EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
HABEAS CORPUS
IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, com CPF 133.036.496-18.
PACIENTE: Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, brasileiro, residencia fixa e atualmente preso temporariamente.
AUTORIDADE COATORA: Juízo da Central de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela manutenção da prisão temporária do paciente em 29/05/2025.
EMENTA: Habeas Corpus. Prisão Temporária. Constrangimento Ilegal. Ausência de Fundamentação Idônea. Violação aos Princípios Constitucionais da Presunção de Inocência, Liberdade de Expressão e Proporcionalidade. Inobservância de Precedentes Judiciais e Súmulas Vinculantes. Pedido de Revogação da Prisão Temporária.
I. DOS FATOS
O paciente, Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, conhecido artisticamente como MC Poze do Rodo, foi preso temporariamente em 29/05/2025, em sua residência no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, por suposta prática de apologia ao crime (art. 287 do Código Penal) e envolvimento com a facção criminosa Comando Vermelho, conforme investigação conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). A prisão foi mantida pela Central de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por 30 dias, sob a justificativa de que o paciente realizaria shows em áreas dominadas pela facção, com a presença de traficantes armados, e que suas músicas incitariam o tráfico de drogas, o uso de armas e confrontos entre facções.
A defesa alega que a prisão temporária constitui constrangimento ilegal, por ausência de fundamentação idônea, violação de garantias constitucionais e desrespeito a precedentes judiciais, conforme detalhado a seguir.
II. DO DIREITO
A presente impetração busca a imediata revogação da prisão temporária do paciente, com fundamento nos artigos 5º, incisos II, XV, LIV, LV, LXI, LXV e LXVIII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), nos artigos 310, 312 e 313 do Código de Processo Penal (CPP), na Lei nº 7.960/1989 (Lei de Prisão Temporária) e em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
1. Da Ilegalidade da Prisão Temporária por Ausência de Requisitos Legais (Lei nº 7.960/1989)
A prisão temporária, regulada pela Lei nº 7.960/1989, exige o preenchimento concomitante dos requisitos do art. 1º, inciso III, que prevê sua decretação apenas quando imprescindível para as investigações, com indícios de autoria e materialidade de crimes graves, listados no art. 1º, inciso I. No caso, as acusações referem-se a apologia ao crime (art. 287 do CP) e associação com facção criminosa, mas a prisão não atende aos critérios legais:
- Ausência de Imprescindibilidade: O art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989 exige que a prisão seja indispensável para o andamento das investigações. Contudo, a decisão que manteve a prisão do paciente não demonstra, de forma concreta, como sua liberdade obstaria a investigação. A mera realização de shows em comunidades ou a composição de letras musicais não configura risco imediato às diligências policiais. A jurisprudência do STJ é clara ao exigir fundamentação concreta para a prisão temporária (STJ, HC 459.572/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 12/09/2018).
- Falta de Indícios Concretos: A acusação de associação com o Comando Vermelho baseia-se em suposições de que os shows seriam financiados pela facção e na presença de traficantes armados. Contudo, não há elementos objetivos que liguem o paciente diretamente ao financiamento ou à organização criminosa. A apreensão de uma BMW X6, joias e celulares, sem armas ou outros materiais ilícitos, não constitui prova suficiente de materialidade ou autoria. O STF já decidiu que meras conjecturas não justificam a prisão temporária (STF, HC 127.186, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 10/03/2016).
- Apologia ao Crime e Liberdade Artística: A acusação de apologia ao crime fundamenta-se nas letras das músicas do paciente, que supostamente incitam o tráfico e a violência. Contudo, o precedente do próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001 (4ª Câmara Criminal), absolveu o paciente de idêntica acusação por falta de provas e declarou a prescrição do crime de apologia ao crime, reconhecendo que suas letras se enquadram na liberdade de expressão artística (art. 5º, inciso IX, CF/88). A decisão reforça que a interpretação de letras musicais como apologia exige prova de dolo específico, o que não foi apresentado.
2. Da Violação à Presunção de Inocência (Art. 5º, LVII, CF/88)
A prisão temporária do paciente viola o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, que assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A decretação da prisão com base em suposições sobre o conteúdo de suas músicas e a localização de seus shows presume a culpa do paciente sem elementos probatórios robustos. O STF tem reiterado que medidas cautelares, incluindo a prisão temporária, devem ser excepcionais e fundamentadas em fatos concretos, não em ilações (STF, HC 180.414, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 15/10/2020).
3. Da Liberdade de Expressão e Criminalização da Arte Periférica (Art. 5º, IX, CF/88)
A acusação de apologia ao crime, centrada nas letras do paciente, constitui uma tentativa de criminalizar a arte periférica, em especial o funk, gênero musical historicamente associado às comunidades do Rio de Janeiro. O art. 5º, inciso IX, da CF/88 garante a liberdade de expressão artística, que só pode ser restringida em casos de dolo específico e impacto concreto na ordem pública. O STF, em julgamento paradigmático, reconheceu que a expressão cultural, ainda que provocadora, não pode ser equiparada a crime sem prova de incitação direta (STF, ADI 5.968, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 20/09/2019).
No caso, as letras do paciente refletem a realidade social das comunidades onde atua, funcionando como expressão artística e não como incitação ao crime. A defesa destaca que obras de outros gêneros, como filmes de Hollywood ou músicas de outros estilos, abordam temas semelhantes sem sofrerem persecução penal, evidenciando um tratamento discriminatório contra o funk. A equipe do paciente, em nota pública, denunciou a prisão como “racismo institucional” e “criminalização da arte periférica”, argumento que encontra eco na doutrina e na jurisprudência que protegem a liberdade cultural (STJ, HC 412.654/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 03/04/2018).
4. Da Ausência de Proporcionalidade e Necessidade da Medida
O art. 312 do CPP exige que a prisão preventiva ou temporária seja proporcional e necessária, com demonstração de risco concreto à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. No caso, a prisão temporária do paciente é desproporcional por diversas razões:
- Ausência de Risco à Ordem Pública: Não há evidências de que o paciente, um artista reconhecido, represente perigo iminente à sociedade. Seus shows, realizados em comunidades, são atividades profissionais lícitas, e a presença de traficantes armados, se verdadeira, não pode ser imputada ao paciente sem prova de sua participação ativa.
- Alternativas Menos Gravosas: O art. 319 do CPP prevê medidas cautelares alternativas, como monitoramento eletrônico ou proibição de frequentar determinados locais, que seriam suficientes para resguardar as investigações sem privar o paciente de sua liberdade. O STF tem enfatizado a necessidade de esgotar medidas menos gravosas antes de decretar a prisão (STF, HC 137.728, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 08/08/2017).
- Precedente de Absolvição: O acórdão do processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001, da 4ª Câmara Criminal deste Tribunal, absolveu o paciente de acusações semelhantes por falta de provas e declarou a prescrição do crime de apologia ao crime. A repetição de acusações sem novos elementos concretos sugere abuso de autoridade e persecução indevida.
5. Da Inobservância de Súmulas e Precedentes
A prisão temporária contraria precedentes do STF e STJ, bem como a Súmula Vinculante 10 do STF, que exige fundamentação idônea para medidas restritivas de direitos fundamentais. A decisão da Central de Audiência de Custódia não apresenta fatos concretos que justifiquem a prisão, limitando-se a generalidades sobre a suposta ligação com o Comando Vermelho e o conteúdo das músicas.
Além disso, a Súmula 593 do STJ estabelece que o crime de apologia exige prova de incitação pública e direta, o que não foi demonstrado no caso. As letras do paciente, ainda que abordem temas controversos, não configuram incitação direta, mas expressão artística protegida constitucionalmente.
6. Do Constrangimento Ilegal e Abuso de Autoridade
A prisão do paciente configura constrangimento ilegal (art. 5º, LXV, CF/88) por violar os princípios da legalidade, proporcionalidade e presunção de inocência. A ausência de provas concretas, a repetição de acusações já julgadas improcedentes e a criminalização de uma expressão cultural periférica evidenciam abuso de autoridade. A condução do paciente, descrita como “absurda” por sua equipe, reforça a percepção de perseguição, especialmente considerando seu perfil como artista oriundo de comunidades marginalizadas.
O STF já reconheceu que a prisão baseada em estereótipos ou preconceitos contra determinados grupos sociais é inconstitucional (STF, HC 143.641, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 20/02/2018). A insistência em acusações semelhantes às do processo de 2020, sem novos elementos probatórios, sugere uma tentativa de criminalizar o paciente por sua origem e atividade artística.
7. Do Pedido de Habeas Corpus
Diante do exposto, requer-se a concessão de habeas corpus para:
a) Revogar a prisão temporária do paciente Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, por ausência de requisitos legais (art. 1º, Lei nº 7.960/1989), violação à presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) e à liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF/88), e desrespeito a precedentes judiciais;
b) Subsidiariamente, caso Vossa Excelência entenda pela manutenção de medida cautelar, que seja aplicada medida alternativa à prisão, nos termos do art. 319 do CPP, como monitoramento eletrônico ou proibição de frequentar determinados locais;
c) A notificação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP;
d) A concessão de liminar, considerando a gravidade do constrangimento ilegal e o risco de dano irreparável à liberdade do paciente, nos termos do art. 660, § 2º, do CPP.
III. CONCLUSÃO
A prisão temporária do paciente Marlon Brandon Coelho Couto da Silva é manifestamente ilegal, por ausência de fundamentação idônea, violação de direitos constitucionais e desrespeito a precedentes judiciais. A repetição de acusações já julgadas improcedentes, aliada à criminalização de sua expressão artística, configura abuso de autoridade e perseguição indevida. A concessão do habeas corpus é medida de justiça para resguardar os direitos fundamentais do paciente e evitar a perpetuação de um constrangimento ilegal.
Termos em que,
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 30 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
Impetrante
CPF: 133.036.496-18