EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Processo de Origem: HC nº [Número do Processo no TJSP]
Processo STF nº: (a ser distribuído)
Natureza: Habeas Corpus Preventivo com Pedido de Liminar
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
Pacientes: A coletividade de pessoas reclusas na Penitenciária "Dr. José Augusto César Salgado", de Tremembé (SP), e, por extensão, todos os indivíduos submetidos ao sistema prisional brasileiro.
Autoridade Coatora: Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (por omissão)
HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
EMENTA
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. COLETIVO. COMPETÊNCIA DO STF (ART. 102, I, 'i', CF). GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO. OMISSÃO DE TRIBUNAL A QUO. AMEAÇA A CLÁUSULA PÉTREA (ART. 60, § 4º, IV, CF). PRODUÇÃO DE OBRA AUDIOVISUAL EM PRESÍDIO. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, CF). TRATAMENTO DEGRADANTE (ART. 5º, III, CF). SÚMULA VINCULANTE Nº 11 (ANALOGIA). DIREITO AO ESQUECIMENTO (TEMA 786/STF). ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL (ADPF 347). DESVIO DE FINALIDADE DA EXECUÇÃO PENAL (LEP E PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS). REGRAS DE MANDELA. RISCO À SEGURANÇA. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS. ORDEM QUE SE BUSCA CONCEDER PARA FAZER CESSAR A OMISSÃO E SUSPENDER A PRODUÇÃO DA OBRA.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, inscrito no CPF/MF sob o nº 133.036.496-18, vem, em causa própria, com o devido respeito e acatamento perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, e no artigo 102, inciso I, alínea 'i', ambos da Constituição Federal, impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS PREVENTIVO COLETIVO COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
em favor da COLETIVIDADE DE PESSOAS RECLUSAS NA PENITENCIÁRIA "DR. JOSÉ AUGUSTO CÉSAR SALGADO", DE TREMEMBÉ (SP), e, por extensão, de todos os indivíduos submetidos ao sistema prisional brasileiro, apontando como autoridade coatora o EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em razão de sua omissão em coibir a ameaça iminente de constrangimento ilegal, ato este que, pela gravidade e urgência, justifica a presente impetração perante esta Suprema Corte, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.
I - SÍNTESE DOS FATOS
Conforme noticiado amplamente pela imprensa nacional, encontra-se em produção uma série documental intitulada "Tremembé", cujo objeto é a exploração do cotidiano da Penitenciária "Dr. José Augusto César Salgado". A obra, com finalidade manifestamente comercial, pretende expor as histórias e os crimes de pessoas sob a custódia do Estado, transformando a execução penal em espetáculo.
Tal projeto representa uma grave ameaça aos direitos fundamentais dos pacientes, agravando a pena para além dos limites legais e impondo uma sanção moral e social perpétua. Provocado a se manifestar, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quedou-se inerte, omitindo-se de seu dever de garantir a observância dos direitos fundamentais no âmbito da execução penal sob sua jurisdição. Essa omissão permitiu que a ameaça de dano se tornasse iminente, não restando outra via senão a busca da tutela jurisdicional deste Pretório Excelso.
II - DO MÉRITO E DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
II.I - DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO
A presente impetração assume caráter coletivo (HC 143.641/STF), pois a ameaça de violação atinge um grupo determinado e identificável de pessoas – os reclusos da Penitenciária de Tremembé – cujas condições e direitos são homogêneos, justificando uma tutela jurisdicional única e abrangente.
II.II - DA COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE E DO DEVER CONSTITUCIONAL DE INTERVENÇÃO
A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o presente *Habeas Corpus* está insculpida no art. 102, I, 'i', da Carta Magna. Contudo, mais do que uma questão de competência, a intervenção desta Corte é um dever constitucional impostergável. Ao STF foi outorgada a missão precípua de ser o "guardião da Constituição", o que lhe impõe o poder-dever de agir sempre que os preceitos fundamentais da República estiverem sob ameaça, especialmente quando as instâncias ordinárias se omitem.
A omissão do Tribunal de Justiça de São Paulo em coibir a iminente e massiva violação de direitos fundamentais dos pacientes não é um mero ato processual; é uma falha que corrói a estrutura do Estado de Direito. A dignidade da pessoa humana e os direitos e garantias individuais constituem cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV, CF), e sua proteção contra qualquer ameaça, inclusive a decorrente da inércia do Judiciário, convoca a atuação desta Suprema Corte como órgão de cúpula e última trincheira da cidadania.
Ignorar a omissão do tribunal a quo seria anuir com a perpetuação de uma ilegalidade que atinge o núcleo essencial da Constituição. Portanto, a intervenção do STF não é uma opção, mas uma obrigação decorrente de sua própria razão de existir.
II.III - DA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
A dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF) é o pilar sobre o qual se assenta a República. A transformação da vida carcerária em produto de entretenimento é a negação cabal dessa dignidade. Essa prática submete os pacientes a um tratamento degradante (art. 5º, III, CF), análogo à exposição vexatória combatida pela Súmula Vinculante nº 11, que, embora trate do uso de algemas, firma o princípio de que a pessoa sob custódia não pode ser submetida a constrangimento desnecessário.
Ademais, as Regras de Mandela (Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos) estabelecem que o tratamento dos presos deve ter por objetivo "encorajar e promover neles a vontade de levar uma vida de acordo com a lei [...] e de se autossustentarem". A espetacularização da pena contraria frontalmente essa diretriz internacional, da qual o Brasil é signatário.
II.IV - DO DESVIO DE FINALIDADE DA EXECUÇÃO PENAL E O DIREITO AO ESQUECIMENTO
A Lei de Execução Penal (LEP) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Art. 10.3), internalizado pelo Decreto nº 592/1992, são expressos ao determinar que a finalidade essencial do sistema penitenciário é a reforma e a reabilitação social do condenado. A produção da série "Tremembé" atua em sentido diametralmente oposto, reforçando estigmas e violando o direito ao esquecimento (Tema 786/STF), que visa impedir a perpetuação de fatos passados que obstaculizem a ressocialização.
II.V - DA APOLOGIA AO CRIME E DO RISCO À SEGURANÇA PÚBLICA
A narrativa de obras do gênero, ao focar em figuras de notoriedade, inevitavelmente corre o risco de glamourizar o crime e seus autores, o que pode configurar a apologia de fato criminoso (Art. 287, CP). Além disso, a exposição detalhada da rotina e das instalações de uma unidade prisional representa um grave risco à ordem e à segurança pública, podendo ser utilizada por organizações criminosas.
II.VI - DA VIOLAÇÃO A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
A produção da série viola frontalmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), notadamente seus artigos 5º (Direito à Integridade Pessoal) e 11 (Proteção da Honra e da Dignidade), que vedam tratamentos degradantes e ingerências abusivas na vida privada, especialmente de pessoas sob a tutela do Estado.
II.VII - DA PONDERAÇÃO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
A liberdade de expressão, embora um pilar da democracia, não é um direito absoluto. Conforme decidido por esta Corte na ADPF 130, ela não pode servir de pretexto para a violação da dignidade, da honra e da imagem. No presente caso, a proteção à dignidade da pessoa presa, um grupo hipervulnerável, deve prevalecer sobre o interesse puramente comercial na exploração de sua história.
III - DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
O *fumus boni iuris* está robustamente demonstrado pela flagrante violação a dispositivos da Constituição Federal, da Lei de Execução Penal e de Tratados Internacionais, bem como pela jurisprudência consolidada deste Pretório Excelso (ADPF 347, Tema 786, Súmula Vinculante 11).
O *periculum in mora* é inquestionável. A iminente veiculação da obra audiovisual consumará um dano de impossível reparação à imagem, à honra e às perspectivas de ressocialização dos pacientes, além de gerar riscos concretos à segurança pública. A tutela de urgência é, portanto, indispensável para assegurar a eficácia da decisão final.
IV - DOS PEDIDOS
Ante o exposto, e com o devido acatamento, o Impetrante requer:
- A concessão de MEDIDA LIMINAR, *inaudita altera pars*, para determinar a IMEDIATA SUSPENSÃO de todos os atos de produção, edição, publicidade e veiculação da série documental "Tremembé", ou de qualquer outra obra com o mesmo objeto, sob pena de multa diária em valor a ser fixado por Vossa Excelência;
- A notificação da autoridade coatora, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para prestar informações;
- A intimação do Procurador-Geral da República para ofertar parecer;
- Ao final, no mérito, seja CONCEDIDA A ORDEM de *Habeas Corpus* para tornar definitiva a liminar, proibindo a produção e veiculação da referida série, como medida de justiça e de proteção à Constituição Federal.