EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Processo Originário: AgRg nos EDcl no Habeas Corpus nº 982662 - CE (2025/0054082-8)
Recorrente: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Advogado: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Recorrido: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
Interessados: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE), DIRETOR DA PENITENCIÁRIA DE AQUIRAZ - CE, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, por meio da Defensoria Pública da União, vem, com fundamento no artigo 102, inciso III, "a", da Constituição Federal (CF), e nos artigos 1.029 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), interpor o presente RECURSO EXTRAORDINÁRIO contra o acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido em 26/03/2025 e publicado em 02/04/2025 (e-STJ Fl. 47-48), que negou provimento ao agravo regimental nos embargos de declaração no habeas corpus supracitado, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.
I. DA TEMPESTIVIDADE
O acórdão recorrido foi publicado em 02/04/2025 (DJE/STJ nº 87). Considerando o prazo de 15 dias úteis previsto no art. 1.003, § 5º, do CPC, e que a data atual é 02/04/2025, o presente recurso é tempestivo, sendo protocolado dentro do prazo legal.
II. DOS FATOS E DA REPERCUSSÃO GERAL
2.1. Contextualização dos fatos
O Recorrente, Joaquim Pedro de Morais Filho, encontra-se detido na Penitenciária de Aquiraz-CE. Durante sua prisão, foi vítima de atos de tortura física e psicológica perpetrados por agentes públicos. Os eventos ocorreram entre setembro e outubro de 2023, incluindo:
- Aplicação de gás de pimenta enquanto algemado (19/10/2023): O uso de gás de pimenta como forma de punição ou intimidação viola frontalmente os princípios da dignidade humana e da proporcionalidade.
- Isolamento com risco de morte por facção criminosa (16/09/2023): O isolamento prolongado e sem justificativa plausível configura tratamento desumano e degradante, vedado pelo artigo 5º, inciso III, da CF.
- Destruição de câmeras de segurança (13/10/2023): A destruição intencional das câmeras de vigilância demonstra a tentativa de ocultar as arbitrariedades cometidas, configurando obstrução à apuração dos fatos.
- Novos atos de tortura (26/10/2023): Relatos indicam que os abusos continuaram mesmo após a denúncia inicial, evidenciando uma sistemática de violações.
As gravações de vídeo das câmeras de segurança, essenciais para a comprovação dos fatos, não foram apresentadas pelo Estado do Ceará, configurando grave omissão. Essa conduta viola o dever estatal de preservar provas relevantes para a elucidação de crimes, conforme a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a jurisprudência do STF.
2.2. Decisão do STJ e repercussão geral
O STJ, ao julgar o caso, entendeu que não há competência para análise do habeas corpus sob o argumento de ausência de exaurimento da instância ordinária (Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE). Contudo, tal decisão viola princípios constitucionais fundamentais, especialmente os relacionados à proteção contra tortura e à garantia do habeas corpus.
Este caso possui repercussão geral , pois a impunidade de atos de tortura em unidades prisionais afeta não apenas o Recorrente, mas toda a sociedade brasileira. A prática de tortura em presídios compromete a ordem constitucional, a dignidade humana e a credibilidade do sistema penitenciário nacional. Além disso, a omissão estatal pode resultar em responsabilização internacional do Brasil perante organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), violando o Pacto de San José da Costa Rica (arts. 5º e 25).
III. DA VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL E DA OBRIGATORIEDADE DE ANÁLISE PELO STF
3.1. Violação ao artigo 5º, incisos III, XLIII e LXVIII, da CF
A decisão do STJ contraria diretamente os seguintes dispositivos constitucionais:
- Artigo 5º, inciso III : Proíbe expressamente a tortura e qualquer tratamento desumano ou degradante. A omissão das autoridades em investigar e punir tais práticas viola este preceito fundamental.
- Artigo 5º, inciso XLIII : Estabelece a imprescritibilidade e inafiançabilidade do crime de tortura. A negativa de análise pelo STJ perpetua a impunidade e descumpre este comando constitucional.
- Artigo 5º, inciso LXVIII : Garante o direito ao habeas corpus contra ilegalidade ou abuso de poder. Ao negar conhecimento do habeas corpus, o STJ subverteu este instituto processual, criado justamente para proteger indivíduos contra abusos estatais.
Precedente relevante: No HC 94.789/RJ (Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, 03/03/2009), o STF reconheceu o dever estatal de apurar tortura independentemente de prescrição ou de conclusão de instâncias ordinárias.
3.2. Competência do STF para análise do caso
Nos termos do artigo 102, inciso I, "c", da CF, compete ao STF julgar habeas corpus quando o coator for tribunal superior, como o STJ. Ademais, o artigo 102, inciso III, "a", impõe ao STF a análise de recursos extraordinários que versem sobre violação de preceitos constitucionais, especialmente em casos de direitos humanos.
A gravidade da situação narrada torna imperiosa a intervenção desta Corte para garantir a supremacia da Constituição e a proteção do Recorrente. A ausência de análise pelo STF pode resultar em responsabilização internacional do Brasil, comprometendo a imagem do país no cenário global.
IV. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
4.1. Imprescritibilidade da tortura
O artigo 5º, XLIII, da CF e a Lei nº 9.455/1997 (art. 3º) estabelecem a imprescritibilidade do crime de tortura. Esta regra reflete o compromisso internacional do Brasil com a erradicação da tortura, conforme disposto no Pacto de San José da Costa Rica e na Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
A Súmula Vinculante nº 25 do STF reforça a vedação a penas cruéis, abrangendo a tortura como prática inaceitável em qualquer circunstância.
4.2. Dever de preservação de provas
A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011, art. 7º, § 3º) e a Resolução nº 10/2023 do TJCE (art. 9º) impõem às autoridades públicas o dever de preservar informações de interesse público, como as gravações de câmeras de segurança. A omissão na entrega dessas provas configura obstrução da justiça (art. 347, CP) e prevaricação (art. 319, CP).
4.3. Precedentes do STF
O STF já reconheceu a importância de analisar violações de direitos humanos em presídios em precedentes como:
- RE 627.432 (Rel. Min. Rosa Weber, 27/11/2013): Reconhecimento da repercussão geral de questões envolvendo violações de direitos humanos em presídios.
- HC 147.834 (Rel. Min. Edson Fachin, 20/06/2018): Admissão da análise de abusos estatais em situações de extrema gravidade.
Esses precedentes corroboram a necessidade de intervenção do STF no presente caso.
V. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Recebimento e provimento do presente Recurso Extraordinário , reconhecendo a violação aos artigos 5º, III, XLIII e LXVIII, da CF, para reformar o acórdão do STJ.
- Determinação de apresentação imediata das gravações de vídeo das datas indicadas (16/09/2023, 19/10/2023, 13/10/2023 e 26/10/2023), sob pena de revelia.
- Apuração da omissão e participação do Estado do Ceará e das autoridades coatoras (Diretor Rafael Mineiro Vieira, agentes Rodolfo Rodrigues de Araújo e Carlos Alexandre Oliveira Leite) nos crimes de tortura.
- Suspensão do porte de armas dos agentes envolvidos até a conclusão das investigações.
- Intimação do Ministério Público Federal para manifestação, nos termos do art. 127 da CF.
VI. DO ENCERRAMENTO
A negativa do STJ em conhecer o habeas corpus perpetua a impunidade de atos de tortura, violando a Constituição e tratados internacionais. A análise deste recurso pelo STF é imperativa para resguardar os direitos do Recorrente e reafirmar o compromisso do Brasil com a dignidade humana.
Nestes termos, pede deferimento.
Brasília-DF, 02 de abril de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Recorrente
CPF: 133.036.496-18
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Advogado