Declaração do Impetrante: "As práticas policiais atuais, sob orientação de comandos operacionais, têm desrespeitado o princípio constitucional.da proporcionalidade, previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ao priorizar o uso letal de armas de fogo, com disparos frequentemente direcionados à cabeça ou a regiões vitais, com a intenção de matar, em vez de conter, mesmo em situações onde a contenção não letal seria suficiente, especialmente contra civis desarmados. Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) apontam 6.014 mortes por intervenção policial em 2024, com indícios de execuções sumárias e ausência de investigações eficazes, configurando um padrão de violência estatal que viola o direito à vida e à integridade física, garantidos pelo artigo 5º, caput, inciso III e inciso XLIX, da Constituição Federal, e pelo artigo 4º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A letalidade policial, marcada por práticas de abafamento de casos e impunidade, reflete uma crise estrutural que demanda a imediata reformulação dos protocolos de abordagem, com a adoção prioritária de armas não letais, como tasers, e a restrição de disparos letais a situações de absoluta necessidade, direcionados às pernas para contenção, conforme exigido pelos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo da ONU (1990)."
Autor: Joaquim Pedro de Morais Filho
EXCELENTÍSSIMO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR
IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, São Paulo, SP
PACIENTE: População Brasileira, em especial as vítimas de letalidade policial
AUTORIDADE COATORA: Estado Brasileiro, representado pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados e pela União, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Ementa: Habeas Corpus coletivo com pedido de liminar para alteração dos procedimentos de abordagem policial no Brasil, visando a priorização de armas não letais, como tasers, e a restrição do uso de armas letais, com disparos direcionados às pernas em situações de contenção de atos violentos, especialmente contra pessoas desarmadas. Pedido fundamentado na alta e suspeita letalidade policial, com violação de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais, sob pena de acionamento da Organização dos Estados Americanos (OEA) e outras instâncias internacionais.
DO OBJETIVO DO HABEAS CORPUS
Vem o Impetrante, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941), impetrar o presente Habeas Corpus Coletivo, com pedido de liminar, em favor da população brasileira, especialmente as vítimas de letalidade policial, em razão da alta e suspeita taxa de mortes decorrentes de abordagens policiais, conforme demonstrado pelos dados oficiais do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), que apontam 6.014 mortes por intervenção policial em 2024, com particular gravidade nos estados de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro.
O presente writ busca compelir o Estado Brasileiro a adotar medidas concretas para reformular os protocolos de abordagem policial, priorizando o uso de armas não letais, como tasers, e restringindo o uso de armas letais a situações de absoluta necessidade, com disparos direcionados às pernas em casos de contenção de atos violentos, especialmente em abordagens envolvendo pessoas desarmadas. Tais medidas visam resguardar os direitos fundamentais à vida, à integridade física e à dignidade humana, garantidos pelos artigos 5º, caput, inciso III, e inciso XLIX, da Constituição Federal, bem como por tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 678/1992.
A alta letalidade policial, marcada por indícios de execuções sumárias, abuso de poder e ausência de accountability, configura uma situação de violência estrutural, especialmente contra populações negras e periféricas, violando o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. O Impetrante alerta que, caso as medidas solicitadas não sejam adotadas, acionará a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e outros organismos internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, para denunciar a violação sistemática de direitos fundamentais.
DOS FATOS
Conforme dados do Sinesp, o Brasil registrou 6.014 mortes por intervenção policial em 2024, uma média de 16,5 mortes por dia, com destaque para:
- Bahia: 1.557 mortes;
- São Paulo: 749 mortes, com aumento de 65% em relação a 2023;
- Rio de Janeiro: 659 mortes;
- Pará: 593 mortes;
- Goiás: 387 mortes.
Em São Paulo, o Ministério Público (MPSP), por meio do Ascendência do Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), reportou 760 mortes em 2024, sendo 640 por policiais em serviço e 120 por agentes de folga, com 66,3% das vítimas sendo negras, apesar de representarem 40,9% da população estadual. O aumento de 65% na letalidade policial em relação a 2023 reflete a ausência de políticas eficazes de controle, como o uso generalizado de câmeras corporais, e uma postura permissiva das autoridades, conforme criticado por organizações como o Instituto Sou da Paz.
Casos de repercussão ilustram a gravidade da situação:
- Marco Aurélio Cardenas Acosta (20/11/2024, São Paulo): Estudante de medicina, 22 anos, morto com tiro à queima-roupa em hotel na Vila Mariana, sem ameaça comprovada. Imagens de câmeras de segurança contradizem a versão policial de tentativa de tomar a arma do agente (G1, 3/12/2024; CNN Brasil, 4/12/2024).
- Gabriel Renan da Silva Soares (3/11/2024, São Paulo): Jovem negro, 26 anos, executado com 11 tiros pelas costas em uma loja Oxxo, sem diálogo ou ameaça, configurando abuso de força (Brasil de Fato, 4/12/2024).
- Ryan da Silva Andrade Santos (5/11/2024, Santos): Criança de 4 anos morta por bala perdida em operação policial no Morro São Bento, Baixada Santista, durante confronto alegado pela SSP (VEJA, 10/12/2024).
- Francisca Marcela da Silva Ribeiro (6/10/2024, São Paulo): Mulher de 33 anos baleada nas costas por policial à paisana durante assalto no Ipiranga, apesar de não representar ameaça (Metrópoles, 9/10/2024).
- Homem jogado de ponte (1/12/2024, São Paulo): Caso de violência extrema, com um homem jogado de uma ponte em Vila Clara, Cidade Ademar, resultando no afastamento de 13 policiais (CNN Brasil, 4/12/2024).
- Adolescente de 16 anos (janeiro/2025, São Paulo): Morta em abordagem na Zona Leste, em um dos 13 casos registrados entre 1º e 12 de janeiro de 2025 (O Globo, 14/1/2025).
- Adolescente na Baixada Fluminense (junho/2025, RJ): Morto com tiro na cabeça em abordagem policial, com ampla repercussão nas redes sociais (Folha de S.Paulo, 2/6/2025).
Esses casos, aliados aos números alarmantes, evidenciam uma letalidade policial "alta e suspeita", com indícios de execuções sumárias, abuso de poder e impunidade, configurando uma crise de direitos humanos que exige intervenção judicial urgente.
DO DIREITO
1. Fundamentação Constitucional
A Constituição Federal de 1988 consagra o direito à vida como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 5º, caput). O inciso III proíbe tratamentos desumanos ou degradantes, e o inciso XLIX garante a integridade física e moral dos cidadãos. O uso desproporcional de força letal em abordagens policiais, especialmente contra pessoas desarmadas, viola esses preceitos, configurando ameaça grave e iminente aos direitos fundamentais.
O artigo 5º, inciso LXVIII, legitima o Habeas Corpus coletivo para proteger grupos vulneráveis em situações de violação sistêmica, conforme reconhecido pelo STF no HC 87.585 (Rel. Min. Marco Aurélio, 2006), que admitiu a tutela de direitos de grupos indeterminados, e na ADPF 635 (Rel. Min. Edson Fachin, 2020), que impôs restrições a operações policiais no Rio de Janeiro, destacando que "o uso da força letal deve ser excepcional e precedido de medidas não letais" (Informativo STF nº 982).
2. Fundamentação Legal
- Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940): O artigo 23 exclui a ilicitude de atos em estrito cumprimento do dever legal ou legítima defesa, mas exige proporcionalidade e necessidade. Casos como os de Gabriel Renan e Marco Aurélio indicam excesso doloso, configurando homicídio doloso (art. 121), especialmente por ausência de ameaça iminente.
- Lei nº 13.060/2014: Disciplina o uso progressivo da força, exigindo o emprego de equipamentos não letais, como tasers, antes de armas de fogo, e treinamento adequado. A não implementação dessas medidas em diversas unidades policiais viola a legislação.
- Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação): Garante o acesso a dados sobre letalidade policial, mas a falta de transparência em muitos casos dificulta a accountability, reforçando a necessidade de intervenção judicial.
- Decreto nº 5.123/2004: Incorpora o Pacto de San José da Costa Rica, cujo artigo 4º assegura o direito à vida, permitindo o uso de força letal apenas em situações de absoluta necessidade, com proporcionalidade estrita.
3. Precedentes do STF
- ADPF 635 (2020): O STF determinou medidas para reduzir a letalidade policial no Rio de Janeiro, incluindo a obrigatoriedade de câmeras corporais e restrições a operações em comunidades, reconhecendo a violência estrutural e a necessidade de controle externo. O Min. Edson Fachin destacou: "A segurança pública não pode se converter em sinônimo de violência estatal descontrolada" (Informativo STF nº 982).
- HC 153.531 (Rel. Min. Gilmar Mendes, 2018): Reforçou a legitimidade do Habeas Corpus coletivo para enfrentar violações sistemáticas, especialmente em contextos de abuso de poder estatal.
- RE 641.119 (Rel. Min. Luiz Fux, 2020): Reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por seus agentes, aplicável às mortes em abordagens policiais.
4. Normas Internacionais
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica): O artigo 4º estabelece o direito à vida como inviolável, e o artigo 8º garante o direito a um julgamento justo, violado pela ausência de investigações eficazes em casos de letalidade policial.
- Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH): No caso Cruz Sánchez vs. Peru (2021), a Corte reafirmou que "o uso de armas letais por agentes estatais deve ser a última medida, restrita a situações de ameaça iminente à vida ou integridade física, com preferência por métodos não letais" (par. 262). No caso Favela Nova Brasília vs. Brasil (2017), a Corte condenou o Brasil por execuções extrajudiciais, exigindo reformas estruturais.
- Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (ONU, 1979): O artigo 3 determina que armas de fogo só podem ser usadas em situações extremas, com prioridade a métodos não violentos.
- Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (ONU, 1990): O Princípio 9 estabelece que o uso intencional de armas letais é justificado apenas quando estritamente inevitável para proteger a vida, e o Princípio 10 exige investigações independentes em casos de mortes.
5. Jurisprudência da Corte IDH
O juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, no caso Zambrano Vélez vs. Equador (2007), afirmou: "O direito à vida é a pedra angular de todos os direitos humanos, e sua proteção exige do Estado medidas efetivas para prevenir abusos por parte de seus agentes, especialmente em contextos de violência estrutural" (par. 78). No caso Nadege Dorzema vs. República Dominicana (2012), a Corte destacou que "o treinamento inadequado de agentes e a falta de equipamentos não letais contribuem para violações do direito à vida" (par. 85). A alta letalidade policial no Brasil, com 82,7% das vítimas em 2023 sendo negras, configura violência estrutural e racial, exigindo intervenção judicial para proteger populações vulneráveis.
6. Argumentação Ampliada: A Crise de Direitos Humanos
A letalidade policial no Brasil não é um problema isolado, mas um padrão sistêmico que reflete falhas estruturais na segurança pública. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que 87,8% das vítimas de letalidade policial com dados de raça disponíveis em 2023 eram negras, e a faixa etária mais afetada (18 a 29 anos) evidencia o impacto desproporcional em jovens de comunidades periféricas. Em São Paulo, o aumento de 83,8% nas mortes de pessoas negras em 2024, conforme relatório do MPSP, reforça a necessidade de medidas urgentes.
A ausência de câmeras corporais em muitas unidades policiais, apesar de sua eficácia comprovada na redução de abusos, e a queda de 5,1% nos Inquéritos Policiais Militares (IPMs) em São Paulo, apesar do aumento da letalidade, indicam retrocesso nas políticas de controle. A Lei nº 13.060/2014 exige o uso progressivo da força, mas sua implementação é insuficiente, como demonstrado por casos como o de Gabriel Renan, em que 11 disparos foram efetuados sem tentativa de contenção não letal.
A Corte IDH, no caso Montero Aranguren vs. Venezuela (2016), enfatizou que "a responsabilidade estatal não se limita à ação de seus agentes, mas inclui a omissão em adotar medidas preventivas, como treinamento e equipamentos adequados" (par. 67). A falta de tasers e a preferência por armas letais violam essa obrigação, configurando responsabilidade internacional do Brasil.
DO PEDIDO LIMINAR
Dada a gravidade da situação, com 16,5 mortes diárias em 2024 e o risco iminente de novas violações, requer-se a concessão de medida liminar para:
- Determinar que as Secretarias de Segurança Pública dos Estados e o Ministério da Justiça implementem, em 90 dias, protocolos que priorizem o uso de armas não letais, como tasers, em abordagens policiais, nos termos da Lei nº 13.060/2014.
- Estabelecer que o uso de armas letais seja restrito a situações de ameaça iminente à vida, com disparos direcionados às pernas em casos de contenção de atos violentos, especialmente contra pessoas desarmadas, conforme os Princípios da ONU e a jurisprudência da Corte IDH.
- Exigir a capacitação imediata de policiais para o uso de equipamentos não letais e a ampliação do uso de câmeras corporais em todas as unidades policiais, com base no precedente da ADPF 635.
- Ordenar a criação de uma comissão nacional, com participação do MPSP, Defensoria Pública, Conselho Nacional de Justiça e sociedade civil, para monitorar a implementação dos protocolos e investigar casos de letalidade policial, com relatórios trimestrais ao STF.
- Determinar a suspensão imediata de operações policiais em comunidades sem planejamento prévio e justificativa fundamentada, nos moldes da ADPF 635, para evitar balas perdidas, como no caso de Ryan da Silva.
DO MÉRITO
No mérito, requer-se:
- A confirmação da liminar para tornar permanentes os novos protocolos de abordagem policial.
- A determinação para que o Estado Brasileiro apresente relatórios semestrais ao STF sobre a redução da letalidade policial, incluindo dados desagregados por raça, idade e local.
- A declaração de inconstitucionalidade de práticas policiais que violem a proporcionalidade, a dignidade humana e o direito à vida, com base nos artigos 5º, caput, III e XLIX, da CF/88.
- A criação de um fundo nacional para indenização de vítimas de letalidade policial, com base na responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º, CF/88).
DA AMEAÇA DE ACIONAMENTO DA OEA E OUTROS ORGANISMOS
A persistência da letalidade policial, com 6.014 mortes em 2024 e ausência de investigações eficazes, configura violação sistemática dos artigos 4º (direito à vida) e 8º (garantias judiciais) do Pacto de San José da Costa Rica. O Impetrante alerta que, caso o Estado Brasileiro não adote medidas efetivas, acionará a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), com base no precedente do caso Favela Nova Brasília vs. Brasil (2017), que condenou o Brasil por execuções extrajudiciais. Petições futuras serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, denunciando a violência estrutural e a impunidade.
DO VALOR DA CAUSA
Para fins de alçada, atribui-se à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00 (mil reais), considerando a natureza inestimável dos direitos fundamentais em jogo.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- A concessão de medida liminar para determinar a imediata reformulação dos protocolos de abordagem policial, conforme detalhado.
- A citação das autoridades coatoras para apresentação de informações, nos termos do artigo 650 do CPP.
- A intimação do Ministério Público Federal para manifestação.
- No mérito, a confirmação da liminar e a adoção de medidas permanentes para reduzir a letalidade policial.
- A expedição de ofícios à OEA e à ONU, caso necessário, para acompanhamento internacional.
- A nomeação de um perito independente para avaliar a implementação das medidas, com relatórios ao STF.
Termos em que,
Pede deferimento.
Local e Data: São Paulo, 3 de junho de 2025
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18