RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COM PEDIDO DE LIMINAR OBJETO: Garantia da supremacia da Constituição Federal, com resolução de contradição entre o Art. 14 e o Art. 5º, caput e inciso II, da Constituição Federal de 1988. | STF ANOTE O NÚMERO DO SEU RECIBO 56690/2025 Enviado em 29/04/2025 às 01:02:57

segunda-feira, 28 de abril de 2025

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL COM PEDIDO DE LIMINAR

IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18

OBJETO: Garantia da supremacia da Constituição Federal, com resolução de contradição entre o Art. 14 e o Art. 5º, caput e inciso II, da Constituição Federal de 1988.

FUNDAMENTAÇÃO: Arts. 1º, III, 5º, caput, II, XIV, 14, § 1º, II, “a” e “b”, e 102, I, “l”, da Constituição Federal de 1988; precedentes do STF; constituições da Ásia e Oriente Médio; doutrina nacional e comparada.

I – DOS FATOS

  1. O impetrante, cidadão brasileiro, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente Reclamação Constitucional, com fundamento no Art. 102, I, “l”, da Constituição Federal de 1988, visando preservar a supremacia e a integridade do texto constitucional, em razão de contradição normativa entre o Art. 14, que estabelece a obrigatoriedade do voto, e o Art. 5º, caput e inciso II, que garantem a igualdade perante a lei e a liberdade individual, incluindo o princípio de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
  2. A obrigatoriedade do voto, prevista no Art. 14, § 1º, II, “a” e “b”, impõe aos cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70 anos a participação compulsória no processo eleitoral, sob pena de sanções administrativas, como multas e restrições ao exercício de direitos civis (e.g., obtenção de passaporte ou posse em cargo público). Tal dispositivo, embora regulamentado pelo Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), colide com os princípios constitucionais da liberdade individual e da autonomia da vontade, garantidos pelo Art. 5º.
  3. A presente reclamação busca a declaração de inconstitucionalidade parcial do Art. 14, § 1º, II, “a”, no que tange à obrigatoriedade do voto, ou, alternativamente, a interpretação conforme a Constituição, de modo a tornar o voto facultativo, em harmonia com os princípios da liberdade individual e da soberania popular.

II – DO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

  1. Nos termos do Art. 102, I, “l”, da Constituição Federal, compete ao STF processar e julgar reclamações destinadas a preservar sua competência e garantir a autoridade de suas decisões. A presente reclamação é cabível, pois visa sanar uma contradição interna no texto constitucional que compromete a coerência do sistema normativo e a efetividade dos direitos fundamentais.
  2. Conforme a jurisprudência do STF, a reclamação constitucional pode ser utilizada para enfrentar questões de interpretação constitucional que impliquem violação à supremacia da Constituição (Rcl 2.138, Rel. Min. Gilmar Mendes). No presente caso, a tensão entre o Art. 14 e o Art. 5º configura um conflito normativo que exige intervenção do STF para harmonizar os dispositivos e preservar a unidade do texto constitucional.

III – DA CONTRADIÇÃO NORMATIVA

  1. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu Art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e, no inciso II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esses dispositivos consagram a liberdade individual como pilar do Estado Democrático de Direito, em consonância com o Art. 1º, III, que elege a dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
  2. Por outro lado, o Art. 14, § 1º, II, “a” e “b”, determina que o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos, exceto para analfabetos, maiores de 16 e menores de 18 anos, e maiores de 70 anos, sendo facultativo nestes casos. A obrigatoriedade do voto implica uma coerção estatal que limita a autonomia do cidadão, obrigando-o a participar de um processo político mesmo contra sua vontade.
  3. Essa obrigatoriedade gera uma contradição com o princípio da liberdade individual, pois impõe uma obrigação sem justificativa proporcional em um Estado que valoriza a autonomia e a soberania popular. Como destaca José Afonso da Silva, “a liberdade é o princípio basilar dos direitos fundamentais, e qualquer restrição deve ser estritamente necessária e proporcional” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 40ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 182).
  4. A doutrina comparada reforça essa crítica. John Stuart Mill, em sua obra On Liberty, argumenta que a liberdade individual inclui o direito de abstenção, especialmente em atos políticos, desde que não prejudiquem terceiros (MILL, John Stuart. On Liberty. London: Penguin Classics, 1985). A obrigatoriedade do voto, ao coagir a participação, viola esse princípio, especialmente quando a abstenção não compromete a legitimidade do processo democrático.

IV – ANÁLISE COMPARADA COM CONSTITUIÇÕES DA ÁSIA E ORIENTE MÉDIO

  1. Para sustentar a incompatibilidade da obrigatoriedade do voto com os princípios da liberdade individual, é pertinente analisar constituições de países asiáticos e do Oriente Médio, que oferecem exemplos de sistemas democráticos com voto facultativo, em harmonia com a proteção da autonomia individual.
  • Constituição do Japão (1947): O Art. 15 da Constituição japonesa estabelece que “o povo tem o direito inalienável de escolher seus representantes públicos”. Não há menção à obrigatoriedade do voto, sendo a participação eleitoral facultativa. O Japão, uma democracia consolidada, demonstra que o voto voluntário não compromete a legitimidade do sistema político, com taxas de participação variando entre 50% e 70% (KATO, Junko. Japanese Electoral Politics. Tokyo: University of Tokyo Press, 2003).
  • Constituição da Índia (1950): O Art. 326 da Constituição indiana garante o sufrágio universal adulto, mas o voto é facultativo. A Índia, maior democracia do mundo, registra altas taxas de participação (cerca de 67% nas eleições de 2019), sem necessidade de coerção estatal. A doutrina indiana destaca que o voto facultativo reforça a soberania popular, pois reflete escolhas livres (BASU, Durga Das. Introduction to the Constitution of India. 24ª ed. New Delhi: LexisNexis, 2019).
  • Constituição da Coreia do Sul (1987): O Art. 24 assegura o direito de voto a todos os cidadãos, sem impor obrigatoriedade. A Coreia do Sul mantém uma democracia vibrante, com participação eleitoral voluntária que varia entre 60% e 80%. Estudos apontam que a ausência de coerção fortalece a confiança no sistema político (KIM, Sungmoon. Democracy in South Korea. Seoul: Korea University Press, 2015).
  • Constituição da Turquia (1982, com emendas): O Art. 67 garante o direito de voto, mas a obrigatoriedade foi abolida em 1983. A Turquia, apesar de desafios democráticos, demonstra que o voto facultativo é compatível com sistemas presidencialistas, com participação eleitoral em torno de 85% em eleições recentes (ÖZBUDUN, Ergun. The Constitutional System of Turkey. Ankara: Bilgi Press, 2011).
  1. Esses exemplos contrastam com o Brasil, onde a obrigatoriedade do voto é uma exceção entre democracias modernas. Apenas 13 países, incluindo Austrália e Uruguai, mantêm o voto compulsório, enquanto a maioria das democracias asiáticas e do Oriente Médio opta pela liberdade de participação, em linha com os princípios da autonomia individual.


V – DA VIOLAÇÃO À PROPORCIONALIDADE

  1. A obrigatoriedade do voto, ao restringir a liberdade individual, deve atender ao teste de proporcionalidade, conforme consolidado na jurisprudência do STF (ADI 4.650, Rel. Min. Luiz Fux). O teste exige: (i) adequação da medida ao fim pretendido; (ii) necessidade, ou ausência de meios menos gravosos; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito, ou ponderação entre benefícios e prejuízos.
  2. Adequação: A obrigatoriedade do voto visa aumentar a participação eleitoral e evitar radicalismos, mas estudos mostram que a coerção não garante escolhas conscientes, levando a votos brancos ou nulos (cerca de 20% nas eleições brasileiras de 2018, segundo o TSE).
  3. Necessidade: Há meios menos gravosos para incentivar a participação, como campanhas educativas ou facilitação do acesso às urnas, como ocorre no Japão e na Coreia do Sul.
  4. Proporcionalidade em sentido estrito: A restrição à liberdade individual não se justifica frente ao impacto limitado da obrigatoriedade, especialmente em um contexto de alta abstenção (21% nas eleições de 2022, segundo o TSE). A coerção estatal viola a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III) sem benefícios proporcionais.

VI – DO PEDIDO DE LIMINAR

  1. Diante da violação continuada do Art. 5º, caput e inciso II, pelo Art. 14, § 1º, II, “a”, requer-se a concessão de medida liminar para suspender a obrigatoriedade do voto nas eleições, até o julgamento final da presente reclamação. A liminar é justificada pelo periculum in mora (risco de dano irreparável aos direitos fundamentais do impetrante) e pelo fumus boni iuris (plausibilidade do direito invocado).
  2. O STF já concedeu liminares em casos de violação a direitos fundamentais (Rcl 22.328, Rel. Min. Rosa Weber), e a suspensão da obrigatoriedade do voto não comprometerá o processo eleitoral, conforme demonstrado por democracias asiáticas com voto facultativo.

VII – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

a) A concessão de medida liminar para suspender a obrigatoriedade do voto prevista no Art. 14, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal, até o julgamento final da reclamação;

b) No mérito, a procedência da reclamação para:

i) Declarar a inconstitucionalidade parcial do Art. 14, § 1º, II, “a”, no que tange à obrigatoriedade do voto, por violação ao Art. 5º, caput e inciso II; ou, alternativamente,

ii) Interpretar o Art. 14, § 1º, II, “a”, conforme a Constituição, para estabelecer que o voto é facultativo a todos os cidadãos, em harmonia com os princípios da liberdade individual e da soberania popular;

c) A citação das autoridades competentes, incluindo o Congresso Nacional, para manifestação, se necessário;

d) A produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente a juntada de estudos comparativos e estatísticas eleitorais;

e) A intimação do impetrante para todos os atos do processo.


VIII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 40ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
  2. MILL, John Stuart. On Liberty. London: Penguin Classics, 1985.
  3. KATO, Junko. Japanese Electoral Politics. Tokyo: University of Tokyo Press, 2003.
  4. BASU, Durga Das. Introduction to the Constitution of India. 24ª ed. New Delhi: LexisNexis, 2019.
  5. KIM, Sungmoon. Democracy in South Korea. Seoul: Korea University Press, 2015.
  6. ÖZBUDUN, Ergun. The Constitutional System of Turkey. Ankara: Bilgi Press, 2011.
  7. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas. 10ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
  8. MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

Termos em que,

Pede deferimento.

Distrito Federal, 29 de Maio de 2025

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18