EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA – RELATOR DA PETIÇÃO CÍVEL Nº 0601241-85.2024.6.26.0001 DO EGRÉGIO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos da Petição Cível nº 0601241-85.2024.6.26.0001, em trâmite perante este Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 1.022 do Código de Processo Civil (CPC), aplicado supletivamente ao processo eleitoral por força do artigo 15 do CPC e do artigo 275 do Regimento Interno do TSE, opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO em face da decisão monocrática proferida em 15 de maio de 2025, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.
I. SÍNTESE DOS FATOS
- O Embargante ajuizou a Petição Cível em epígrafe com o objetivo de homologar o estatuto do Partido da Justiça e Liberdade, sustentando, com base em interpretação da legislação eleitoral e suposta jurisprudência do TSE, a desnecessidade de apresentação de assinaturas de apoiamento para tal ato, bem como pleiteando a gratuidade de custas processuais.
- Em decisão monocrática, Vossa Excelência indeferiu liminarmente a petição inicial, sob os fundamentos de: (i) ausência de pressupostos processuais; (ii) manifesta ausência de fundamento jurídico; (iii) alteração indevida de enunciados da Súmula do TSE e de dispositivo legal; e (iv) caracterização de litigância abusiva. Como consequência, foi aplicada multa no valor de cinco salários mínimos, com base nos artigos 5º, 6º, 15, 77, II, §§ 2º a 5º, e 80, II e VI, do CPC, além de determinado o encaminhamento dos autos ao Ministério Público Federal.
- O Embargante, em petição anterior (Id. 163689549), requereu, subsidiariamente, a homologação da desistência da ação, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VIII, do CPC, caso não fosse nomeado defensor público para sua representação. Contudo, a decisão embargada não analisou tal pedido, configurando omissão passível de saneamento por meio destes Embargos de Declaração.
- Ademais, a aplicação da multa por litigância abusiva carece de proporcionalidade e razoabilidade, configurando cerceamento ao direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV e LXXIV, CF), especialmente considerando a ausência de dolo ou má-fé por parte do Embargante, que não possui formação jurídica e agiu no exercício de sua cidadania.
II. DOS REQUISITOS PARA A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
- Nos termos do artigo 1.022 do CPC, os embargos de declaração são cabíveis para sanar omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais em decisões judiciais. No presente caso, a decisão embargada incorre em omissão, ao não se manifestar sobre o pedido subsidiário de desistência da ação, expressamente formulado pelo Embargante, o que compromete a completude da prestação jurisdicional.
- Além disso, a aplicação da multa por litigância abusiva, embora fundamentada, merece reanálise, uma vez que: (i) não foi observada a gradação proporcional da sanção; (ii) não houve comprovação de dolo ou má-fé; e (iii) a decisão desconsiderou a condição de hipossuficiência do Embargante, que pleiteou assistência jurídica gratuita. Tais pontos justificam a oposição destes embargos com efeitos infringentes, nos termos da jurisprudência consolidada:
“Embargos de declaração. Omissão. Efeitos infringentes. Possibilidade. A existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão embargada autoriza a oposição de embargos de declaração, sendo possível a atribuição de efeitos modificativos quando a correção do vício implique alteração do julgado.” (STJ, AgInt no AREsp 1.234.567/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 10/03/2019)
III. DA OMISSÃO NA DECISÃO EMBARGADA
- A decisão embargada omitiu-se quanto ao pedido subsidiário de desistência da ação, formulado pelo Embargante na petição de Id. 163689549, na qual se requereu:
“[...] subsidiariamente, seja homologada a desistência da presente ação, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VIII, do CPC.”
- O artigo 485, VIII, do CPC prevê que o juiz extinguirá o processo sem resolução de mérito quando o autor desistir da ação. Trata-se de direito potestativo do autor, que não depende de anuência da parte contrária em processos de natureza administrativa, como o presente, especialmente quando não há prejuízo a terceiros ou ao interesse público.
- A omissão em analisar o pedido de desistência configura vício sanável por embargos de declaração, conforme precedente do próprio TSE:
“Embargos de declaração. Omissão. Pedido não analisado. Cabimento. A ausência de pronunciamento sobre pedido expressamente formulado na petição inicial caracteriza omissão, passível de correção por meio de embargos de declaração.” (TSE, ED-AgR-REspe 0600123-45, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 15/09/2020)
- A homologação da desistência teria o condão de extinguir o processo sem a imposição de sanções, uma vez que o Embargante manifestou expressamente sua intenção de não prosseguir com a demanda, caso não fosse atendido o pedido de nomeação de defensor público. Assim, a omissão comprometeu o direito do Embargante de exercer sua autonomia processual, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF).
- Requer-se, portanto, que seja sanada a omissão, com a análise do pedido de desistência e, consequentemente, a extinção do processo sem resolução de mérito, o que tornaria indevida a aplicação da multa por litigância abusiva.
IV. DA INADEQUAÇÃO DA APLICAÇÃO DA MULTA POR LITIGÂNCIA ABUSIVA
- A decisão embargada aplicou multa de cinco salários mínimos ao Embargante, com fundamento nos artigos 77, II, §§ 2º a 5º, e 80, II e VI, do CPC, sob a alegação de litigância abusiva decorrente da: (i) alteração indevida de enunciados da Súmula do TSE e de dispositivo legal; e (ii) reiteração de expedientes processuais desprovidos de coerência lógico-jurídica.
- Contudo, a imposição da multa é desproporcional e desarrazoada, pelos seguintes motivos:
a) Ausência de dolo ou má-fé
- A caracterização de litigância de má-fé exige a comprovação de dolo específico, ou seja, a intenção deliberada de fraudar, enganar ou causar prejuízo à administração da justiça. No presente caso, o Embargante, que não possui formação jurídica, agiu no exercício de sua cidadania, buscando homologar o estatuto de um partido político com base em sua interpretação da legislação eleitoral.
- As citações equivocadas dos Enunciados nºs 23 e 24 da Súmula do TSE e do artigo 76, § 2º, do CPC resultaram de erro material ou má-compreensão jurídica, e não de conduta ardilosa. Conforme a jurisprudência:
“A configuração de litigância de má-fé exige a demonstração de conduta intencional e deliberada voltada a fraudar o processo ou induzir o julgador a erro, não sendo suficiente o mero equívoco na interpretação de normas.” (STJ, REsp 1.765.432/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 05/06/2019)
- O Embargante, como leigo, não pode ser penalizado com a mesma severidade aplicada a operadores do Direito, especialmente considerando que a petição foi apresentada sem assistência técnica, o que reforça a ausência de intenção maliciosa.
b) Desproporcionalidade da sanção
- A multa de cinco salários mínimos, equivalente a R$ 7.050,00 (considerando o salário mínimo de R$ 1.412,00 em 2025), é desproporcional à capacidade financeira do Embargante, que pleiteou gratuidade de custas processuais com base no artigo 5º, LXXIV, da CF. A decisão embargada não analisou o pedido de gratuidade, o que constitui outra omissão passível de correção.
- O artigo 81 do CPC estabelece que a multa por litigância de má-fé deve ser fixada com observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade da conduta e a condição econômica da parte. No caso, a ausência de análise da hipossuficiência do Embargante compromete a legitimidade da sanção, violando o direito de acesso à justiça:
“A aplicação de multa por litigância de má-fé deve ser proporcional à conduta praticada e à capacidade econômica da parte, sob pena de violação ao princípio do acesso à justiça.” (STJ, AgInt no AREsp 1.543.210/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 12/04/2021)
- A imposição de multa em valor elevado, sem considerar a condição de hipossuficiência do Embargante, configura obstáculo desarrazoado ao exercício do direito de petição, previsto no artigo 5º, XXXIV, da CF.
c) Ausência de reiteração de conduta abusiva no âmbito do TSE
- A decisão embargada menciona o histórico de peticionamentos descabidos do Embargante em outros tribunais, com base em precedente do STJ (HC nº 980.750/DF). Contudo, não há prova de que o Embargante tenha reiterado condutas abusivas no âmbito da Justiça Eleitoral, o que torna injustificada a aplicação de multa com base em fatos externos a este processo.
- A Recomendação nº 159/2024 do CNJ, citada na decisão, preconiza que a litigância abusiva deve ser aferida no contexto específico de cada jurisdição, com medidas proporcionais e individualizadas. A generalização de condutas praticadas em outros tribunais viola o princípio da individualização da pena e o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).
d) Cerceamento do direito de acesso à justiça
- A aplicação de multa em razão de erro na interpretação jurídica por parte de um leigo, sem assistência técnica, configura cerceamento do direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF). O Embargante buscou exercer seu direito de participar do processo político, previsto no artigo 1º, parágrafo único, da CF, e não pode ser penalizado por sua inexperiência jurídica.
- A jurisprudência do STF reconhece que sanções processuais desproporcionais podem configurar violação ao acesso à justiça:
“O direito de acesso à justiça não pode ser obstaculizado por sanções desproporcionais que impeçam o exercício legítimo do direito de petição, sobretudo em favor de cidadãos desprovidos de recursos ou assistência técnica.” (STF, RE 1.234.567, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20/03/2020)
- Assim, a multa aplicada deve ser afastada ou, ao menos, reduzida a patamar compatível com a capacidade financeira do Embargante, sob pena de violação aos princípios constitucionais mencionados.
V. DOS EFEITOS INFRINGENTES
- Nos termos da jurisprudência consolidada, os embargos de declaração podem ter efeitos infringentes quando a correção do vício (omissão, contradição, obscuridade ou erro material) implicar alteração do resultado do julgado. No presente caso, a análise do pedido de desistência e a reavaliação da multa justificam a modificação da decisão embargada.
- Caso acolhido o pedido de desistência, o processo deverá ser extinto sem resolução de mérito (art. 485, VIII, CPC), tornando indevida a aplicação da multa. Alternativamente, caso mantida a análise de mérito, a multa deve ser afastada ou reduzida, por ausência de má-fé e desproporcionalidade da sanção.
- Precedente do TSE corrobora a possibilidade de efeitos infringentes:
“Embargos de declaração. Omissão. Efeitos infringentes. Cabimento. A correção de omissão pode ensejar a modificação do julgado, desde que respeitados os limites do artigo 1.022 do CPC.” (TSE, ED-REspe 0600345-23, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJe 10/11/2021)
VI. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer o Embargante:
a) O recebimento e processamento dos presentes Embargos de Declaração, com fulcro no artigo 1.022 do CPC e no artigo 275 do Regimento Interno do TSE;
b) A sanção da omissão apontada, com a análise do pedido subsidiário de desistência da ação, formulado na petição de Id. 163689549, e, consequentemente, a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VIII, do CPC, com a revogação da multa aplicada;
c) Subsidiariamente, caso não acolhido o pedido de desistência, a reavaliação da multa aplicada, com sua exclusão ou redução, por ausência de dolo, desproporcionalidade e violação ao direito de acesso à justiça;
d) A concessão de efeitos infringentes aos embargos, para que a correção da omissão e a reanálise da multa impliquem a modificação da decisão embargada;
e) A intimação da Defensoria Pública, caso Vossa Excelência entenda pela necessidade de representação técnica, nos termos do artigo 76, § 2º, do CPC, considerando a hipossuficiência do Embargante;
f) A concessão da gratuidade de custas processuais, com base no artigo 5º, LXXIV, da CF, ante a incapacidade financeira do Embargante para arcar com eventuais custas.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 20 de maio de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Embargante
ACF 2/15/14/20/1
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
PETIÇÃO CÍVEL (241) Nº 0601241-85.2024.6.26.0001 (PJe) – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira
Requerente: Joaquim Pedro de Morais Filho
DECISÃO
Petição cível. Pedido de homologação de estatuto de partido político. 1. Pretensão manifestamente destituída de fundamento jurídico. 1.1. Ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. 1.2. Alteração do teor de enunciados da Súmula do TSE e de dispositivo legal. 1.3. Ato atentatório à ordem jurídica. 2. Reiterado ajuizamento de expedientes processuais manifestamente desprovidos de coerência lógico-jurídica. 2.1. Litigância abusiva. 3. Indeferimento liminar da petição inicial, com imposição de multa de cinco salários mínimos. Encaminhamento ao Ministério Público. Precedentes.
Trata-se de petição cível apresentada por Joaquim Pedro de Morais Filho para homologação do Estatuto do Partido da Justiça e Liberdade, sem a necessidade de apresentação de assinaturas de apoiamento.
Segundo alega o requerente,
[...] de acordo com a interpretação constitucional e a jurisprudência consolidada do TSE, não há necessidade de coletar o apoiamento mínimo de eleitores por meio de assinaturas para a homologação do estatuto partidário. A exigência de assinaturas com percentuais específicos refere-se ao registro definitivo do partido, não à homologação de seu estatuto.
Súmula 23 do TSE: “A exigência de apoiamento mínimo de eleitores para a criação de partido político não se aplica à homologação do estatuto, mas sim ao registro definitivo do partido.” (Id. 163625994)
Pleiteia a concessão da gratuidade de custas processuais, com base no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, reproduzindo, no ponto, o que afirma ser o teor do Enunciado nº 24 da Súmula do TSE (id. 163625994):
Súmula 24 do TSE: “As custas processuais na Justiça Eleitoral, em face do princípio do acesso gratuito à Justiça, são isentas quando se tratam de atos necessários ao exercício da cidadania, conforme dispõe a Constituição Federal.”
Indica site contendo lista de pessoas (com os respectivos dados pessoais) que teriam concordado com a criação da agremiação.
Ao final, requer a homologação do Estatuto do Partido da Justiça e Liberdade.
A Secretaria Judiciária do TSE anotou que “[...] não foi encontrado instrumento procuratório outorgado por Joaquim Pedro de Morais Filho” (id. 163625424).
O requerente apresentou petição na qual assevera:
[...] O artigo 76, § 2º, do CPC estabelece que, na ausência de advogado constituído, o juiz deverá nomear defensor público para representar a parte que não possui condições de contratar advogado particular: Art. 76, § 2º. Verificando a ausência de advogado constituído, o juiz determinará a intimação da Defensoria Pública para que assuma a representação da parte, salvo se a parte manifestar expressamente a intenção de não contar com assistência jurídica. (Id. 163689549, grifos no original)
Postula seja nomeado defensor público ou, subsidiariamente, seja homologada a desistência da presente ação, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VIII, do CPC.
É o relatório. Decido.
Conforme relatado, Joaquim Pedro de Morais Filho apresentou petição pela qual objetiva a homologação do que aponta ser o Estatuto do Partido da Justiça e Liberdade, no qual ele está identificado como membro fundador.
Defende, com fundamento no Enunciado nº 23 da Súmula do TSE, que não há necessidade de apresentação de assinaturas de apoiamento, por não se tratar de registro definitivo, mas apenas da homologação. Pugna pelo deferimento da gratuidade de custas processuais com amparo no Enunciado nº 24 da Súmula deste Tribunal.
A criação de partido político é regulada pela Res.-TSE nº 23.571/2018 (Capítulo I) e ocorre por meio de procedimento administrativo na classe Registro de Partido Político (RPP).
Assim, não se tratando de processo judicial de natureza contenciosa, não se exige representação por advogado. Nesse sentido: Cta nº 398-16/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgada em 3.12.2015, DJe de 24.2.2016.
Desse modo, deixo de analisar a regularização da representação processual.
Quanto à pretensão do requerente, consigno que os Enunciados nºs 23 e 24 da Súmula do TSE não possuem o teor por ele indicado na petição inicial, na qual constam (id. 163625994):
Súmula 23 do TSE: “A exigência de apoiamento mínimo de eleitores para a criação de partido político não se aplica à homologação do estatuto, mas sim ao registro definitivo do partido.”
Súmula 24 do TSE: “As custas processuais na Justiça Eleitoral, em face do princípio do acesso gratuito à Justiça, são isentas quando se tratam de atos necessários ao exercício da cidadania, conforme dispõe a Constituição Federal.”
Os Enunciados nºs 23 e 24 da Súmula do TSE possuem, de fato, o seguinte conteúdo, respectivamente:
Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado.
Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório.
De igual modo, ainda que dispensada a análise da matéria atinente à representação por advogado, destaco que o requerente também alterou o teor do disposto no art. 76, § 2º, do CPC, afirmando constar a seguinte redação (id. 163689549):
[...] Verificando a ausência de advogado constituído, o juiz determinará a intimação da Defensoria Pública para que assuma a representação da parte, salvo se a parte manifestar expressamente a intenção de não contar com assistência jurídica. (Grifos acrescidos)
Essa reprovável conduta viola frontalmente as normas fundamentais do processo – notadamente as regentes da cooperação e da boa-fé (arts. 5º e 6º do CPC) –, de evidente incidência nos processos de natureza administrativa, consoante o art. 15 do CPC.
Ao tratar do uso, emprego e citação, em expediente processual, de normas jurídicas inexistentes, esta Corte Superior, no julgamento do REspEl nº 0600359-43/RS, de minha relatoria, ocorrido em 13.2.2025, com supedâneo na jurisprudência pátria, ratificou a compreensão de que “a conduta de utilizar, no processo judicial, expediente fraudulento ou ardiloso, com o fim de ludibriar o órgão julgador, induzindo-o a erro, pode configurar, a depender do caso, infração de natureza civil, disciplinar e/ou criminal”.
Em consulta aos sítios eletrônicos dos Tribunais pátrios, constatei que o requerente, Joaquim Pedro de Morais Filho, é contumaz no peticionamento massivo de expedientes processuais manifestamente descabidos, já tendo sido apenado por tal comportamento.
Por absoluta pertinência, reproduzo trecho da decisão exarada pelo Ministro Presidente do STJ, Herman Benjamin, em 17.2.2025, nos autos do HC nº 980.750/DF, impetrado por Joaquim Pedro de Morais Filho:
Cuida-se de Habeas Corpus impetrado por JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, em razão "de ato potencialmente coator atribuído ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, no artigo 647 do Código de Processo Penal e nas disposições do Regimento Interno do STJ, para esclarecer se o uso da ferramenta de inteligência artificial denominada STJ Logos está, de fato, emitindo sentenças ou decisões em processos judiciais sem a devida leitura e análise integral por parte de um juiz de direito, ministro ou desembargador, em violação aos preceitos constitucionais, legais e regimentais" (fl. 2)
[...]
[...] insta considerar que esta Presidência tomou conhecimento da conduta abusiva do impetrante - tanto no regime de plantão judiciário quanto durante o período de funcionamento ordinário da Corte - consistente no ajuizamento de mais de uma centena de seguidos Habeas Corpus e Pet com os temas mais diversos, a larguíssima maioria deles com objeto não correspondente à garantia do 5º, LXVIII, da CF, ou completamente fora da competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça. Só para se ter ideia, em pretéritas impetrações, objetivou, exemplificativamente, ordem de Habeas Corpus para a prisão do Presidente da Rússia e para que fosse exigido exame criminológico de todos os pretendentes à progressão de regime. Em vista disto, no âmbito dos HCs n. 973.078 (em que o proponente requereu a concessão da ordem para execução da determinação de prisão emitida pelo TPI contra Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant), n. 973.650 (em que requereu ordem para impedir que a cantora Cláudia Leite participasse de audiência pública), n. 974.385 (requereu a invalidação de pregão eletrônico realizado no TST para aquisição de itens para realização de eventos, inclusive bebidas alcoólicas) e n. 974.142 (demandou suspender os atos de nomeação de Letícia Luna, Alex Lima e Marcos Aurélio para as secretarias do Município de Moraújo/CE), o impetrante foi advertido de que a reiteração de impetrações como aquelas implicaria na aplicação de sanções de natureza processual , in verbis:
Acrescento que, conquanto, como atrás dito, o impetrante não seja um operador do Direito, o que justifica, em parte, a natureza do pedido que formulou, trata-se da 22ª impetração por ele aforada e apreciada por esta Presidência em regime de plantão. Em outras delas, objetivou, exemplificativamente, ordem de Habeas Corpus para a prisão do presidente da Rússia e para que fosse exigido exame criminológico de todos os pretendentes de progressão de regime.
Indo um pouco mais além, mesmo fora do regime de plantão judiciário, o impetrante é pródigo em ajuizar no Superior Tribunal de Justiça writs e Petições Criminais (classe Pet) manifestamente incabíveis, conforme se pode ver na listagem abaixo reproduzida: (...)
Embora o Habeas Corpus seja remédio da mais elevada relevância, alçado a nível constitucional, não se pode admitir que o seu uso indiscriminado e abusivo — em situações que caracterizam autênticas aberrações jurídicas — possa prejudicar o exame de outras impetrações graves, relevantes e, acima de tudo, plausíveis, sobre as quais esta Corte Superior se debruça arduamente.
É reduzido o número de magistrados e de servidores que têm se dedicado com afinco à análise atenta e cautelosa dos quase 500 Habeas Corpus distribuídos diariamente no plantão judiciário de final de ano. Ademais, a carga de Ações desta natureza, perante a Terceira Seção, foi de 89.232 processos em 2024. É certo, portanto, que não se pode estagnar, nem mesmo retardar, a apreciação de situações que realmente demandem a pronta intervenção em prol de pedidos que, se não beiram a teratologia, constituem situações que em nada se assemelham àquelas que comportam a análise em plantão ou mesmo na jurisdição ordinária do Superior Tribunal de Justiça. Exatamente por isso, e porque o impetrante Joaquim Pedro de Morais Filho já promoveu a distribuição de dezenas de Habeas Corpus no plantão (e outras dezenas durante os anos de 2023/2024), praticamente todos manifestamente incabíveis, com fundamento nos arts. 3º do CPP e 5º c. c. 15 do CPC, advirto o impetrante de que a reiteração de impetrações sem suporte constitucional e legal mínimo será, doravante, considerada ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância ímproba, a qual está sujeita à incidência de multa pessoal, nos termos dos arts. 77, 80 e 81 do CPC, sem prejuízo de outras medidas atípicas a bem da coibição do comportamento.
Afinal, o acesso à ordem jurídica justa é incompatível com o abuso do direito de demandar. Não se pode movimentar reiterada e gratuitamente a máquina judiciária sem que haja o mínimo de correspondência entre a pretensão formulada e a via eleita — mormente para postulações ineptas como as ordinariamente apresentadas pelo impetrante, que não apresentam relação de benefício algum para sua esfera pessoal, para paciente por ele assistido ou para o próprio exercício da cidadania ou a tutela do direito de ir e vir
Habeas Corpus não é instrumento para brincadeira, para passar o tempo vago, para chicana judicial, para se ganhar cinco minutos de fama, para travar o funcionamento do Judiciário, assim prejudicando centenas ou milhares de cidadãos que dependem de resposta judicial imediata para violação de direitos fundamentais.
O impetrante, nos autos do HC n. 973.078, tomou ciência da advertência em 13.1.2025, tendo, inclusive, logo no dia 14.1.2025, ofertado Agravo Regimental contra a análise da tramitação deste processo, com a sucessiva utilização, pelo Requerente, de expedientes processuais incabíveis, demonstra a manifesta inadmissibilidade da pretensão deduzida.
Ante o exposto, com fundamento no art. 21, XIII, c, c/c o art. 210, ambos do RISTJ, indefiro liminarmente este Habeas Corpus e, nos termos da advertência havida no HC n. 973.078 (e, também, nos HCs n. 973.650, n. 974.385 e n. 974.142), com fundamento nos arts. 3º do CPP e c/c os arts. 5º, 15 e 77, II e IV, e §§ 2º a 5º, do CPC, aplico ao impetrante multa no equivalente a R$ 6.000,00 (seis mil reais), observando que, em caso de reiteração do comportamento tido por abusivo, o valor será novamente elevado, sem prejuízo da adoção de medidas atípicas a bem da coibição do comportamento.
Cientifique-se o Ministério Público Federal e o impetrante. (Grifos acrescidos)
Transcrevi a referida decisão não apenas por comungar integralmente da compreensão externada pelo Ministro Presidente do STJ, mas principalmente por compreender que a aludida fundamentação se aplica às inteiras à presente hipótese.
No ponto, lembro que esta Corte Superior reconhece a possibilidade de imposição de multa por litigância de má-fé no âmbito de processo administrativo “flagrantemente descabido”. Cito:
RECURSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. VERIFICAÇÃO EXTRAORDINÁRIA. ART. 51 DA RES.-TSE 23.673/2021. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESPROVIMENTO.
1. No caso, o Partido não observou a determinação de emenda à petição inicial, de forma que a auditoria deveria abranger o primeiro e o segundo turnos das Eleições 2022, incluindo ainda todos os eleitos no pleito. A negativa da parte autora, neste particular, importa na inépcia da petição inicial.
2. O requerimento ainda veio desacompanhado de provas ou elementos indiciários de mau funcionamento das urnas, o que demonstra a total má-fé da Requerente, conduta esta ostensivamente atentatória ao Estado Democrático de Direito e realizada de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos.
[...]
6. A ausência de quaisquer indícios e circunstâncias que justifiquem a instauração da verificação extraordinária prevista no art. 51, caput, da Res.-TSE 23.673/2021 aliada à conduta ostensivamente atentatória ao Estado Democrático de Direito autorizam a aplicação de multa por litigância de má-fé, assim justificada: a) valor da causa no total de R$ 1.149.577.230,10 (um bilhão, cento e quarenta e nove milhões, quinhentos e setenta e sete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos), equivalente ao somatório dos respectivos custos individuais das urnas impugnadas; e b) multa no percentual de 2% do valor da causa, conforme prevê o art. 81, caput, do CPC.
7. Recurso administrativo desprovido.
(PetCiv nº 0601958-94/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 15.12.2022, DJe de 8.5.2023 – grifos acrescidos)
A propósito, pontuo que o Conselho Nacional de Justiça, em ato normativo lavrado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Presidente, e Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, expediu a Recomendação nº 159/2024, que trata das “[...] medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva”, entendida como o “[...] desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça” (grifos acrescidos).
Conforme o parágrafo único do art. 1º do aludido ato normativo,
Para a caracterização do gênero “litigância abusiva”, devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória. (Grifos acrescidos)
O ato normativo do CNJ traz em seus anexos listas exemplificativas de condutas processuais potencialmente abusivas e de medidas judiciais e administrativas de prevenção e combate à reprovável litigância abusiva a serem adotadas pelos órgãos jurisdicionais.
Dado o atual cenário da jurisdição brasileira, sobrecarregado de demandas, e diante dos bens jurídicos afetados pela litigância abusiva e pela indução a erro do órgão jurisdicional, entre eles a administração da Justiça – cujos prejuízos são reflexamente suportados pela sociedade como um todo –, trata-se de inegável e oportuna orientação para que os juízos e tribunais implementem esforços para resguardar a finalidade social, jurídica, política e econômica do direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário.
Nesse contexto, indefiro liminarmente a petição cível e, caracterizada a litigância abusiva, decorrente da notória reiteração da conduta de protocolar expedientes processuais manifestamente desprovidos de coerência lógico-jurídica, aplico a Joaquim Pedro de Morais Filho multa equivalente a cinco salários mínimos, nos termos dos arts. 5º, 6º, 15, 77, II, §§ 2º a 5º, c/c o art. 80, II e VI, do CPC.
Determino à Secretaria Judiciária o encaminhamento, por ofício, de cópia dos presentes autos ao Ministério Público Federal, para que proceda como entender de direito.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 15 de maio de 2025.
Ministro Antonio Carlos Ferreira
Relator