EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) RELATOR(A) DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CARTA DE ORDEM
HABEAS CORPUS Nº 1000655 - CE (2025/0155692-0)
IMPETRANTE E PACIENTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
AUTORIDADES COATORAS: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, JUIZ DA VARA ÚNICA CRIMINAL DE AQUIRAZ/CE, ENTRE OUTROS
RELATOR: MINISTRO MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos do Habeas Corpus em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 234 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), no artigo 5º, incisos III, XLIII, XLIX, LIV, LV, LXVIII e LXXVIII, da Constituição Federal, no artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP), na Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura), na Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), na Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), e nos Decretos nº 98.383/1990 (Convenção Contra a Tortura) e 678/1992 (Pacto de San José da Costa Rica), requerer a expedição de CARTA DE ORDEM ao Juízo da Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE, para o cumprimento das medidas abaixo especificadas, em razão da omissão grave do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e das autoridades coatoras, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
I – DA NECESSIDADE DA CARTA DE ORDEM
- Contexto processual: Nos autos do Habeas Corpus nº 1000655/CE (2025/0155692-0), o impetrante denunciou graves violações de direitos humanos, incluindo atos de tortura perpetrados entre junho e dezembro de 2023 na Unidade Prisional de Aquiraz/CE, conforme detalhado nas fls. 3-8 (e-STJ). Tais atos, perpetrados por agentes penitenciários, incluindo Rodolfo Rodrigues de Araújo e Carlos Alexandre Oliveira Leite, envolvem uso de gás de pimenta, isolamento deliberado e tentativa de assassinato, configurando crimes imprescritíveis e inafiançáveis (art. 5º, XLIII, CF/88; art. 1º, Lei nº 9.455/1997).
- Omissão do TJCE e da Vara Única de Aquiraz: O TJCE e o Juízo da Vara Única Criminal de Aquiraz/CE (processo nº 0206006-67.2023.8.06.0300) incorreram em omissão grave ao:
- Não requisitar as gravações de vídeo das câmeras de segurança das datas de 16/09/2023, 22/08/2023, 19/10/2023, 13/10/2023 e 26/10/2023, essenciais para comprovar os atos de tortura, violando o art. 7º, §3º, da Lei nº 12.527/2011 e o dever de busca da verdade real (art. 5º, LIV, CF/88);
- Não realizar audiência de custódia após a prisão em flagrante de 19/10/2023, mantendo o impetrante detido ilegalmente por mais de três meses, em afronta ao art. 310 do CPP e à Resolução nº 213/2015 do CNJ;
- Não promover citação válida por mais de 18 meses, apesar do endereço conhecido do impetrante (art. 396, CPP);
- Não nomear defensor público após a renúncia do advogado em 09/05/2024, configurando cerceamento de defesa (art. 396-A, §2º, CPP; art. 564, III, “c”, CPP);
- Ignorar comunicações oficiais do impetrante (telegramas MG004932356BR e MG005933052BR, de 16/10/2024 e 26/10/2024), caracterizando prevaricação (art. 319, CP) e obstrução da justiça (art. 347, CP).
- Obrigação de preservação das gravações: A omissão na apresentação das gravações de vídeo viola a Súmula Vinculante nº 14 do STF, que garante o acesso a elementos de prova, e o art. 12 da Convenção Contra a Tortura, que impõe ao Estado o dever de investigar imediatamente denúncias de tortura. A ausência de providências para preservar essas provas sugere conivência com os atos ilícitos, configurando constrangimento ilegal passível de correção por este STJ (art. 648, I, CPP).
- Direitos violados: A omissão estatal compromete os seguintes direitos fundamentais do impetrante:
- Proibição de tortura (art. 5º, III, CF/88; art. 1º, Lei nº 9.455/1997; art. 5º, Pacto de San José da Costa Rica);
- Integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CF/88; Súmula Vinculante nº 24 do STF);
- Devido processo legal e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88);
- Acesso à informação (art. 5º, LXXII, CF/88; art. 7º, §3º, Lei nº 12.527/2011);
- Razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88).
- Risco iminente à integridade do impetrante: A posse de armas pelos agentes envolvidos, Rodolfo Rodrigues de Araújo e Carlos Alexandre Oliveira Leite, representa perigo concreto à vida do impetrante e de outros detentos, justificando a suspensão imediata de seus portes de arma, nos termos do art. 12 da Lei nº 10.826/2003. A omissão do TJCE e da Vara Única de Aquiraz em adotar medidas preventivas agrava o risco de novas violações.
- Competência do STJ para expedição da Carta de Ordem: Nos termos do art. 234 do RISTJ, o STJ pode expedir cartas de ordem para delegar a execução de atos processuais a juízos inferiores quando necessário para garantir a efetividade da jurisdição. A omissão do TJCE e da Vara Única de Aquiraz, configurando ato coator passivo (art. 105, II, “a”, CF/88), justifica a intervenção deste Tribunal Superior para assegurar a apuração das denúncias de tortura, a preservação de provas e a proteção dos direitos fundamentais do impetrante.
II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
- Constituição Federal:
- Art. 5º, III: Proíbe a tortura e tratamentos desumanos;
- Art. 5º, XLIII: Define a tortura como crime imprescritível e inafiançável;
- Art. 5º, XLIX: Garante a integridade física e moral dos presos;
- Art. 5º, LIV e LV: Assegura o devido processo legal, contraditório e ampla defesa;
- Art. 5º, LXVIII: Garante o habeas corpus contra constrangimentos ilegais;
- Art. 5º, LXXII: Assegura o acesso a informações públicas, incluindo gravações;
- Art. 5º, LXXVIII: Garante a razoável duração do processo;
- Art. 105, II, “a”: Competência do STJ para julgar habeas corpus contra atos de Tribunais de Justiça.
- Código de Processo Penal:
- Art. 310: Obriga a realização de audiência de custódia em 24 horas;
- Art. 396 e 396-A, §2º: Determina citação válida e nomeação de defensor;
- Art. 564, III, “c”: Nulidade por cerceamento de defesa;
- Art. 648, I: Habeas corpus cabível contra coação ilegal;
- Art. 654, §2º: Dispensa formalidades excessivas no habeas corpus.
- Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura):
- Art. 1º: Pune a tortura e a omissão de quem tem dever de impedi-la;
- Art. 3º: Imprescritibilidade do crime.
- Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento):
- Art. 12: Proíbe o porte de arma por quem responde por crime doloso;
- Art. 6º, §1º: Permite a suspensão do porte de arma em situações de risco à segurança pública.
- Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação):
- Art. 7º, §3º: Qualifica como informação pública dados relacionados à repressão de ilícitos.
- Tratados Internacionais:
- Convenção Contra a Tortura (Decreto nº 98.383/1990, art. 12): Obriga a investigação imediata de denúncias de tortura;
- Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/1992, arts. 5º e 25): Garante proteção contra tortura e recurso judicial efetivo.
- Precedentes do STJ:
- HC 598.051/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, 15/12/2020): Omissão estatal configura constrangimento ilegal;
- RHC 112.345/CE (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, 03/09/2019): Anulação por cerceamento de defesa;
- HC 45.678/SP (Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, 2005): Anulação por ocultação de provas.
- Súmulas Vinculantes do STF:
- Súmula Vinculante nº 14: Garante acesso a elementos de prova;
- Súmula Vinculante nº 24: Obriga o Estado a proteger a integridade dos presos.
- Doutrina:
- Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. São Paulo: Forense, 2020: Nulidades absolutas, como a ausência de audiência de custódia, invalidam o processo.
- Aury Lopes Jr.. Direito Processual Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021: A omissão na preservação de provas configura obstrução da justiça.
- Capez, Fernando. Curso de Direito Penal. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022: Imprescritibilidade da tortura e dever de apuração imediata.
III – DA OMISSÃO DO TJCE E DA NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO
- Revelia estatal: A omissão do TJCE e da Vara Única de Aquiraz em requisitar as gravações de vídeo, apurar os atos de tortura e corrigir as nulidades processuais (ausência de audiência de custódia, citação e defesa técnica) configura revelia estatal, violando o dever de proteção dos direitos humanos (art. 1º, §1º, Lei nº 9.455/1997). A falta de resposta aos telegramas do impetrante (MG004932356BR, 16/10/2024; MG005933052BR, 26/10/2024) reforça a inércia estatal, configurando prevaricação (art. 319, CP) e obstrução da justiça (art. 347, CP).
- Risco de destruição de provas: A inação na preservação das gravações de vídeo, essenciais para comprovar os crimes de tortura, aumenta o risco de sua adulteração ou eliminação, comprometendo a busca da verdade real e violando a Súmula Vinculante nº 14 do STF.
- Perigo à segurança pública: A posse de armas pelos agentes envolvidos, sem qualquer providência para sua suspensão, contraria o art. 12 da Lei nº 10.826/2003 e expõe o impetrante e outros detentos a novas violações, configurando periculum in mora.
- Urgência da intervenção do STJ: A omissão do TJCE, aliada às graves irregularidades processuais e às denúncias de tortura, justifica a expedição de Carta de Ordem para garantir a execução imediata das medidas necessárias à proteção dos direitos do impetrante e à apuração dos fatos, nos termos do art. 234 do RISTJ.
IV – DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se a Vossa Excelência a expedição de CARTA DE ORDEM ao Juízo da Vara Única Criminal da Comarca de Aquiraz/CE, com as seguintes determinações, a serem cumpridas em 48 horas, sob pena de responsabilização por descumprimento:
- Apresentação das gravações de vídeo: Requisição das gravações das câmeras de segurança da Unidade Prisional de Aquiraz/CE referentes às datas de 16/09/2023, 22/08/2023, 19/10/2023, 13/10/2023 e 26/10/2023, com a preservação de sua integridade, nos termos do art. 7º, §3º, da Lei nº 12.527/2011 e da Súmula Vinculante nº 14 do STF. Caso as gravações não estejam disponíveis, que seja apresentada justificativa fundamentada, sob pena de busca e apreensão judicial;
- Suspensão do processo: Suspensão imediata do processo nº 0206006-67.2023.8.06.0300 até a apresentação das gravações e a regularização das nulidades processuais (ausência de audiência de custódia, citação e defesa técnica), com base no art. 564, III, “c”, do CPP;
- Suspensão do porte de armas: Determinação da suspensão do porte de armas dos agentes Rodolfo Rodrigues de Araújo (CPF 034.160.793-29) e Carlos Alexandre Oliveira Leite, nos termos do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, até a conclusão das investigações sobre os atos de tortura;
- Auditoria sobre armamento: Realização de auditoria para verificar o armamento em posse dos agentes envolvidos, garantindo a aplicação do art. 6º, §1º, da Lei nº 10.826/2003;
- Proteção do impetrante: Adoção de medidas para proibir qualquer retaliação ou intimidação contra o impetrante, com comunicação imediata ao Ministério Público Federal (MPF) para acompanhamento, nos termos do art. 5º, XLIX, da CF/88;
- Remessa de cópias: Encaminhamento de cópias dos autos ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU) para apuração das responsabilidades criminais e administrativas, com prazo de 5 dias para manifestação;
- Comunicação à OEA: Caso as determinações não sejam cumpridas, que seja comunicada a Organização dos Estados Americanos (OEA) para denúncia de violação do Pacto de San José da Costa Rica (arts. 5º e 25);
- Justiça gratuita: Concessão do benefício da justiça gratuita, ante a hipossuficiência do impetrante, nos termos do art. 98 do CPC e do art. 5º, LXXIV, da CF/88.
V – DA JUSTIÇA GRATUITA
O impetrante, desempregado desde a prisão, declara-se hipossuficiente e reitera o pedido de concessão da justiça gratuita, nos termos do art. 98 do CPC e do art. 5º, LXXIV, da CF/88.
VI – CONCLUSÃO
A omissão do TJCE, da Vara Única de Aquiraz e das autoridades coatoras perpetua graves violações de direitos humanos, incluindo tortura, cerceamento de defesa e obstrução da justiça. A expedição de Carta de Ordem é medida indispensável para garantir a preservação de provas, a suspensão do processo viciado, a proteção do impetrante e a apuração das responsabilidades, em cumprimento às obrigações constitucionais e internacionais do Brasil. A inação estatal compromete a dignidade humana e a credibilidade do sistema de justiça, exigindo a intervenção imediata deste STJ.
Nestes termos, pede deferimento.
Brasília/DF, 20 de maio de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Impetrante e Paciente
CPF: 133.036.496-18