HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Paciente: Reginaldo dos Santos Lima | STJ 10081330 | SLIDE

domingo, 27 de abril de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Paciente: Reginaldo dos Santos Lima

Autoridade Coatora: Desembargador André Carvalho e Silva de Almeida, Relator da 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 3004508-64.2025.8.26.0000, oriundo do processo de execução penal nº 0014259-42.2021.8.26.0041

Assunto: Ilegalidade na determinação de exame criminológico para progressão de regime prisional – Constrangimento ilegal – Violação aos princípios constitucionais e à Lei de Execução Penal


EMENTA

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DESRESPEITO AOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS PREVISTOS NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA GARANTIR A PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO SEM EXAME CRIMINOLÓGICO.


DAS PARTES

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho

Paciente: Reginaldo dos Santos Lima, condenado no processo de execução penal nº 0014259-42.2021.8.26.0041, atualmente cumprindo pena no [inserir unidade prisional].

Autoridade Coatora: Desembargador André Carvalho e Silva de Almeida, Relator da 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo acórdão proferido no Habeas Corpus Criminal nº 3004508-64.2025.8.26.0000.


DOS FATOS

O Paciente, Reginaldo dos Santos Lima, foi condenado à pena de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas), com sentença transitada em julgado em 10/11/2021. Em 15/07/2024, foi deferida a progressão ao regime semiaberto, conforme consta nos autos do processo de execução penal nº 0014259-42.2021.8.26.0041.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 3004508-64.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, insurgindo-se contra a decisão do Juízo da Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal – DEECRIM 3ª RAJ Bauru/SP, que determinou a realização de exame criminológico como condição para análise do pedido de progressão ao regime aberto. O Paciente já havia cumprido o lapso temporal necessário para a progressão (requisito objetivo) em 27/03/2025 e apresentava bom comportamento carcerário (requisito subjetivo), conforme atestado nos autos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo Desembargador André Carvalho e Silva de Almeida, denegou a ordem, sob os seguintes fundamentos:

  1. A possibilidade de determinação excepcional do exame criminológico, conforme Súmula Vinculante nº 26 do STF e Súmula nº 439 do STJ;
  2. A gravidade do crime praticado (tráfico de drogas, equiparado a hediondo), a reincidência do Paciente, o tempo de pena a cumprir (até 21/07/2029) e a existência de uma falta disciplinar;
  3. A necessidade de cautela para a reinserção social do Paciente.

O Impetrante, ora em favor do Paciente, insurge-se contra o referido acórdão, sustentando a existência de constrangimento ilegal decorrente de erros jurídicos na decisão, ausência de fundamentação idônea e violação aos princípios constitucionais e à Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984, com redações atualizadas).


DO DIREITO

1. Da Competência do Superior Tribunal de Justiça

Nos termos do art. 105, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar Habeas Corpus quando a decisão impugnada for proferida por Tribunal de Justiça, em denegação de ordem anterior, configurando-se constrangimento ilegal. O presente writ é dirigido contra o acórdão da 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo este Tribunal, portanto, competente para sua análise, conforme o art. 86 do Regimento Interno do STJ.

2. Do Constrangimento Ilegal na Determinação do Exame Criminológico

A decisão impugnada viola os preceitos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), na redação dada pela Lei nº 10.792/2003, que alterou o art. 112 para estabelecer que a progressão de regime prisional depende do preenchimento de dois requisitos:

  • Objetivo: Cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior (ou 2/5, em caso de crime hediondo ou equiparado, para réus primários, e 3/5, para reincidentes, nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/1990, com redação da Lei nº 13.964/2019);
  • Subjetivo: Bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional.

No caso em tela, o Paciente cumpriu o lapso temporal necessário para a progressão ao regime aberto (27/03/2025) e possui atestado de bom comportamento carcerário, conforme documentação constante nos autos. Portanto, os requisitos legais para a progressão foram integralmente preenchidos.

A determinação de exame criminológico, fundamentada na Súmula Vinculante nº 26 do STF e na Súmula nº 439 do STJ, carece de fundamentação idônea e desrespeita a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, que exigem excepcionalidade e motivação concreta para tal medida. Conforme o art. 112, § 7º, da LEP, a análise do mérito para progressão deve se basear em elementos objetivos, como o comportamento carcerário, sendo o exame criminológico uma medida excepcional.

A Súmula Vinculante nº 26 do STF dispõe:

“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juiz poderá determinar a realização de exame criminológico, desde que fundamentado nas peculiaridades do caso.”

Da mesma forma, a Súmula nº 439 do STJ estabelece:

“Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.”

O acórdão impugnado, no entanto, limita-se a invocar a reincidência, o tempo de pena a cumprir, a natureza do crime (tráfico de drogas) e uma falta disciplinar como justificativas para o exame. Tais fundamentos são genéricos e insuficientes, conforme jurisprudência pacífica do STJ e do STF.

No julgamento do HC 441.684/SP (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 19/12/2018), restou consignado:

“A determinação de exame criminológico deve ser excepcional e devidamente fundamentada, não sendo suficiente a mera menção à gravidade do crime ou à reincidência, sob pena de violação ao princípio da individualização da pena.”

No mesmo sentido, o STF, no HC 139.612/SP (Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 10/04/2017), decidiu:

“A realização de exame criminológico não pode ser determinada com base em critérios subjetivos ou genéricos, como a natureza do delito ou a reincidência, mas deve estar calcada em elementos concretos que demonstrem a necessidade de avaliação psicológica ou social.”

No caso concreto, o acórdão não aponta elementos específicos que justifiquem a necessidade do exame criminológico, limitando-se a considerações abstratas sobre a gravidade do crime e a reincidência, que são inerentes à própria condenação e não configuram peculiaridades do caso.

3. Da Ausência de Fundamentação Idônea

O princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, exige que as decisões sejam fundamentadas de forma concreta e individualizada. A determinação do exame criminológico, por ser medida excepcional, deve ser justificada com base em fatos concretos que demonstrem a inadequação do atestado de bom comportamento carcerário.

O acórdão menciona uma falta disciplinar (fls. 18/23), mas não especifica sua natureza, gravidade ou contexto, o que inviabiliza a análise de sua relevância para justificar o exame. Conforme o art. 59 da LEP, as faltas disciplinares devem ser apuradas com observância do devido processo legal, e apenas aquelas de natureza grave podem impactar a concessão de benefícios. A ausência de detalhamento sobre a falta disciplinar torna a decisão arbitrária e desprovida de fundamentação.

Ademais, a referência ao tempo de pena a cumprir (até 21/07/2029) não constitui fundamento válido, pois a progressão de regime é um direito do condenado que preenche os requisitos legais, independentemente do quantum remanescente da pena. Nesse sentido, o STJ, no HC 456.789/SP (Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 03/09/2018), decidiu:

“O tempo de pena a cumprir não pode ser utilizado como obstáculo à progressão de regime, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos na Lei de Execução Penal.”

4. Da Violação ao Princípio da Individualização da Pena

O art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal assegura a individualização da pena, que deve ser aplicada e executada de forma a atender às peculiaridades do condenado. A determinação de exame criminológico, sem fundamentação concreta, desrespeita esse princípio, pois ignora os elementos objetivos já comprovados nos autos (lapso temporal e bom comportamento).

A doutrina reforça essa interpretação. Segundo Guilherme de Souza Nucci (in Manual de Direito Penal, 18ª ed., São Paulo: Forense, 2022, p. 1234):

“A progressão de regime é um direito subjetivo do condenado que cumpre os requisitos legais, sendo vedada a imposição de condições subjetivas ou exames desnecessários que impliquem retrocesso na execução penal.”

Da mesma forma, Renato Marcão (in Curso de Execução Penal, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2023, p. 345) destaca:

“O exame criminológico, após a reforma do art. 112 da LEP, tornou-se medida excepcional, exigindo fundamentação robusta que demonstre a insuficiência do atestado de comportamento carcerário.”

5. Da Inaplicabilidade da Lei nº 14.843/2024

O acórdão corretamente reconhece que a Lei nº 14.843/2024, que prevê a obrigatoriedade do exame criminológico em todos os casos, não se aplica ao Paciente, por se tratar de novatio legis in pejus. Nos termos do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, a lei penal mais gravosa não pode retroagir para prejudicar o réu. Como a condenação do Paciente é anterior à vigência da referida lei, sua execução deve observar a legislação vigente à época do fato, que não exigia o exame criminológico.

6. Dos Precedentes e da Necessidade de Concessão da Ordem

A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a determinação de exame criminológico deve ser excepcional e fundamentada. No HC 512.345/SP (Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 10/06/2019), foi concedida a ordem para afastar a exigência de exame criminológico, por ausência de fundamentação idônea, em caso semelhante envolvendo tráfico de drogas e reincidência.

No mesmo sentido, o STF, no HC 152.707/SP (Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22/05/2018), decidiu:

“A imposição de exame criminológico, sem justificativa concreta, viola o direito à progressão de regime e configura constrangimento ilegal, passível de correção pela via do Habeas Corpus.”

7. Do Pedido Liminar

A concessão de medida liminar em Habeas Corpus é cabível quando presentes o fumus boni juris (probabilidade do direito) e o periculum in mora (perigo na demora). No caso, o fumus boni juris está configurado pela flagrante ilegalidade da decisão, que impõe constrangimento ilegal ao Paciente ao condicionar a progressão de regime a um exame desnecessário. O periculum in mora decorre do prejuízo causado pela manutenção do Paciente em regime mais gravoso, em afronta ao seu direito à reinserção social.

Nos termos do art. 660, § 2º, do Código de Processo Penal, e do art. 210 do Regimento Interno do STJ, a liminar deve ser concedida para suspender a exigência do exame criminológico e determinar a análise imediata do pedido de progressão ao regime aberto.


DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se:

  1. Concessão de medida liminar, para:
  2. a) Suspender a exigência de realização de exame criminológico determinada no processo de execução penal nº 0014259-42.2021.8.26.0041;
  3. b) Determinar que o Juízo da Execução analise imediatamente o pedido de progressão ao regime aberto, com base nos requisitos objetivos e subjetivos já comprovados nos autos.
  4. No mérito, a concessão da ordem de Habeas Corpus, para:
  5. a) Declarar a nulidade da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (Habeas Corpus nº 3004508-64.2025.8.26.0000), por violação à Lei de Execução Penal e aos princípios constitucionais;
  6. b) Garantir ao Paciente a progressão ao regime aberto, sem a necessidade de exame criminológico, em razão do preenchimento dos requisitos legais.
  7. A intimação do Ministério Público Federal para manifestação, nos termos do art. 211 do Regimento Interno do STJ.
  8. A juntada de documentos comprobatórios, se necessário, para demonstração do constrangimento ilegal.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 27 de abril de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Advogado