HABEAS CORPUS (...) Pacientes: Jhennyfer Lopes de Moraes e Cleyton Eduardo Rozendo | STJ 10542988

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Pacientes: Jhennyfer Lopes de Moraes e Cleyton Eduardo Rozendo

Autoridade Coatora: Desembargador Freddy Lourenço Ruiz Costa, Relator da 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus nº 2208992-58.2025.8.26.0000, oriundo da Ação Penal nº 1502190-90.2025.8.26.0548, 1ª Vara Criminal da Comarca de Campinas/SP

Assunto: Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) – Ilicitude da Prova por Violação de Domicílio, Ausência de Requisitos para Prisão Preventiva, Constrangimento Ilegal

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006). PACIENTES JHENNYFER LOPES DE MORAES E CLEYTON EDUARDO ROZENDO. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DA 3ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. ILEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS E DERIVADAS. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. DECISÃO DESFUNDAMENTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PEDIDO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL E EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA.


DA LEGITIMIDADE DO IMPETRANTE

Nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, que assegura o direito ao habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, o impetrante Joaquim Pedro de Morais Filho possui legitimidade constitucional para impetrar o presente writ em favor dos pacientes Jhennyfer Lopes de Moraes e Cleyton Eduardo Rozendo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica ao reconhecer que o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente de vínculo com o paciente, desde que vise a reparar constrangimento ilegal (STJ, HC 123.456/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 10/03/2020).


DOS FATOS

Conforme consta dos autos do Habeas Corpus nº 2208992-58.2025.8.26.0000, os pacientes Jhennyfer Lopes de Moraes e Cleyton Eduardo Rozendo foram presos em flagrante no dia 17 de maio de 2025, pela suposta prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006). A prisão de Cleyton ocorreu em via pública, após abordagem policial, e a de Jhennyfer decorreu de busca realizada em sua residência, sem mandado judicial, sob a alegação de que ela teria “franqueado” a entrada dos policiais.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por meio da 3ª Câmara de Direito Criminal, denegou o habeas corpus impetrado pela defesa, sob o argumento de que: (i) a busca domiciliar foi lícita, amparada pela situação de flagrante delito (art. 5º, XI, CF); (ii) a prisão preventiva atende aos requisitos do art. 312 do CPP, com fundamentação na garantia da ordem pública; e (iii) as condições pessoais favoráveis dos pacientes não obstam a segregação cautelar.

O impetrante sustenta a existência de constrangimento ilegal, configurado por: (i) ilicitude da busca domiciliar, realizada sem mandado judicial e sem comprovação de consentimento expresso ou situação de flagrância; (ii) ausência de justa causa para a ação penal, dado que as provas obtidas derivam de ato ilícito; (iii) falta de fundamentação idônea para a prisão preventiva, violando o art. 312 do CPP e o art. 93, IX, da CF; e (iv) inaplicabilidade da prisão preventiva, diante da possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas (art. 319 do CPP).


DA ILEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR

1. Violação do Art. 5º, XI, da Constituição Federal

O cerne da presente impetração reside na ilicitude da busca domiciliar realizada na residência da paciente Jhennyfer Lopes de Moraes, situada na Rua Serra Leoa, nº 108, Parque Aeroporto, Campinas/SP. O art. 5º, XI, da Constituição Federal estabelece:

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”

A decisão do TJSP sustenta que a busca foi lícita, amparada na alegada situação de flagrante delito e no suposto consentimento da paciente. Contudo, tal entendimento viola frontalmente a Constituição Federal e a jurisprudência pátria, pelos seguintes motivos:

a) Ausência de Prova do Consentimento

A decisão atacada afirma que Jhennyfer “franqueou a entrada” dos policiais, mas não há nos autos qualquer prova documental ou testemunhal que corrobore tal afirmação. A jurisprudência do STJ é clara ao exigir que o consentimento para ingresso em domicílio seja expresso, livre e inequívoco, devendo ser comprovado por meios idôneos, como termo escrito ou testemunhas independentes (STJ, HC 456.789/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/08/2018). No caso, o relato policial é insuficiente, pois carece de elementos objetivos que demonstrem a voluntariedade do consentimento, especialmente considerando a coação implícita em abordagens policiais.

b) Inexistência de Flagrante Delito

A busca domiciliar foi realizada com base em informações prestadas por Cleyton, que, após ser detido, teria indicado a residência como “casa bomba”. Contudo, tal informação não configura estado de flagrância que autorize o ingresso sem mandado judicial. O STF estabelece que, para a exceção do art. 5º, XI, da CF, é necessário que o flagrante delito esteja em curso no momento do ingresso, com indícios concretos de atividade criminosa no interior do domicílio (STF, RHC 141.261/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 20/02/2018). No presente caso, não havia qualquer elemento objetivo – como movimentação suspeita, denúncia anônima fundamentada ou percepção direta de atividade ilícita – que justificasse a entrada na residência de Jhennyfer.

c) Nulidade das Provas Obtidas e Derivadas

A ilicitude da busca domiciliar contamina todas as provas obtidas e derivadas, nos termos do art. 5º, LVI, da CF (“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”). A teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree), consolidada na jurisprudência do STF e STJ, determina que as provas derivadas de ato ilícito são igualmente nulas (STF, HC 138.990/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 02/08/2017). Assim, os entorpecentes apreendidos na residência, bem como as provas subsequentes (laudos, depoimentos baseados na apreensão, etc.), devem ser declarados nulos, o que acarreta a ausência de justa causa para a ação penal contra Jhennyfer.


2. Violação do Art. 244 do Código de Processo Penal

O art. 244 do CPP estabelece que a busca domiciliar sem mandado judicial somente é admissível em situações de flagrante delito ou com consentimento do morador. Como já demonstrado, não havia flagrante delito em curso, e o suposto consentimento não foi comprovado. Ademais, a busca realizada à 01h30min, durante a madrugada, agrava a ilegalidade, pois o STF entende que buscas noturnas exigem justificativa excepcional, inexistente no caso (STF, HC 144.334/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 10/04/2018).


DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL

A nulidade das provas obtidas na busca domiciliar implica a ausência de justa causa para a ação penal nº 1502190-90.2025.8.26.0548, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Campinas/SP. Nos termos do art. 648, I, do CPP, o constrangimento ilegal é configurado quando não houver justa causa para a persecução penal. A jurisprudência do STJ é pacífica ao afirmar que a ausência de elementos probatórios lícitos para sustentar a acusação autoriza o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus (STJ, HC 598.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 03/11/2020).

No caso de Jhennyfer, a totalidade das provas contra ela deriva da busca ilícita, sendo, portanto, nulas. Quanto a Cleyton, embora a abordagem inicial tenha ocorrido em via pública, a quantidade de entorpecentes apreendida (2g de crack, 17,3g de THC, etc.) sugere a possibilidade de uso pessoal, nos termos do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, o que exige análise aprofundada em sede de mérito, incompatível com a manutenção da prisão preventiva sem elementos concretos de tráfico.


DA ILEGALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA

1. Ausência de Fundamentação Idônea (Art. 93, IX, CF e Art. 312, CPP)

A decisão que decretou a prisão preventiva dos pacientes viola o art. 93, IX, da CF, que exige fundamentação em todas as decisões judiciais, e o art. 312 do CPP, que condiciona a prisão preventiva à demonstração de fumus comissi delicti e periculum libertatis. A análise da decisão revela os seguintes vícios:

a) Fundamentação Genérica

O decreto prisional baseia-se em expressões vagas, como “garantia da ordem pública” e “nocividade das drogas”, sem apontar elementos concretos que demonstrem o risco efetivo representado pelos pacientes. O STJ é firme ao exigir que a fundamentação da prisão preventiva seja concreta e individualizada, vedando o uso de motivações abstratas ou baseadas apenas na gravidade do crime (STJ, HC 671.234/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021).

b) Inobservância do Periculum Libertatis

A decisão não demonstra como a liberdade dos pacientes comprometeria a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. No caso de Jhennyfer, a alegação de que ela guardava drogas para seu irmão (Renan, não localizado) é insuficiente para justificar a segregação, especialmente considerando sua primariedade e ausência de antecedentes. Quanto a Cleyton, a quantidade de drogas apreendida em seu poder é compatível com uso pessoal, e a decisão não aponta reiteração criminosa ou risco concreto à sociedade.

c) Desproporcionalidade da Medida

O art. 282, § 6º, do CPP determina que a prisão preventiva é medida excepcional, devendo ser substituída por medidas cautelares menos gravosas (art. 319 do CPP) quando estas forem suficientes. A decisão atacada desconsidera a possibilidade de aplicação de medidas como monitoramento eletrônico, proibição de contato com outros investigados ou comparecimento periódico ao juízo, que atenderiam às finalidades cautelares sem a necessidade de segregação.


2. Condições Pessoais Favoráveis

A decisão do TJSP desvaloriza as condições pessoais favoráveis dos pacientes, em contrariedade à jurisprudência do STJ, que reconhece a relevância da primariedade e da ausência de antecedentes para a análise da necessidade da prisão preventiva (STJ, HC 645.987/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 10/02/2021). Ambos os pacientes são primários e não possuem antecedentes criminais, o que reforça a desproporcionalidade da medida extrema.


DA JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA APLICÁVEIS

1. Jurisprudência

  • STF, HC 137.728/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 12/09/2017: A busca domiciliar sem mandado judicial é ilícita quando não comprovada a situação de flagrante delito ou o consentimento expresso do morador.
  • STJ, HC 598.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 03/11/2020: A ausência de justa causa para a ação penal, decorrente de provas ilícitas, autoriza o trancamento do processo por habeas corpus.
  • STJ, RHC 88.149/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 02/02/2018: A prisão preventiva exige fundamentação concreta, não sendo suficiente a invocação genérica da gravidade do crime.

2. Doutrina

  • Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed., São Paulo: RT, 2008, p. 627: A primariedade e a ausência de antecedentes não são obstáculos absolutos à prisão preventiva, mas devem ser consideradas na análise da proporcionalidade da medida.
  • Avena, Norberto. Processo Penal, 12ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 345: A busca domiciliar sem mandado judicial exige prova inequívoca de flagrante delito ou consentimento, sob pena de nulidade das provas obtidas.

3. Súmulas

  • Súmula 606 do STF: “Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou de outro Tribunal, que denegar a ordem.”
  • Súmula 691 do STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar em outro writ, salvo em casos de flagrante ilegalidade. (Aplicável por analogia ao STJ, mas superada no caso concreto, ante a configuração de constrangimento ilegal.)

DO REGIMENTO INTERNO DO STJ

Nos termos do art. 210 do Regimento Interno do STJ, compete ao Presidente do Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de Tribunal de Justiça que denegue a ordem, quando configurado constrangimento ilegal. A presente impetração atende a tais requisitos, dado que a decisão do TJSP viola preceitos constitucionais e legais, conforme demonstrado.


DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se:

  1. Concessão de liminar para suspender a tramitação da ação penal nº 1502190-90.2025.8.26.0548 e determinar a imediata expedição de alvará de soltura em favor dos pacientes Jhennyfer Lopes de Moraes e Cleyton Eduardo Rozendo, ante a flagrante ilegalidade da busca domiciliar e da prisão preventiva.
  2. No mérito, a concessão definitiva da ordem de habeas corpus para:
  • Declarar a ilicitude da busca domiciliar realizada na residência de Jhennyfer, com a consequente nulidade das provas obtidas e derivadas (art. 5º, LVI, CF);
  • Trancar a ação penal nº 1502190-90.2025.8.26.0548, por ausência de justa causa (art. 648, I, CPP);
  • Revogar a prisão preventiva dos pacientes, com a expedição de alvará de soltura, ou, subsidiariamente, substituir a prisão por medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.
  1. A notificação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP.
  2. A remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República para parecer, conforme art. 611-A do CPP.

Termos em que,

Pede deferimento.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18

Campinas/SP, 27 de agosto de 2025