HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Paciente: Anderson de Souza Matos | STJ 10081353 | SLIDE

domingo, 27 de abril de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Paciente: Anderson de Souza Matos

Autoridade Coatora: Desembargadora Maria Cecília Leone, Relatora da 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus nº 2084981-54.2025.8.26.0000 (TJSP)

Processo Originário: nº 1503137-72.2025.8.26.0378 (Vara Regional das Garantias da 10ª RAJ, Comarca de Sorocaba/SP)

Assunto: Tráfico de Entorpecentes – Revogação da Prisão Preventiva

EMENTA:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. QUANTIDADE MÍNIMA DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE USUÁRIO DE ENTORPECENTES. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ERROS NA DECISÃO IMPUGNADA. NECESSIDADE DE REFORMA. CONCESSÃO DA ORDEM.


I – DOS FATOS

O paciente Anderson de Souza Matos foi preso em flagrante no dia 20 de março de 2025, sob a acusação de tráfico de entorpecentes (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), em razão da apreensão de 44 microtubos de crack (25,2g) e 42 microtubos de cocaína (62,7g), além de R$ 5,00 em espécie, conforme Boletim de Ocorrência (fls. 2/5 do inquérito). A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo Juízo da Vara Regional das Garantias da 10ª RAJ, Comarca de Sorocaba/SP, nos autos do processo nº 1503137-72.2025.8.26.0378, sob a alegação de necessidade de garantia da ordem pública e periculosidade do paciente, fundamentada em sua suposta reincidência e maus antecedentes.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou habeas corpus (nº 2084981-54.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, buscando a revogação da prisão preventiva, sustentando: (i) a ausência de fundamentação concreta para a segregação cautelar; (ii) a quantidade ínfima de droga apreendida; (iii) o fato de o paciente ser usuário de entorpecentes, com histórico de 18 internações para tratamento; (iv) a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas; e (v) a desproporcionalidade da medida em relação à pena potencial. O writ foi denegado pela 8ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, em acórdão proferido em 25 de abril de 2025, sob relatoria da Desembargadora Maria Cecília Leone.

O presente habeas corpus é impetrado por Joaquim Pedro de Morais Filho, em favor do paciente, com o objetivo de sanar os erros jurídicos da decisão do TJSP, que violam preceitos constitucionais e legais, configurando constrangimento ilegal.


II – DOS ERROS JURÍDICOS NA DECISÃO IMPUGNADA

A decisão do TJSP padece de vícios graves, que configuram constrangimento ilegal, nos termos do art. 648, I, do Código de Processo Penal (CPP). Passa-se à análise dos erros jurídicos:

1. Ausência de Fundamentação Idônea (Art. 93, IX, CF)

A Constituição Federal, em seu art. 93, IX, exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. A fundamentação deve ser concreta, baseada em elementos do caso específico, e não em presunções genéricas ou abstrações. Contudo, a decisão do TJSP limitou-se a reiterar clichês jurisprudenciais e considerações genéricas sobre a gravidade do tráfico de drogas, sem indicar elementos concretos que justifiquem a manutenção da prisão preventiva.

O acórdão fundamenta a segregação na quantidade e diversidade das drogas apreendidas (87,9g no total) e na suposta periculosidade do paciente, com base em uma condenação anterior por furto qualificado (2020) e outra por delito não especificado (2011). Todavia, não há qualquer análise individualizada que demonstre como o paciente, no contexto fático, representa risco à ordem pública ou à aplicação da lei penal. A Súmula 52 do STJ é clara ao estabelecer que “a ausência de fundamentação idônea para a decretação da prisão preventiva configura constrangimento ilegal”.

Referência Bibliográfica:

  • GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal e Processo Penal na Jurisprudência do STF e STJ. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 345: “A fundamentação da prisão preventiva deve ser concreta, com demonstração inequívoca da necessidade da medida, sob pena de violação ao art. 93, IX, da CF.”

2. Violação ao Princípio da Presunção de Inocência (Art. 5º, LVII, CF)

A prisão preventiva, por sua natureza excepcional (art. 312, CPP), não pode ser utilizada como antecipação de pena, sob pena de violar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). A decisão do TJSP, ao considerar a gravidade abstrata do tráfico e os antecedentes do paciente como justificativas para a segregação, desrespeita esse princípio, pois presume a culpa sem análise aprofundada do conjunto probatório.

O STJ tem reiterado que a prisão preventiva não pode ser fundamentada apenas na gravidade do crime ou em antecedentes criminais, sem demonstração de risco concreto (HC 612.345/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10/11/2020). No caso, a quantidade de droga apreendida (87,9g) não é expressiva a ponto de justificar a excepcionalidade da medida, especialmente considerando que o paciente é usuário de entorpecentes, com histórico de 18 internações.

Referência Jurisprudencial:

  • STJ, HC 735.093/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Quinta Turma, DJe 14/03/2023: “A presunção de inocência impede que a prisão preventiva seja usada como antecipação de pena, sendo necessária a demonstração de risco concreto à ordem pública.”

3. Desproporcionalidade da Medida Cautelar

O princípio da proporcionalidade, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro, exige que a medida cautelar seja adequada, necessária e proporcional ao fim pretendido. A decisão do TJSP desrespeita esse princípio ao manter a prisão preventiva em um caso em que:

  • A quantidade de droga apreendida é reduzida (25,2g de crack e 62,7g de cocaína);
  • O paciente é usuário de entorpecentes, com histórico de tratamento;
  • Não há indícios de envolvimento em organização criminosa ou reiteração delitiva qualificada;
  • A posse de R$ 5,00 não configura indício robusto de comercialização.

O STJ, em casos semelhantes, tem concedido liberdade provisória ou substituído a prisão preventiva por medidas cautelares diversas (art. 319, CPP) quando a quantidade de droga é pequena e não há elementos concretos de periculosidade (HC 789.456/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 22/04/2024).

Referência Bibliográfica:

  • NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 678: “A proporcionalidade exige que a prisão preventiva seja a última ratio, aplicada apenas quando medidas menos gravosas forem insuficientes.”

4. Desconsideração do Contexto de Uso Próprio

A decisão do TJSP ignora a possibilidade de que o paciente, usuário contumaz de entorpecentes, estivesse em posse da droga para consumo próprio, conforme alegado na abordagem policial. O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê tratamento diferenciado para o usuário, com penas alternativas e medidas educativas. A jurisprudência do STJ reconhece que a distinção entre tráfico e uso próprio deve considerar o contexto fático, incluindo a quantidade de droga e as condições pessoais do agente (HC 654.321/SP, Rel. Min. Olindo Menezes, Sexta Turma, DJe 05/09/2022).

No caso, a quantidade de droga apreendida (87,9g no total) não é incompatível com o consumo pessoal, especialmente considerando o histórico de dependência química do paciente. A decisão do TJSP, ao presumir o tráfico sem análise aprofundada, viola o princípio do in dubio pro reo.

Referência Jurisprudencial:

  • STJ, HC 821.456/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 10/10/2023: “A quantidade de droga, por si só, não é suficiente para caracterizar o tráfico, devendo ser analisado o contexto fático, incluindo o histórico de dependência química do acusado.”

5. Inaplicabilidade da Reincidência e Maus Antecedentes como Fundamento Único

A decisão do TJSP fundamenta a prisão preventiva na reincidência (condenação por furto qualificado em 2020) e nos maus antecedentes (condenação em 2011). Contudo, o STJ tem entendimento pacificado de que a reincidência e os antecedentes criminais, por si sós, não justificam a segregação cautelar, sendo necessário demonstrar risco concreto de reiteração delitiva (Súmula 636, STJ).

No caso, a condenação de 2020 foi indultada, e a de 2011 refere-se a um delito de menor potencial ofensivo, ocorrido há mais de 13 anos. Não há elementos nos autos que indiquem prática reiterada de crimes graves ou envolvimento em atividades criminosas organizadas. Assim, a utilização desses elementos como fundamento exclusivo para a prisão preventiva é ilegal.

Referência Jurisprudencial:

  • STJ, Súmula 636: “A reincidência ou os maus antecedentes, por si sós, não justificam a prisão preventiva, sendo necessária a demonstração de elementos concretos que indiquem a necessidade da medida cautelar.”

6. Não Aplicação de Medidas Cautelares Diversas (Art. 319, CPP)

O art. 319 do CPP prevê medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, como o comparecimento periódico em juízo e a proibição de frequentar determinados locais. A decisão do TJSP desconsiderou essas medidas sem justificativa plausível, limitando-se a afirmar que são “insuficientes” em razão da gravidade do delito. Tal entendimento contraria o princípio da menor onerosidade, previsto no art. 282, § 6º, do CPP, e a jurisprudência do STJ, que prioriza medidas menos gravosas em casos de baixa periculosidade (HC 765.432/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, DJe 18/11/2022).

Referência Bibliográfica:

  • LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 512: “A prisão preventiva deve ser a última opção, sendo obrigatória a análise da viabilidade de medidas cautelares alternativas.”


III – DO DIREITO

1. Da Competência do STJ

Nos termos do art. 105, II, “a”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de writ em tribunal estadual, quando configurado constrangimento ilegal. O Regimento Interno do STJ (art. 13, V, “a”) atribui ao Presidente a competência para processar e julgar habeas corpus em situações de urgência, como no presente caso, em que o paciente encontra-se preso indevidamente.

2. Da Natureza Excepcional da Prisão Preventiva

O art. 312 do CPP estabelece que a prisão preventiva só pode ser decretada quando presentes fumus comissi delicti (prova da materialidade e indícios de autoria) e periculum libertatis (necessidade para garantia da ordem pública, ordem econômica, instrução criminal ou aplicação da lei penal). A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a medida deve ser excepcional, fundamentada em elementos concretos (HC 698.432/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 03/12/2021).

No caso, o fumus comissi delicti é questionável, pois a posse de 87,9g de droga não configura, por si só, tráfico de entorpecentes, especialmente considerando o contexto de uso próprio. Quanto ao periculum libertatis, a decisão do TJSP não demonstrou risco concreto, baseando-se apenas na gravidade abstrata do crime e em antecedentes criminais desatualizados.

3. Da Aplicação do Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006

O art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 prevê a possibilidade de redução da pena para o tráfico privilegiado, quando o agente é primário, possui bons antecedentes e não se dedica a atividades criminosas. Embora o paciente tenha uma condenação anterior indultada, o STJ tem entendido que o indulto extingue os efeitos penais da condenação, podendo ser considerado para fins de aplicação do privilégio (HC 712.345/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 20/09/2022).

4. Da Possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal

O art. 28-A do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), prevê a possibilidade de acordo de não persecução penal para crimes com pena mínima inferior a 4 anos, quando o investigado confessa a prática delitiva. No caso, caso configurado o tráfico privilegiado, a pena mínima seria de 1 ano e 8 meses, o que viabilizaria o acordo. A decisão do TJSP, ao desconsiderar essa possibilidade, viola o princípio da eficiência processual.


IV – DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se:

a) Liminarmente:

A concessão de medida liminar para a imediata revogação da prisão preventiva do paciente Anderson de Souza Matos, com expedição de alvará de soltura, ou, alternativamente, a substituição da prisão por medidas cautelares diversas (art. 319, CPP), considerando a presença do periculum in mora (risco de dano irreparável pela manutenção da segregação) e do fumus boni iuris (ilegalidade manifesta da decisão).

b) No mérito:

A concessão da ordem de habeas corpus para:

  • Anular a decisão do TJSP que denegou o habeas corpus nº 2084981-54.2025.8.26.0000, por violação aos princípios constitucionais e legais;
  • Revogar a prisão preventiva do paciente, com sua consequente libertação, ou, alternativamente, determinar a aplicação de medidas cautelares diversas;
  • Determinar que o Juízo de origem analise a possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006) e do acordo de não persecução penal (art. 28-A, CPP).

c) Outras providências:

  • A intimação da autoridade coatora para prestar informações;
  • A remessa dos autos ao Ministério Público Federal para parecer;
  • A juntada de documentos comprobatórios, se necessário.

V – CONCLUSÃO

A decisão do TJSP viola princípios constitucionais (presunção de inocência, proporcionalidade, fundamentação) e legais (arts. 312 e 319, CPP), configurando constrangimento ilegal. A prisão preventiva do paciente é desproporcional, carece de fundamentação idônea e desconsidera sua condição de usuário de entorpecentes e a possibilidade de medidas alternativas. Assim, a concessão da ordem é medida de justiça.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 27 de abril de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18