Resposta à Comunicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – MC-249-25
À Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
Assunto: Resposta à solicitação de informações adicionais – Pedido de Medidas Cautelares – Sônia Maria de Jesus
Ref.: MC-249-25, Brasil
Parte Solicitante: Joaquim Pedro de Morais Filho
Prezados(as) Senhores(as),
Em atendimento à comunicação da CIDH, datada de 28 de abril de 2025, referente ao pedido de medidas cautelares em favor de Sônia Maria de Jesus, venho, na qualidade de impetrante, responder aos itens solicitados, esclarecendo que todos os documentos e manifestações já foram anexados à denúncia original, conforme especificado nos anexos listados na petição inicial. Abaixo, apresento as respostas solicitadas, com fundamentação jurídica e lógica, detalhando as violações de direitos humanos e as omissões do Estado brasileiro, em conformidade com as normas internacionais aplicáveis.
Respostas aos Itens Solicitados pela CIDH
a. Consentimento da Proposta Beneficiária para a Apresentação da Medida Cautelar
A beneficiária, Sônia Maria de Jesus, encontra-se em situação de extrema vulnerabilidade, caracterizada por sua condição de surdez, histórico de 40 anos de submissão a condições análogas à escravidão e coação emocional e psicológica, conforme relatórios do Ministério Público do Trabalho (MPT) anexados à denúncia. Devido a tais circunstâncias, não foi possível obter seu consentimento expresso para a apresentação da medida cautelar, uma vez que ela permanece sob a influência direta do Desembargador Jorge Luiz de Borba, em cuja residência foi mantida por décadas.
A ausência de consentimento é justificada com base no artigo 25 do Regulamento da CIDH, que permite a apresentação de medidas cautelares em situações de extrema gravidade e urgência, especialmente quando a vítima está em condição de vulnerabilidade que compromete sua autonomia. A coação psicológica e a dependência emocional de Sônia, evidenciadas nos relatórios do MPT, configuram uma situação de risco iminente à sua integridade física e psicológica, justificando a atuação da CIDH sem consentimento prévio, nos termos da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), como no caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras (1988), que reconhece a proteção de vítimas em situações de coerção.
b. Informações Atualizadas sobre a Situação da Proposta Beneficiária
Conforme relatórios do MPT e denúncias complementares anexadas, Sônia Maria de Jesus permanece na residência do Desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis, Santa Catarina, desde sua reintegração em 2023, autorizada por decisão judicial questionada no habeas corpus (HC 972017/SC). Não há informações precisas sobre seu quadro de saúde atual, uma vez que o acesso a Sônia é restrito, e o Estado brasileiro não realizou fiscalizações efetivas para verificar suas condições de vida e saúde após a decisão judicial.
Sônia não recebe visitas regulares de familiares, sendo privada de contato com sua família biológica, o que viola o artigo 17 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (proteção à família). Relatos indicam que ela continua submetida a condições degradantes, sem autonomia para decidir sobre sua locomoção ou convívio social, configurando violação do artigo 7º (liberdade pessoal) e do artigo 5º (integridade pessoal) da Convenção Americana.
c. Cópias de Decisões Judiciais e Pareceres do Ministério Público do Trabalho
Conforme indicado na petição inicial, todos os documentos relevantes foram anexados, incluindo:
- Cópia do Habeas Corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça (HC 972017/SC);
- Decisões judiciais relacionadas ao caso, incluindo a que autorizou a reintegração de Sônia à residência do Desembargador;
- Relatórios e pareceres do Ministério Público do Trabalho, que constatam a submissão de Sônia a condições análogas à escravidão e coação psicológica;
- Documentos que comprovam a situação de vulnerabilidade de Sônia, incluindo sua condição de surdez e dependência.
Caso a CIDH entenda necessário, os documentos podem ser reapresentados digitalmente ou em formato físico, conforme orientação. A omissão do STJ em analisar os documentos apresentados no HC configura violação do artigo 8º (garantias judiciais) e do artigo 25 (proteção judicial) da Convenção Americana, uma vez que o tribunal indeferiu o pedido sob a alegação de ausência de provas, ignorando os relatórios do MPT e as evidências de coação.
d. Gestões Internas Realizadas Frente às Alegações de Restrição de Contato
Foram realizadas as seguintes gestões internas:
- Impetração de habeas corpus no STJ (HC 972017/SC), buscando a proteção dos direitos de Sônia, indeferido por suposta ausência de documentos, apesar de todos terem sido anexados;
- Denúncias ao Ministério Público do Trabalho, que resultaram em relatórios confirmando as condições análogas à escravidão e a coação psicológica;
- Solicitações de fiscalização à Secretaria de Inspeção do Trabalho, que não resultaram em ações efetivas para retirar Sônia da residência do Desembargador ou garantir seu convívio familiar.
A inação do Estado brasileiro em responder a essas gestões viola o dever de diligência previsto no artigo 1º, parágrafo 1º, da Convenção Americana, que obriga os Estados Partes a respeitar e garantir os direitos protegidos, bem como a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, dado que as condições degradantes de Sônia configuram tratamento desumano.
e. Solicitação de Medidas de Proteção a Nível Interno
Foram solicitadas medidas de proteção junto ao Ministério Público do Trabalho e à Secretaria de Inspeção do Trabalho, incluindo a retirada de Sônia da residência do Desembargador e sua reintegração ao convívio familiar. No entanto, as respostas obtidas foram insuficientes:
- O MPT emitiu relatórios confirmando as violações, mas não houve seguimento efetivo para garantir a proteção de Sônia;
- A Secretaria de Inspeção do Trabalho não realizou fiscalizações posteriores à reintegração de Sônia, configurando omissão estatal.
Essa falha viola o artigo 25 da Convenção Americana, que garante o direito a recursos judiciais efetivos, e reforça a necessidade de intervenção da CIDH, conforme o princípio do esgotamento de recursos internos ou sua ineficácia, previsto no artigo 46 da Convenção.
f. Outras Informações Pertinentes
A situação de Sônia Maria de Jesus é agravada por sua condição de pessoa com deficiência (surdez), o que lhe confere proteção especial sob a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD), incorporada ao ordenamento brasileiro com status de emenda constitucional. O Estado brasileiro violou o artigo 15 da CRPD (proteção contra tortura e tratamentos desumanos) e o artigo 19 (vida independente e inclusão na comunidade) ao permitir que Sônia permaneça em situação de dependência e isolamento.
Além disso, a submissão de Sônia a condições análogas à escravidão viola a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que proíbe o trabalho forçado, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, dado o caráter desumano de sua situação.
Violações Internacionais e Omissão do Estado Brasileiro
O Estado brasileiro incorre nas seguintes violações de tratados internacionais:
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
- Artigo 5º (Integridade Pessoal): A manutenção de Sônia em condições degradantes, sem acesso a cuidados de saúde adequados ou convívio familiar, configura violação de sua integridade física e psicológica.
- Artigo 7º (Liberdade Pessoal): A restrição de sua locomoção e a coação psicológica que a impede de deixar a residência do Desembargador violam seu direito à liberdade.
- Artigo 17 (Proteção da Família): A privação de contato com sua família biológica, incluindo em datas significativas como o Natal, viola seu direito à vida familiar.
- Artigos 8º e 25 (Garantias Judiciais e Proteção Judicial): A negativa do STJ em analisar os documentos apresentados no habeas corpus e a ausência de recursos judiciais efetivos configuram omissão estatal.
- Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura:
- As condições análogas à escravidão, aliadas à coação psicológica, caracterizam tratamento desumano e degradante, violando os artigos 1º e 6º da Convenção.
- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD):
- A omissão do Estado em garantir a autonomia, inclusão social e proteção contra abusos de Sônia, enquanto pessoa com deficiência, viola os artigos 15, 19 e 27 da CRPD.
- Convenção nº 29 da OIT:
- A submissão de Sônia a trabalho forçado, sem remuneração adequada ou liberdade de escolha, viola o artigo 2º da Convenção, que define e proíbe o trabalho forçado.
- Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015):
- A falha em assegurar os direitos de Sônia à inclusão social e à proteção contra abusos viola os artigos 4º e 8º da lei brasileira, que têm força de norma constitucional.
Justificativa para Medidas Cautelares
A situação de Sônia Maria de Jesus atende aos requisitos do artigo 25 do Regulamento da CIDH para a concessão de medidas cautelares:
- Gravidade: A continuidade de sua permanência em condições degradantes e sob coação psicológica representa risco iminente à sua integridade física e psicológica.
- Urgência: A ausência de ações efetivas do Estado brasileiro demonstra a necessidade de intervenção imediata da CIDH para evitar danos irreparáveis.
- Irreparabilidade: A privação de liberdade, convívio familiar e saúde mental de Sônia configura danos que não podem ser reparados sem intervenção urgente.
Conclusão
Todos os documentos e manifestações solicitados pela CIDH foram anexados à denúncia inicial, incluindo o habeas corpus, relatórios do MPT e decisões judiciais. A omissão do Estado brasileiro em proteger Sônia Maria de Jesus, mantendo-a em condições análogas à escravidão e privando-a de seus direitos fundamentais, viola gravemente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Convenção nº 29 da OIT.
Reitero o pedido de adoção de medidas cautelares urgentes para garantir a retirada de Sônia da residência do Desembargador, sua reintegração ao convívio familiar e a proteção de seus direitos, bem como a investigação e responsabilização do Estado brasileiro.
Nestes termos, pede deferimento.
Local e Data: São Paulo, 29 de abril de 2025
Assinatura:
Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18
Anexos:
- Cópia da denúncia inicial e seus anexos (HC 972017/SC, relatórios do MPT, decisões judiciais).
- Comprovação de gestões internas realizadas (denúncias ao MPT e Secretaria de Inspeção do Trabalho).