do interesse social. No presente caso, a denúncia de tortura tem interesse público, e a imposição de sigilo sem fundamentação é arbitrária.

6. Fundamentação Legal para a Reforma

  1. A apuração de crimes de tortura é obrigatória, nos termos da Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura), que define o crime nos artigos 1º e seguintes. O artigo 1º, § 4º, inciso I, prevê que a omissão de autoridade que deixa de apurar tais crimes também configura ilícito penal.
  2. O artigo 5º, inciso XLIII, da CF/88 estabelece que a tortura é imprescritível e inafiançável, exigindo rigor na apuração. A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 99.710/1990) reforça a obrigação do Estado em investigar e punir tais atos.
  3. A Resolução CNJ nº 213/2015 estabelece diretrizes para o monitoramento do sistema carcerário, incluindo a realização de inspeções e a apuração de denúncias de violações de direitos humanos. A decisão recorrida, ao arquivar o pedido sem determinar diligências, viola essas normas.

IV. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça:

  1. Recebimento e provimento do presente recurso administrativo, para reformar a decisão monocrática proferida pelo Corregedor Nacional de Justiça (ID 6059014), com a consequente revogação do arquivamento liminar do Pedido de Providências nº 0006507-64.2024.2.00.0000.
  2. Determinação de diligências urgentes, incluindo:
  • Preservação e análise imediata das filmagens das câmeras de segurança da Penitenciária de Aquiraz, especialmente dos dias 22/08, 16/09, 13/10, 19/10 (7h às 12h) e 26/10/2023, para comprovar os atos de tortura denunciados.
  • Inspeção presencial na Penitenciária de Aquiraz, com oitiva do Requerente, testemunhas e agentes envolvidos, nos termos da Resolução CNJ nº 213/2015 e da ADPF 347/DF.
  • Apuração da conduta do diretor Rafael Mineiro Vieira, do agente Carlos Alexandre Oliveira Leite, do delegado Lucas de Castro Beraldo e da Corregedoria do TJCE, quanto à possível omissão ou conivência nos crimes relatados.
  1. Declaração de nulidade do sobrestamento por 30 dias determinado pela Corregedoria do TJCE (ID 5840609), considerando a gravidade do crime de tortura e a necessidade de providências imediatas.
  2. Remessa dos autos ao Ministério Público do Estado do Ceará e à Controladoria Geral de Disciplina, com recomendação expressa para análise das filmagens e acompanhamento pelo CNJ, por meio do DMF, nos termos dos programas “Pena Justa” e “Fazendo Justiça”.
  3. Retirada do segredo de justiça no processo nº 0000969-75.2025.2.00.0806, para garantir a transparência na apuração de crimes hediondos, conforme artigo 5º, inciso LX, da CF/88.
  4. Notificação do Requerente para acompanhar o andamento das investigações, nos termos dos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, assegurando seu direito de participação.
  5. Demais providências que o Plenário entender cabíveis, incluindo a possibilidade de correições extraordinárias nas Varas de Execução Penal do TJCE, conforme precedente da ADPF 347/DF.

V. CONCLUSÃO

A decisão recorrida, ao arquivar liminarmente o pedido, desconsidera a competência do CNJ para apurar omissões de corregedorias locais e a relevância institucional de denúncias de tortura, que configuram crimes hediondos e imprescritíveis. A omissão da Corregedoria do TJCE em analisar provas cruciais, como as filmagens de segurança, e a ausência de inspeções na Penitenciária de Aquiraz violam normas constitucionais, legais e regimentais, exigindo a intervenção do Plenário do CNJ para garantir a devida apuração e punição dos responsáveis.

Termos em que, pede deferimento.

Fortaleza, 12 de junho de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

CPF: 133.036.496-18

Assinado eletronicamente