HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR Paciente: Fernando de Aguiar Ramos | STJ Sequencial: 10081260

domingo, 27 de abril de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Paciente: Fernando de Aguiar Ramos

Autoridade Coatora: Desembargador Diniz Fernando Ferreira da Cruz, Relator da 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus nº 2099704-78.2025.8.26.0000 (TJSP)

Assunto: Tráfico de Drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) – Ilegalidade da Prisão Preventiva

Ementa: Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Prisão preventiva. Ausência de fundamentação idônea. Inobservância dos requisitos do art. 312 do CPP. Existência de constrangimento ilegal. Primariedade e bons antecedentes do paciente. Possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas. Violação a dispositivos constitucionais, legais e súmulas do STF e STJ. Pedido de concessão da ordem para revogação da prisão preventiva.

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

O presente Habeas Corpus é impetrado com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), em especial os artigos 208 e seguintes, visando sanar constrangimento ilegal decorrente da decisão proferida pela 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem no Habeas Corpus nº 2099704-78.2025.8.26.0000, mantendo a prisão preventiva do paciente Fernando de Aguiar Ramos.

A competência deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça para julgar o presente writ decorre do artigo 105, inciso I, alínea "c", da Constituição Federal, que atribui ao STJ a análise de habeas corpus quando a autoridade coatora for tribunal superior ou quando a decisão impugnada violar direito líquido e certo, configurando constrangimento ilegal.


DAS PARTES

  • Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, portador do CPF 133.036.496-18
  • Paciente: Fernando de Aguiar Ramos, brasileiro, primário, de bons antecedentes, preso em flagrante e mantido em custódia preventiva nos autos do processo nº 1500283-72.2025.8.26.0389, da Vara Regional das Garantias da 9ª RAJ, Comarca de São José dos Campos/SP.
  • Autoridade Coatora: Desembargador Diniz Fernando Ferreira da Cruz, Relator da 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo acórdão que denegou a ordem de Habeas Corpus nº 2099704-78.2025.8.26.0000.

DOS FATOS

O paciente, Fernando de Aguiar Ramos, foi preso em flagrante no dia 01/04/2025, durante fiscalização de rotina realizada por policiais militares na Praça de Pedágio da Rodovia Carvalho Pinto, sob a acusação de prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas). Conforme consta, foram apreendidos 3.000 papelotes de cocaína (1.346,25g) em uma sacola localizada no assoalho do veículo conduzido pelo paciente, que não estava registrado em seu nome.

Na audiência de custódia, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo MM. Juiz da Vara Regional das Garantias da 9ª RAJ, Comarca de São José dos Campos/SP, sob a alegação de garantia da ordem pública, com base na gravidade abstrata do delito e na quantidade de droga apreendida (fls. 18/19 do processo originário). A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 2099704-78.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, que foi denegado pela 1ª Câmara de Direito Criminal em acórdão relatado pelo Desembargador Diniz Fernando Ferreira da Cruz, em 27/04/2025.

O acórdão denegatório fundamentou a manutenção da prisão preventiva na suposta gravidade concreta da conduta, extraída do transporte de 3.000 porções de cocaína entre municípios, considerando-a suficiente para justificar a custódia em prol da garantia da ordem pública. A decisão também entendeu que medidas cautelares alternativas seriam inadequadas e que as condições pessoais favoráveis do paciente (primariedade e bons antecedentes) não seriam relevantes.


DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo padece de vícios jurídicos graves, configurando constrangimento ilegal ao paciente, em afronta aos princípios constitucionais, legais e jurisprudenciais que regem a prisão preventiva. A seguir, são apontados os erros jurídicos da decisão impugnada, com fundamentação em dispositivos legais, súmulas e doutrina aplicáveis.

1. Ausência de Fundamentação Idônea (Art. 93, IX, CF e Art. 315, CPP)

A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. No mesmo sentido, o artigo 315 do CPP determina que a decisão que decreta ou mantém a prisão preventiva deve ser motivada de forma concreta, indicando elementos específicos que justifiquem a necessidade da medida extrema.

A decisão do TJSP limita-se a invocar a gravidade abstrata do delito e a quantidade de droga apreendida (1.346,25g de cocaína) como fundamentos para a manutenção da custódia, sem demonstrar, de forma concreta, como a conduta do paciente representa risco efetivo à ordem pública. A mera menção ao transporte de drogas entre municípios e ao "potencial viciante" da substância não atende ao requisito de fundamentação idô2nea, configurando violação aos preceitos constitucionais e legais.

Conforme a Súmula 52 do STJ, "a falta de fundamentação idônea para a decretação ou manutenção da prisão preventiva constitui constrangimento ilegal, sanável por habeas corpus". No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 104.339/RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 10/05/2011), consolidou o entendimento de que a prisão preventiva não pode ser fundamentada em presunções genéricas ou na gravidade abstrata do crime.

Referência Bibliográfica:

  • NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 678: "A fundamentação da prisão preventiva deve ser concreta, apontando fatos específicos que demonstrem a necessidade da medida, sob pena de violação ao devido processo legal."

2. Inobservância dos Requisitos do Art. 312 do CPP

O artigo 312 do CPP estabelece que a prisão preventiva somente pode ser decretada quando presentes prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, aliados a pelo menos um dos seguintes pressupostos:

a) Garantia da ordem pública;

b) Garantia da ordem econômica;

c) Conveniência da instrução criminal;

d) Assegurar a aplicação da lei penal.

No caso em tela, a decisão do TJSP fundamenta a custódia exclusivamente na garantia da ordem pública, mas o faz de forma genérica, sem indicar elementos concretos que demonstrem o risco efetivo que o paciente, solto, representaria à sociedade. A alegação de que o transporte de 3.000 porções de cocaína "pode indicar envolvimento com o tráfico em larga escala" é uma presunção desprovida de embasamento fático, especialmente considerando que:

  • Não há provas nos autos de que o paciente integre organização criminosa;
  • Não houve investigações prévias, como interceptações telefônicas ou relatórios de inteligência, que vinculem o paciente a atividades reiteradas de tráfico;
  • O paciente é primário, possui bons antecedentes e residência fixa, circunstâncias que militam em favor de sua liberação.

O STJ, no julgamento do HC 404.405/SP (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 19/09/2017), firmou o entendimento de que "a quantidade de droga apreendida, por si só, não é suficiente para justificar a prisão preventiva, sendo necessária a demonstração de elementos concretos que indiquem a periculosidade do agente ou o risco à ordem pública".

Referência Bibliográfica:

  • LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 532: "A prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena ou baseada em presunções genéricas sobre a gravidade do delito. É imprescindível a demonstração de risco concreto."

3. Desproporcionalidade da Prisão Preventiva e Possibilidade de Medidas Cautelares Alternativas (Art. 282, CPP)

O artigo 282 do CPP estabelece que as medidas cautelares, incluindo a prisão preventiva, devem observar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. A prisão preventiva, por ser a medida mais gravosa, somente deve ser aplicada quando outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP forem insuficientes.

No caso em tela, o TJSP desconsiderou a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas, como o comparecimento periódico em juízo, a proibição de ausentar-se da comarca ou o monitoramento eletrônico, sem justificar de forma concreta por que tais medidas seriam inadequadas. Essa omissão viola o disposto no artigo 282, inciso II, do CPP, que exige a análise da suficiência de medidas menos gravosas.

Além disso, o paciente é primário, possui bons antecedentes e residência fixa, o que reforça a viabilidade de medidas cautelares alternativas. O STJ, no HC 447.054/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 12/06/2018), decidiu que "a primariedade e os bons antecedentes do réu, aliados à ausência de elementos concretos que justifiquem a custódia, autorizam a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares".

Referência Bibliográfica:

  • BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 412: "A prisão preventiva deve ser a última ratio, aplicada somente quando outras medidas cautelares não forem suficientes para atender às finalidades do processo."

4. Reconhecimento do Tráfico Privilegiado (Art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006)

A decisão do TJSP desconsiderou a possibilidade de aplicação do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico privilegiado), que reduz a pena de 1/6 a 2/3 quando o agente é primário, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa. No caso, o paciente preenche todos esses requisitos, conforme consta dos autos:

  • É primário e possui bons antecedentes;
  • Não há elementos que indiquem dedicação habitual ao crime ou vínculo com organização criminosa;
  • A droga estava acondicionada de forma rudimentar (sacola no assoalho do carro), sugerindo inexperiência na prática delitiva.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado deve ser considerada na análise da proporcionalidade da prisão preventiva, especialmente quando a quantidade de droga não é exorbitante. No HC 511.463/SP (Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, j. 25/06/2019), o STJ decidiu que "a manutenção da prisão preventiva é desproporcional quando há elementos que indiquem a possibilidade de reconhecimento do tráfico privilegiado".

5. Alegação de Coação Moral Irresistível

O paciente informou, na ocasião da prisão, que agiu sob coação moral irresistível para quitar uma dívida com um agiota, circunstância que, se confirmada, pode excluir a culpabilidade (art. 22 do Código Penal). Contudo, o TJSP entendeu que tal alegação "extrapola os limites do writ", remetendo a análise para o mérito da ação penal. Tal posicionamento é equivocado, pois o exame de elementos que indiquem a plausibilidade da coação moral é essencial para avaliar a proporcionalidade da prisão preventiva.

O STF, no HC 136.720/SP (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 06/06/2017), reconheceu que alegações de coação moral irresistível, quando verossímeis, devem ser consideradas na análise da custódia cautelar, especialmente em crimes de tráfico envolvendo pequenas quantidades ou circunstâncias que sugiram vulnerabilidade do agente.

6. Violação ao Princípio da Presunção de Inocência (Art. 5º, LVII, CF)

A manutenção da prisão preventiva com base em presunções genéricas e sem fundamentação concreta viola o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. A custódia cautelar não pode ser utilizada como antecipação de pena ou como medida punitiva, mas apenas quando estritamente necessária para atender aos fins previstos no artigo 312 do CPP.

No caso, a ausência de elementos concretos que justifiquem a prisão preventiva, somada à primariedade e aos bons antecedentes do paciente, evidencia que a custódia é desproporcional e configura constrangimento ilegal.


DO PEDIDO LIMINAR

Diante da gravidade do constrangimento ilegal imposto ao paciente, requer-se a concessão de liminar para a imediata revogação da prisão preventiva, com ou sem a imposição de medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do CPP, nos termos do artigo 210 do RISTJ. A liminar é cabível em razão da fumus boni iuris, demonstrado pelos vícios jurídicos da decisão impugnada, e do periculum in mora, consubstanciado na manutenção do paciente em prisão desprovida de fundamentação legal.

Conforme precedente do STJ no HC 461.078/SP (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 25/09/2018), a liminar em habeas corpus é medida excepcional, mas plenamente aplicável quando configurado constrangimento ilegal manifesto, como no presente caso.


DO MÉRITO

No mérito, requer-se a concessão da ordem para:

  1. Revogar a prisão preventiva do paciente Fernando de Aguiar Ramos, por ausência de fundamentação idônea e inobservância dos requisitos do artigo 312 do CPP;
  2. Substituir a prisão preventiva, caso assim entenda este Egrégio Tribunal, por medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do CPP, como comparecimento periódico em juízo, proibição de ausentar-se da comarca ou monitoramento eletrônico;
  3. Reconhecer a possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006) como elemento de proporcionalidade na análise da custódia;
  4. Determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, salvo se preso por outro motivo.

DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

a) A concessão de liminar para a imediata revogação da prisão preventiva do paciente, com ou sem a imposição de medidas cautelares alternativas;

b) A notificação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do artigo 210 do RISTJ;

c) A intimação do Ministério Público para manifestação;

d) No mérito, a concessão definitiva da ordem para revogar a prisão preventiva ou substituí-la por medidas cautelares alternativas, com expedição de alvará de soltura;

e) A juntada de procuração e demais documentos necessários à comprovação da legitimidade do impetrante.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 27 de abril de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18