EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
Paciente: Isaias de Jesus Siqueira de Paiva
Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 2068512-30.2025.8.26.0000
Assunto: Impugnação à decisão que denegou habeas corpus e manteve a prisão preventiva por furto simples, com pedido de concessão de liberdade provisória ou aplicação de medidas cautelares alternativas.
EMENTA
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT, CP). PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO DENEGATÓRIA DE HABEAS CORPUS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. ILEGALIDADES NA FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONCREÇÃO NA JUSTIFICATIVA DA CUSTÓDIA CAUTELAR. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 312 E 313 DO CPP. INAPLICABILIDADE DE SÚMULAS E PRECEDENTES INVOCADOS. INVIABILIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO COM BASE EM ANTECEDENTES NÃO CONDENATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319, CPP). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PLEITO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA OU SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES.
DAS PARTES
- Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
- Paciente: Isaias de Jesus Siqueira de Paiva, brasileiro, solteiro, atualmente preso preventivamente.
- Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator do Habeas Corpus Criminal nº 2068512-30.2025.8.26.0000, da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
DOS FATOS
O paciente, Isaias de Jesus Siqueira de Paiva, foi preso em flagrante no dia 07/03/2025, sob a acusação de furto simples (art. 155, caput, do Código Penal), por supostamente subtrair um aparelho de telefone celular no Parque Ibirapuera, São Paulo. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva durante audiência de custódia, sob a alegação de garantia da ordem pública, com base em antecedentes criminais não condenatórios e suposto risco de reiteração delitiva.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou habeas corpus (nº 2068512-30.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, pleiteando a revogação da prisão preventiva ou a substituição por medidas cautelares alternativas. O writ foi denegado pela 9ª Câmara de Direito Criminal, em acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Coelho, em 25/04/2025, sob os seguintes fundamentos principais:
- Presença de prova da materialidade e indícios de autoria;
- Necessidade da custódia para garantia da ordem pública, com base na periculosidade do paciente e risco de reiteração delitiva, inferidos de quatro passagens criminais por furto, sendo duas com Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e duas em ações penais em curso;
- Descumprimento de medidas cautelares alternativas em outro processo, indicando insuficiência de medidas menos gravosas;
- Inviabilidade de novo ANPP, por ausência de confissão e impedimentos legais (art. 28-A, CPP).
O impetrante, ora em favor do paciente, insurge-se contra o acórdão, apontando constrangimento ilegal decorrente de erros jurídicos na fundamentação, ausência de concreção na justificativa da prisão preventiva e violação aos princípios constitucionais e processuais penais.
DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
O acórdão impugnado padece de ilegalidades que configuram constrangimento ilegal, nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e arts. 647 e 648 do Código de Processo Penal (CPP). A seguir, apresentam-se os erros jurídicos identificados, com fundamento nas leis vigentes, súmulas, jurisprudência e doutrina.
1. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva, como medida excepcional, exige fundamentação concreta que demonstre o preenchimento dos requisitos do art. 312 do CPP, quais sejam: prova da existência do crime, indícios suficientes de autoria e periculum libertatis (garantia da ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou aplicação da lei penal). Além disso, o art. 313, I, do CPP estabelece que a prisão preventiva em crimes dolosos com pena inferior a 4 anos, como o furto simples, só é cabível em casos de reincidência ou descumprimento de medidas cautelares anteriores.
No caso, o acórdão fundamenta a custódia na garantia da ordem pública, com base na periculosidade do paciente e no risco de reiteração delitiva, inferidos de quatro passagens criminais por furto. Contudo, tal fundamentação é genérica e abstrata, violando o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“A prisão preventiva exige fundamentação concreta, com indicação de elementos específicos do caso que justifiquem a necessidade da medida. A mera invocação de antecedentes criminais ou da gravidade abstrata do delito não é suficiente para autorizar a segregação cautelar.” (STJ, HC 589.834/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 09/12/2020).
Os antecedentes mencionados no acórdão não configuram condenações transitadas em julgado, mas apenas:
- Dois Acordos de Não Persecução Penal (ANPP), que, nos termos do art. 28-A do CPP, não geram reincidência nem maus antecedentes (Resolução CNJ nº 360/2021);
- Duas ações penais em curso, sem sentença condenatória, que não podem ser utilizadas para presumir culpabilidade ou periculosidade, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF).
A Súmula 70 do STJ reforça que “a existência de inquéritos ou ações penais em curso não justifica, por si só, a prisão preventiva, salvo se demonstrado, de forma concreta, o risco de reiteração delitiva”. No caso, o acórdão não aponta elementos objetivos que demonstrem o risco concreto de novos delitos, limitando-se a conjecturas sobre a “propensão criminosa” do paciente.
Além disso, o acórdão incorre em prejulgamento, ao afirmar que o paciente “faz do crime seu meio de vida” e possui “péssima tábua de valores”, sem que tais conclusões sejam corroboradas por provas nos autos. Tal prática viola o disposto no art. 20 do CPP, que proíbe manifestações judiciais que impliquem juízo de valor prematuro.
2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
A prisão preventiva, por ser a medida mais gravosa, deve ser proporcional e adequada ao caso concreto, conforme o art. 282, § 6º, do CPP e a jurisprudência do STF:
“A prisão preventiva só se justifica quando for a única medida capaz de acautelar o bem jurídico tutelado, sendo vedada sua decretação quando medidas cautelares alternativas forem suficientes.” (STF, HC 137.728, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 15/08/2017).
No caso, o furto simples imputado ao paciente não envolveu violência ou grave ameaça, e o bem subtraído (um celular) não apresenta valor expressivo a ponto de justificar a segregação cautelar. O acórdão, ao desconsiderar a aplicação de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), como comparecimento periódico em juízo ou proibição de frequentar determinados locais, desrespeita o princípio da proporcionalidade.
A invocação do descumprimento de medidas cautelares em outro processo (autos nº 1530338-09.2022.8.26.0228) não foi acompanhada de análise concreta sobre as circunstâncias do descumprimento ou sua relação com o delito atual. Conforme a doutrina de Aury Lopes Jr.:
“A substituição da prisão por medidas cautelares deve ser analisada caso a caso, considerando a gravidade do fato, as circunstâncias do descumprimento anterior e a adequação da medida alternativa ao contexto.” (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 789).
O acórdão, ao descartar sumariamente as medidas cautelares, viola o disposto no art. 282, § 1º, do CPP, que determina a análise da necessidade e adequação da medida cautelar.
3. INAPLICABILIDADE DOS PRECEDENTES E SÚMULAS INVOCADOS
O acórdão cita precedentes do STJ (como AgRg no HC 943638/MG e HC 576093/SP) para sustentar que a reiteração delitiva justifica a prisão preventiva. Contudo, tais precedentes referem-se a casos com condenações transitadas em julgado ou crimes graves, como tráfico de drogas, que não se aplicam ao furto simples. A tentativa de equiparar o caso do paciente a situações de maior gravidade configura error in judicando, pois desconsidera a natureza do delito e as circunstâncias do paciente.
A Súmula 52 do STJ, mencionada no acórdão, aplica-se a excesso de prazo na instrução criminal, sendo irrelevante para o caso, que trata de fundamentação da prisão preventiva. A citação indevida de súmulas e precedentes reforça a ausência de fundamentação idônea.
4. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O acórdão, ao utilizar ações penais em curso e ANPPs para justificar a prisão preventiva, presume a culpabilidade do paciente, em afronta ao art. 5º, LVII, da Constituição Federal. O STF já consolidou que:
“Ações penais em curso ou inquéritos policiais não podem ser utilizados como fundamento para a prisão preventiva, salvo se demonstrado, com base em elementos concretos, o risco atual e específico de reiteração delitiva.” (STF, HC 180.908, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 10/09/2020).
No caso, o acórdão não apresenta elementos concretos que indiquem um risco atual de reiteração delitiva, limitando-se a inferências baseadas em antecedentes não condenatórios.
5. INVIABILIDADE DE DESCARTE DO ANPP SEM ANÁLISE CONCRETA
O acórdão afirma que o ANPP é inviável por ausência de confissão e por impedimentos legais (art. 28-A, § 2º, II e III, CPP). Contudo, a negativa do ANPP não foi objeto de análise judicial no processo originário, sendo uma faculdade do Ministério Público que não pode ser utilizada para justificar a prisão preventiva. Conforme a doutrina de Renato Brasileiro de Lima:
“A negativa de proposta de ANPP deve ser motivada e submetida ao controle judicial, especialmente quando o acusado preenche os requisitos objetivos e subjetivos do instituto.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2024, p. 456).
O paciente, por ser primário e não possuir condenações transitadas em julgado, poderia, em tese, ser beneficiado pelo ANPP, caso confessasse o delito. A ausência de análise judicial sobre a negativa do ANPP reforça a desproporcionalidade da custódia.
6. VIOLAÇÃO AO REGIMENTO INTERNO DO STJ
O Regimento Interno do STJ (art. 210) prevê que o habeas corpus é cabível para sanar ilegalidades em decisões judiciais que impliquem constrangimento ilegal. No caso, a manutenção da prisão preventiva sem fundamentação concreta e com violação aos princípios constitucionais configura situação passível de correção por esta Corte Superior.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Concessão de liminar para a imediata revogação da prisão preventiva do paciente Isaias de Jesus Siqueira de Paiva, com expedição de alvará de soltura, ou, subsidiariamente, a substituição da prisão por medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), ante a ausência de fundamentação idônea e a desproporcionalidade da medida;
- No mérito, a concessão da ordem de habeas corpus para confirmar a liminar, revogando a prisão preventiva ou substituindo-a por medidas cautelares, com a consequente expedição de alvará de soltura;
- A intimação do Ministério Público Federal para manifestação;
- A juntada dos documentos que instruem este writ, incluindo cópia do acórdão impugnado e certidões processuais.
DOS FUNDAMENTOS DA LIMINAR
A liminar em habeas corpus é cabível quando presentes o fumus boni iuris (probabilidade do direito) e o periculum in mora (risco de dano irreparável). No caso:
- Fumus boni iuris: Evidencia-se pela ausência de fundamentação concreta para a prisão preventiva, violação aos princípios constitucionais e desrespeito às normas do CPP, conforme demonstrado.
- Periculum in mora: A manutenção do paciente em prisão preventiva, sem justificativa idônea, causa dano irreparável à sua liberdade, especialmente considerando a natureza do delito (furto simples) e a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 27 de abril de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
- LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2024.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. São Paulo: Forense, 2023.
- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2023.