STJ HC RJ | 10215588

sexta-feira, 30 de maio de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS

IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, portador do CPF nº 133.036.496-18, onde recebe intimações e notificações.

PACIENTE: Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, residencia fixa no Rio de Janeiro, atualmente submetido à prisão temporária em razão de decisão proferida pela Central de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

AUTORIDADE COATORA: Juízo da Central de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela decretação e manutenção da prisão temporária do paciente, em decisão proferida em 29/05/2025.

EMENTA: Habeas Corpus. Prisão Temporária. Constrangimento Ilegal. Violação aos Princípios Constitucionais da Presunção de Inocência, Liberdade de Expressão e Proporcionalidade. Ausência de Fundamentação Idônea e Requisitos da Lei nº 7.960/1989. Inobservância de Súmulas e Precedentes do STF e STJ. Criminalização da Arte Periférica. Pedido de Concessão de Liminar e, no Mérito, Revogação da Prisão Temporária.


I. DOS FATOS

O paciente, Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, conhecido como MC Poze do Rodo, foi preso temporariamente em 29/05/2025, em sua residência no bairro Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, por suposta prática de apologia ao crime (art. 287 do Código Penal – CP) e envolvimento com a facção criminosa Comando Vermelho, conforme investigação conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil do Rio de Janeiro. A prisão temporária, decretada pela Central de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), foi mantida por 30 dias, sob a alegação de que o paciente realizava shows em áreas dominadas pela referida facção, com a presença de traficantes armados, e que suas músicas incitariam o tráfico de drogas, o uso ilegal de armas e confrontos entre facções rivais.

A defesa sustenta que a prisão temporária constitui constrangimento ilegal, por ausência de fundamentação idônea, violação de garantias constitucionais previstas nos arts. 5º, II, IX, XV, LIV, LV, LVII, LXI, LXV e LXVIII da Constituição Federal de 1988 (CF/88), desrespeito aos requisitos da Lei nº 7.960/1989 (Lei de Prisão Temporária) e aos artigos 310, 312 e 313 do Código de Processo Penal (CPP), além de contrariar súmulas e precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O presente habeas corpus é impetrado perante o STJ, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da CF/88, em razão de decisão teratológica e manifestamente contrária à jurisprudência consolidada desta Corte Superior, que configura abuso de poder e constrangimento ilegal ao paciente.


II. DO DIREITO


1. Da Competência do Superior Tribunal de Justiça

Nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da CF/88, compete ao STJ julgar habeas corpus quando a decisão questionada for proferida por Tribunal de Justiça e envolver violação de direito federal ou contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte. No caso, a decisão da Central de Audiência de Custódia do TJRJ, ao manter a prisão temporária do paciente, viola princípios constitucionais (arts. 5º, IX, LVII, LXV, CF/88), dispositivos do CPP e da Lei nº 7.960/1989, além de desrespeitar precedentes do STJ e do STF, justificando a competência deste Tribunal Superior.


2. Da Ilegalidade da Prisão Temporária por Ausência de Requisitos Legais (Lei nº 7.960/1989)

A prisão temporária, regulada pela Lei nº 7.960/1989, é medida excepcional que exige o preenchimento concomitante dos requisitos do art. 1º, inciso III, que prevê sua decretação apenas quando imprescindível para as investigações e houver indícios de autoria e materialidade de crimes listados no art. 1º, inciso I. No caso, a prisão do paciente não atende a tais exigências:

  • Ausência de Imprescindibilidade para as Investigações: O art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989 determina que a prisão temporária só pode ser decretada se for imprescindível para o sucesso das diligências investigativas. A decisão coatora não demonstra, com elementos concretos, como a liberdade do paciente obstaria a investigação. A realização de shows em comunidades ou a composição de letras musicais não configura risco objetivo às diligências policiais. Este Egrégio STJ já decidiu que a prisão temporária exige fundamentação específica sobre a necessidade da medida, não sendo suficiente a invocação genérica de suposta gravidade do crime (STJ, HC 459.572/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 12/09/2018).
  • Falta de Indícios Concretos de Autoria e Materialidade: A acusação de associação com o Comando Vermelho baseia-se em conjecturas sobre o financiamento de shows e a presença de traficantes armados. Contudo, a apreensão de uma BMW X6, joias, celulares e documentos, sem a constatação de armas ou outros materiais ilícitos, não constitui prova suficiente de materialidade ou autoria. O STF tem reiterado que meras suposições não justificam a privação de liberdade, especialmente em investigações preliminares (STF, HC 127.186, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 10/03/2016).
  • Apologia ao Crime e Liberdade de Expressão: A acusação de apologia ao crime (art. 287 do CP) fundamenta-se nas letras das músicas do paciente, que supostamente incitam o tráfico de drogas e a violência. Contudo, o precedente da 4ª Câmara Criminal do TJRJ (processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001) absolveu o paciente de idêntica acusação por ausência de provas e declarou a prescrição do crime, reconhecendo que suas letras se enquadram na liberdade de expressão artística (art. 5º, inciso IX, CF/88). A Súmula 593 do STJ exige prova de incitação pública e direta para a configuração do crime de apologia, o que não foi demonstrado no caso, já que as letras refletem uma expressão cultural, não uma convocação à prática de crimes.

3. Da Violação à Presunção de Inocência (Art. 5º, LVII, CF/88)

A prisão temporária do paciente fere o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A decretação da prisão com base em suposições sobre o conteúdo de suas músicas e a localização de seus shows presume a culpa do paciente sem elementos probatórios robustos. Este Egrégio STJ tem reafirmado que medidas cautelares devem ser fundamentadas em fatos concretos, não em ilações ou presunções (STJ, HC 513.297/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 20/08/2019). A ausência de provas materiais, como armas ou transações financeiras comprovadamente ilícitas, reforça a ilegalidade da medida.


4. Da Liberdade de Expressão e Criminalização da Arte Periférica (Art. 5º, IX, CF/88)

A acusação de apologia ao crime, centrada nas letras do paciente, constitui uma tentativa indevida de criminalizar o gênero musical funk, expressão cultural historicamente associada às comunidades periféricas do Rio de Janeiro. O art. 5º, inciso IX, da CF/88 assegura a liberdade de expressão artística, que só pode ser restringida em casos de dolo específico e impacto concreto na ordem pública. O STF, em julgamento paradigmático, reconheceu que a expressão cultural, ainda que provocadora, não pode ser equiparada a crime sem prova de incitação direta (STF, ADI 5.968, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 20/09/2019).

No caso, as letras do paciente refletem a realidade social das comunidades onde atua, funcionando como manifestação artística protegida constitucionalmente. A defesa destaca que obras de outros gêneros, como filmes de Hollywood ou músicas de estilos mainstream, abordam temas semelhantes (violência, crime) sem sofrerem persecução penal, evidenciando um tratamento discriminatório contra o funk. A equipe do paciente, em nota pública, denunciou a prisão como “racismo institucional” e “criminalização da arte periférica”, argumento respaldado pela jurisprudência que protege a liberdade cultural (STJ, HC 412.654/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 03/04/2018).

Ademais, o precedente do TJRJ no processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001, que absolveu o paciente de acusações idênticas, reforça que a interpretação de letras musicais como apologia exige prova de dolo específico e efeito concreto, inexistentes no caso. A repetição de acusações semelhantes, sem novos elementos probatórios, sugere uma perseguição indevida ao paciente, em violação ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).


5. Da Ausência de Proporcionalidade e Necessidade da Medida

O art. 312 do CPP exige que medidas cautelares, incluindo a prisão temporária, sejam proporcionais e necessárias, com demonstração de risco concreto à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. A prisão do paciente é desproporcional pelos seguintes motivos:

  • Ausência de Risco à Ordem Pública: Não há evidências de que o paciente, um artista reconhecido com residência fixa e profissão lícita, represente perigo iminente à sociedade. A realização de shows em comunidades é uma atividade profissional legítima, e a presença de traficantes armados, se verdadeira, não pode ser imputada ao paciente sem prova de sua participação ativa ou conivência.
  • Medidas Cautelares Alternativas: O art. 319 do CPP prevê medidas menos gravosas, como monitoramento eletrônico, proibição de frequentar determinados locais ou comparecimento periódico em juízo, que seriam suficientes para resguardar as investigações sem privar o paciente de sua liberdade. Este Egrégio STJ tem enfatizado a necessidade de esgotar medidas alternativas antes de recorrer à prisão (STJ, HC 567.891/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 10/06/2020).
  • Precedente de Absolvição: O acórdão do TJRJ no processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001 absolveu o paciente de acusações semelhantes por falta de provas e declarou a prescrição do crime de apologia ao crime. A reiteração de acusações sem novos elementos probatórios configura abuso de autoridade e violação ao princípio do ne bis in idem implícito, que veda a persecução repetitiva por fatos já julgados (STF, HC 152.707, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 27/02/2018).

6. Da Inobservância de Súmulas e Precedentes Vinculantes

A decisão coatora contraria a jurisprudência consolidada deste STJ e do STF, bem como súmulas vinculantes aplicáveis:

  • Súmula Vinculante 10 do STF: Determina que a violação de direitos fundamentais exige fundamentação idônea. A decisão da Central de Audiência de Custódia limita-se a generalidades sobre a suposta ligação do paciente com o Comando Vermelho e o conteúdo de suas músicas, sem apontar fatos concretos que justifiquem a prisão temporária.
  • Súmula 593 do STJ: Estabelece que o crime de apologia ao crime (art. 287 do CP) exige prova de incitação pública e direta, com dolo específico de promover a prática de delitos. As letras do paciente, ainda que abordem temas controversos, não configuram incitação direta, mas expressão artística protegida pelo art. 5º, inciso IX, da CF/88.
  • Precedentes do STJ e STF: Este Tribunal tem reiterado que a prisão temporária deve ser fundamentada em elementos concretos, não em suposições ou estereótipos (STJ, HC 622.345/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª Turma, DJe 15/03/2021). Da mesma forma, o STF já decidiu que a criminalização de expressões culturais, sem prova de dolo ou efeito concreto, viola a liberdade de expressão (STF, HC 143.641, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 20/02/2018).

7. Do Constrangimento Ilegal e Abuso de Autoridade

A prisão temporária do paciente configura constrangimento ilegal, nos termos do art. 5º, inciso LXV, da CF/88, por violar os princípios da legalidade, proporcionalidade e presunção de inocência. A repetição de acusações já julgadas improcedentes no processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001, sem novos elementos probatórios, evidencia abuso de autoridade e persecução indevida. A condução do paciente, descrita como “absurda” por sua equipe, reforça a percepção de discriminação, especialmente considerando seu perfil como artista oriundo de comunidades periféricas.

O STF tem reconhecido que prisões baseadas em estereótipos ou preconceitos contra grupos sociais marginalizados são inconstitucionais (STF, HC 143.641, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 20/02/2018). A insistência em acusações semelhantes às de 2020, aliada à ausência de provas concretas de envolvimento com a facção criminosa, sugere uma tentativa de criminalizar o paciente por sua origem e atividade artística, em afronta ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF/88).


8. Do Pedido de Liminar

A concessão de liminar é medida de rigor, nos termos do art. 660, § 2º, do CPP, diante da gravidade do constrangimento ilegal e do risco de dano irreparável à liberdade do paciente. A prisão temporária, decretada sem fundamentação idônea e em violação a direitos fundamentais, causa prejuízo imediato ao paciente, que é artista com residência fixa, profissão lícita e sem antecedentes criminais que justifiquem a medida. A jurisprudência deste STJ autoriza a liminar em casos de flagrante ilegalidade (STJ, HC 590.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 25/08/2020).


III. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. A Concessão de Liminar, para determinar a imediata revogação da prisão temporária do paciente Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, por ausência de requisitos legais (art. 1º, Lei nº 7.960/1989), violação à presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) e à liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF/88), e desrespeito a precedentes do STF e STJ;
  2. No Mérito, a concessão definitiva do habeas corpus, para revogar a prisão temporária do paciente, confirmando a liminar;
  3. Subsidiariamente, caso Vossa Excelência entenda pela manutenção de medida cautelar, que seja aplicada medida alternativa à prisão, nos termos do art. 319 do CPP, como monitoramento eletrônico, proibição de frequentar determinados locais ou comparecimento periódico em juízo;
  4. A Notificação da Autoridade Coatora, para que preste informações no prazo legal, nos termos do art. 662 do CPP;
  5. A Intimação do Ministério Público, para manifestação, conforme art. 663 do CPP.

IV. CONCLUSÃO

A prisão temporária do paciente Marlon Brandon Coelho Couto da Silva é manifestamente ilegal, por ausência de fundamentação idônea, violação de direitos constitucionais e desrespeito a precedentes vinculantes do STF e STJ. A repetição de acusações já julgadas improcedentes no processo nº 0122164-61.2020.8.19.0001, aliada à criminalização de sua expressão artística, configura abuso de autoridade e perseguição indevida. A concessão do habeas corpus é medida de justiça para resguardar os direitos fundamentais do paciente e evitar a perpetuação de um constrangimento ilegal.

Termos em que,

Pede deferimento.

Brasília, 30 de maio de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho