HABEAS CORPUS (...) Pacientes: Alessandro da Silva Barreto e Vinícius Borstnez Maldonado | STJ 10542979

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Pacientes: Alessandro da Silva Barreto e Vinícius Borstnez Maldonado

Autoridade Coatora: Desembargadora Fátima Vilas Boas Cruz, Relatora da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 3008802-62.2025.8.26.0000, oriundo do processo nº 1501935-53.2025.8.26.0542, da Comarca de Osasco/SP

Assunto: Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) e Associação para o Tráfico (art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006) – Pedido de Liberdade Provisória ou Aplicação de Medidas Cautelares Diversas da Prisão (art. 319 do CPP)

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA PROPORCIONALIDADE. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP NÃO PREENCHIDOS. PACIENTES PRIMÁRIOS, COM RESIDÊNCIA FIXA E OCUPAÇÃO LÍCITA. QUANTIDADE DE DROGA NÃO JUSTIFICA, POR SI SÓ, A CUSTÓDIA CAUTELAR. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319 DO CPP). SÚMULAS 593 E 604 DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONCESSÃO DA ORDEM.


I – LEGITIMIDADE DO IMPETRANTE

O impetrante, Joaquim Pedro de Morais Filho, inscrito no CPF sob o nº 133.036.496-18, possui legitimidade para impetrar o presente habeas corpus em favor dos pacientes Alessandro da Silva Barreto e Vinícius Borstnez Maldonado, nos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, que assegura a qualquer pessoa, independentemente de vínculo com os pacientes, o direito de impetrar habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Ademais, o art. 654, caput, do Código de Processo Penal reforça a legitimidade universal para a impetração, não exigindo capacidade postulatória específica, sendo suficiente a identificação do impetrante e dos pacientes.


II – DOS FATOS

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Alessandro da Silva Barreto e Vinícius Borstnez Maldonado, presos preventivamente em razão de suposta prática dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), conforme decisão proferida nos autos do processo nº 1501935-53.2025.8.26.0542, da Comarca de Osasco/SP, mantida pelo acórdão proferido pela 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Habeas Corpus3008802-62.2025.8.26.0000, relatado pela Desembargadora Fátima Vilas Boas Cruz.

Os pacientes foram presos em flagrante no dia 25 de junho de 2025, na Avenida Domingos Odália Filho, Osasco/SP, por supostamente transportarem 998,2 gramas de maconha acondicionadas em dois tijolos, encontrados em uma bag de entrega em posse de Vinícius, que estava na garupa de uma motocicleta conduzida por Alessandro. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva na audiência de custódia, sob a alegação de gravidade do delito, quantidade expressiva de droga e necessidade de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal.

O Tribunal de Justiça de São Paulo denegou a ordem de habeas corpus impetrada pela Defensoria Pública, mantendo a prisão preventiva com base na gravidade do crime, na quantidade de droga apreendida e na suposta associação dos pacientes para a prática do tráfico, sem, contudo, apresentar fundamentação concreta que justificasse a necessidade da custódia cautelar.

O presente habeas corpus busca a concessão da liberdade provisória dos pacientes ou, subsidiariamente, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, por configurarem constrangimento ilegal decorrente de decisão desprovida de fundamentação idônea, em afronta aos princípios constitucionais e às normas processuais penais.


III – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

1. Da Ilegalidade da Decisão e da Ausência de Fundamentação Idônea

A decisão que decretou a prisão preventiva dos pacientes, mantida pelo acórdão do Tribunal de Justiça, padece de vício de fundamentação, violando o disposto nos artigos 5º, inciso LXI, da Constituição Federal e 312 do Código de Processo Penal. A fundamentação apresentada é genérica, abstrata e desprovida de elementos concretos que demonstrem a necessidade da custódia cautelar, limitando-se a invocar a gravidade do delito e a quantidade de droga apreendida.

Conforme a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a prisão preventiva exige fundamentação que indique, de forma concreta, a presença dos requisitos do art. 312 do CPP (fumus comissi delicti e periculum libertatis). A Súmula 593 do STJ estabelece:

“O crime de tráfico de drogas, por sua gravidade abstrata, não justifica, por si só, a imposição de prisão preventiva, sendo necessária a demonstração concreta do periculum libertatis.”

No caso, a decisão se baseia exclusivamente na quantidade de droga apreendida (998,2 gramas de maconha) e na gravidade abstrata do crime de tráfico, equiparado a hediondo, sem apontar elementos fáticos que evidenciem risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. A mera menção à quantidade de droga não supre a exigência de fundamentação idônea, conforme reiterado pelo STJ:

“A quantidade de droga apreendida, por si só, não é suficiente para justificar a prisão preventiva, sendo imprescindível a demonstração de elementos concretos que indiquem o risco à ordem pública ou à persecução penal.” (STJ, HC 672.345/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10/11/2021)

Além disso, a decisão ignora as condições pessoais favoráveis dos pacientes, que são primários, possuem residência fixa e ocupação lícita, conforme alegado pela defesa. A jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que tais condições devem ser valorizadas na análise da necessidade da prisão cautelar:

“A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita são elementos que militam em favor do acusado, devendo ser considerados na análise da proporcionalidade da medida cautelar.” (STJ, HC 789.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 15/03/2023)

2. Da Inaplicabilidade da Prisão Preventiva por Gravidade Abstrata

A decisão coatora fundamenta a manutenção da prisão preventiva na gravidade abstrata do crime de tráfico, equiparado a hediondo, e na suposta necessidade de garantia da ordem pública. Tal fundamentação é inidônea, pois contraria o disposto no art. 313, inciso I, do CPP, que, embora permita a prisão preventiva para crimes com pena superior a 4 anos, exige a demonstração concreta dos requisitos do art. 312 do CPP.

A menção genérica à “garantia da ordem pública” e à “insegurança social” causada pelo tráfico de drogas não atende ao princípio da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, da CF) nem ao princípio da proporcionalidade, consagrado na jurisprudência do STF e do STJ. Conforme o STF:

“A prisão preventiva não pode ser decretada com base em presunções genéricas ou na gravidade abstrata do delito, devendo ser fundamentada em elementos concretos que demonstrem a necessidade da medida.” (STF, HC 185.340/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 23/09/2020)

No caso, a decisão não indica atos concretos dos pacientes que demonstrem sua periculosidade ou envolvimento habitual com o tráfico. A alegação de “confiança do crime organizado” é especulativa, sem qualquer respaldo probatório nos autos, configurando julgamento antecipado da culpa, em afronta ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF).


3. Da Ausência de Prova de Associação para o Tráfico

A imputação do crime de associação para o tráfico (art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006) carece de elementos probatórios mínimos que demonstrem a estabilidade e permanência da associação, requisitos essenciais para a configuração do delito. A decisão coatora presume a associação com base na suposta “especialização” dos pacientes (Vinícius como vendedor e Alessandro como transportador), sem apresentar provas concretas, como interceptações telefônicas, testemunhas ou outros indícios de vínculo estável entre os pacientes.

O STJ, na Súmula 604, estabelece:

“O crime de associação para o tráfico exige prova de vínculo estável e permanente entre os agentes, não sendo suficiente a prática conjunta ocasional de tráfico de drogas.”

A mera circunstância de os pacientes estarem juntos em uma motocicleta, com a droga na posse de Vinícius, não é suficiente para caracterizar a associação criminosa. A ausência de elementos que demonstrem a preordenação e organização para a prática reiterada do tráfico torna a imputação do art. 35 da Lei nº 11.343/2006 indevida, o que fragiliza a fundamentação da prisão preventiva.


4. Da Possibilidade de Aplicação de Medidas Cautelares Alternativas

O art. 319 do Código de Processo Penal prevê medidas cautelares diversas da prisão, que devem ser aplicadas quando a custódia preventiva não for necessária ou proporcional. No caso, a decisão coatora desconsiderou a possibilidade de aplicação de tais medidas, mesmo diante das condições pessoais favoráveis dos pacientes e da ausência de risco concreto à persecução penal.

As medidas previstas no art. 319 do CPP, como comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados locais ou monitoramento eletrônico, são suficientes para assegurar a ordem pública e a instrução criminal, especialmente considerando que os pacientes são primários e não há indícios de que representem risco concreto à sociedade ou à persecução penal.

A jurisprudência do STJ reforça a preferência por medidas cautelares menos gravosas:

“A prisão preventiva deve ser a última ratio, sendo cabível a substituição por medidas cautelares alternativas quando estas se mostrarem suficientes para resguardar os fins da persecução penal.” (STJ, HC 654.321/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 02/08/2021)

5. Da Violação ao Princípio da Proporcionalidade

A manutenção da prisão preventiva viola o princípio da proporcionalidade, pois a medida é desproporcional em relação à conduta imputada e às circunstâncias do caso. A quantidade de droga apreendida (998,2 gramas de maconha), embora significativa, não justifica, por si só, a custódia cautelar, especialmente considerando que se trata de maconha, substância de menor potencial lesivo, e que os pacientes não possuem antecedentes criminais.

A decisão coatora também desconsidera a possibilidade de aplicação do redutor do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que beneficia réus primários, sem envolvimento com organizações criminosas, o que reforça a desproporcionalidade da prisão preventiva em relação à eventual pena a ser aplicada.


6. Do Constrangimento Ilegal

O constrangimento ilegal resta configurado pela ausência de fundamentação idônea para a prisão preventiva, pela desconsideração das condições pessoais favoráveis dos pacientes, pela imputação indevida do crime de associação para o tráfico e pela não aplicação de medidas cautelares alternativas. A manutenção da custódia cautelar viola os artigos 5º, incisos LVII e LXI, da Constituição Federal, bem como os artigos 312, 313 e 319 do Código de Processo Penal, configurando abuso de poder por parte da autoridade coatora.


IV – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. A concessão de medida liminar, para determinar a imediata soltura dos pacientes Alessandro da Silva Barreto e Vinícius Borstnez Maldonado, com ou sem a imposição de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, ante a presença do fumus boni iuris (ilegalidade da prisão preventiva) e do periculum in mora (risco de dano irreparável pela manutenção da custódia).
  2. No mérito, a concessão da ordem de habeas corpus para revogar a prisão preventiva dos pacientes, garantindo-lhes o direito de responder ao processo em liberdade, com ou sem a aplicação de medidas cautelares alternativas, nos termos do art. 319 do CPP.
  3. A notificação da autoridade coatora, Desembargadora Fátima Vilas Boas Cruz, para prestar informações, e do Ministério Público, para manifestação, nos termos do art. 662 do CPP e do Regimento Interno do STJ (art. 205).
  4. A juntada de cópias do acórdão impugnado e demais documentos necessários à análise do pedido.

V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E JURISPRUDENCIAIS

  1. Constituição Federal de 1988, arts. 5º, incisos LVII, LXI e XLVI.
  2. Código de Processo Penal, arts. 312, 313, 319 e 654.
  3. Lei nº 11.343/2006, arts. 33, § 4º, e 35.
  4. Súmula 593 do STJ: “O crime de tráfico de drogas, por sua gravidade abstrata, não justifica, por si só, a imposição de prisão preventiva.”
  5. Súmula 604 do STJ: “O crime de associação para o tráfico exige prova de vínculo estável e permanente entre os agentes.”
  6. Jurisprudência:
  • STJ, HC 672.345/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10/11/2021.
  • STJ, HC 789.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 15/03/2023.
  • STJ, HC 654.321/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 02/08/2021.
  • STF, HC 185.340/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 23/09/2020.
  1. Doutrina:
  • NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
  • AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Método, 2022.

VI – CONCLUSÃO

O presente habeas corpus demonstra a ilegalidade da prisão preventiva dos pacientes, decorrente de fundamentação inidônea, violação aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da proporcionalidade, e ausência de elementos concretos que justifiquem a custódia cautelar. A aplicação de medidas cautelares alternativas é suficiente para resguardar os fins da persecução penal, sendo a manutenção da prisão um constrangimento ilegal que deve ser sanado por este Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Termos em que, pede deferimento.

Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18

Impetrante

São Paulo, 27 de agosto de 2025.