RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Excelentíssimo(a) Senhor(a) Ministro(a) Presidente do Supremo Tribunal Federal
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado que esta subscreve (procuração anexa), com fundamento nos artigos 5º, inciso XXXIV, “a”, e 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal de 1988, bem como na Lei nº 9.882/1999 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, propor a presente:
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
em face da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que autorizou o ex-Presidente da República FERNANDO COLLOR DE MELLO a cumprir pena em prisão domiciliar, conforme decisão proferida em 1º de maio de 2025, nos autos da Execução Penal (EP) 131, sob a alegação de doenças graves, e da ausência de transferência para unidade penitenciária em cela comum, considerando que tal decisão viola preceitos constitucionais e compromissos internacionais do Brasil no combate à corrupção, especialmente perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), com fulcro nos argumentos e pedidos a seguir expostos.
I. DOS FATOS
- Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello, na Ação Penal (AP) 1.025, à pena de 8 anos e 10 meses de prisão em regime inicial fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em esquema envolvendo a BR Distribuidora, no âmbito da Operação Lava Jato (,).
- A condenação foi confirmada em novembro de 2024, com a rejeição dos embargos de declaração apresentados pela defesa, consolidando o trânsito em julgado da decisão (,).
- Em 24 de abril de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes determinou o cumprimento imediato da pena, resultando na prisão de Collor em Maceió, Alagoas, inicialmente custodiado em cela individual no Presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira (,).
- Em 1º de maio de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar humanitária a Collor, nos autos da Execução Penal (EP) 131, com base em laudos médicos que atestam doenças graves (Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar), exigindo o uso de tornozeleira eletrônica e impondo restrições como suspensão de passaporte e limitação de visitas (ConJur, 1º de maio de 2025).
- A decisão foi fundamentada na compatibilização entre a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e a efetividade da justiça penal, com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou a medida proporcional à idade (75 anos) e ao quadro de saúde do condenado.
- Contudo, a concessão de prisão domiciliar, sem transferência para unidade penitenciária comum e em tempo exíguo após a prisão, reforça a percepção de tratamento privilegiado, especialmente considerando a gravidade dos crimes cometidos, que envolveram o recebimento de R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos da BR Distribuidora com a UTC Engenharia (,).
- A manutenção de benefícios vitalícios a ex-presidentes, conforme o Decreto nº 6.381/2008, incluindo veículos oficiais, motoristas e assessores, também persiste, mesmo após a condenação criminal transitada em julgado, configurando afronta aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e igualdade (,).
- Tal cenário compromete a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional, especialmente no cumprimento de pactos anticorrupção assinados no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), como a Convenção Interamericana contra a Corrupção, e da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC).
- A presente reclamação busca corrigir essas violações, assegurando a supremacia da Constituição Federal, a igualdade perante a lei e o cumprimento das obrigações internacionais do Brasil no combate à corrupção.
II. DO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
- A reclamação constitucional é o instrumento adequado para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal e garantir a autoridade de suas decisões, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal, bem como para assegurar o cumprimento de preceitos fundamentais violados por atos judiciais ou administrativos (STF, Rcl 2.138, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 27/04/2001).
- No presente caso, a decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, sem observância rigorosa dos requisitos legais e em tempo exíguo, e a manutenção de benefícios vitalícios violam diretamente os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput), moralidade administrativa (art. 37, caput), dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e eficiência (art. 37, caput), além de comprometerem o cumprimento de tratados internacionais anticorrupção.
- A Súmula Vinculante nº 10 do STF reforça que a inobservância de princípios constitucionais por atos normativos ou decisões judiciais é passível de correção por reclamação, especialmente quando configuram desvio de finalidade ou violação à ordem constitucional.
- Ademais, a reclamação é cabível para evitar que decisões judiciais perpetuem um estado de coisas inconstitucional, como o tratamento privilegiado a condenados por crimes graves, que mina a confiança no sistema de justiça e compromete obrigações internacionais do Brasil (STF, ADPF 347, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/03/2016).
III. DA VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL
a) Da Concessão Indevida de Prisão Domiciliar
- A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) estabelece, em seu artigo 117, que a prisão domiciliar é uma medida excepcional, aplicável a condenados em regime aberto ou em situações específicas, como doença grave que exija cuidados especiais, desde que comprovada por laudo médico idôneo e que a medida seja indispensável.
- No caso, embora a defesa de Collor tenha apresentado laudos atestando Parkinson, apneia do sono e transtorno afetivo bipolar, não há demonstração inequívoca de que tais condições sejam incompatíveis com o cumprimento da pena em unidade penitenciária comum, especialmente considerando que o STF determinou o regime inicial fechado ().
- A jurisprudência do STF exige rigor na concessão de benefícios penais, especialmente em casos de crimes graves como corrupção e lavagem de dinheiro, que atentam contra a ordem pública e a confiança nas instituições (STF, HC 126.292, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/05/2016).
- A decisão de conceder prisão domiciliar, apenas uma semana após o início do cumprimento da pena, sem esgotar a análise de alternativas como adaptações no presídio, configura desvio de finalidade e viola o princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF), ao conceder tratamento privilegiado em razão da condição de ex-presidente.
- A Súmula 718 do STF reforça que a gravidade do crime não justifica tratamento mais severo, mas, por analogia, a notoriedade do condenado ou sua posição social não pode justificar benefícios excepcionais, sob pena de perpetuar desigualdades no sistema penal.
b) Da Manutenção de Benefícios Vitalícios
- O Decreto nº 6.381/2008 assegura a ex-presidentes benefícios como veículos oficiais, motoristas e assessores, mas não prevê sua suspensão em caso de condenação criminal transitada em julgado. Contudo, a interpretação sistemática da Constituição Federal impõe a suspensão desses privilégios, sob pena de violação aos princípios da moralidade e impessoalidade (art. 37, caput, CF).
- A Súmula Vinculante nº 13 do STF estabelece que os princípios do artigo 37, caput, têm aplicação imediata, vedando práticas que impliquem privilégios incompatíveis com a moralidade administrativa. A manutenção de benefícios a um condenado por corrupção, custeados pelo erário, é uma afronta à soberania popular e à dignidade do povo brasileiro (STF, ADI 5.619, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 10/08/2018).
- O artigo 15, inciso III, da Constituição determina a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. Embora o Decreto nº 6.381/2008 não mencione direitos políticos, a concessão de regalias administrativas a um condenado implica tratamento privilegiado, violando a igualdade perante a lei (art. 5º, caput, CF).
c) Da Violação de Pactos Internacionais Anticorrupção
- O Brasil é signatário de tratados internacionais que impõem o combate rigoroso à corrupção, incluindo a Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA, 1996), internalizada pelo Decreto nº 4.410/2002, e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), internalizada pelo Decreto nº 5.687/2006.
- A Convenção Interamericana contra a Corrupção, em seu artigo III, estabelece medidas preventivas, como a promoção de padrões éticos na administração pública e a garantia de punição efetiva aos atos de corrupção. O artigo VIII reforça a obrigação de criminalizar a corrupção passiva e garantir a execução das penas.
- A UNCAC, em seu artigo 30, determina que os Estados-Partes devem assegurar a proporcionalidade na aplicação das penas, considerando a gravidade dos crimes de corrupção, e evitar benefícios indevidos que comprometam a confiança pública no sistema de justiça.
- A concessão de prisão domiciliar e a manutenção de benefícios vitalícios a Collor contrariam essas obrigações, pois sugerem leniência no combate à corrupção, especialmente em um caso de trânsito em julgado envolvendo crimes que causaram prejuízo de R$ 20 milhões ao erário ().
- A OEA, por meio do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC), avalia o cumprimento das obrigações anticorrupção pelos Estados-membros. A leniência no caso Collor pode ensejar recomendações ou sanções diplomáticas, comprometendo a reputação internacional do Brasil.
- Como destacado por Garcia (2011), as convenções internacionais anticorrupção influenciaram a edição da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que reforça a responsabilidade administrativa e penal por atos de corrupção, exigindo do Estado brasileiro medidas efetivas para punir os responsáveis (GARCIA, Mônica Nicida. Três Convenções Internacionais Anticorrupção e seu impacto no Brasil. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN; ADRI, Renata Porto (Coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2011).
d) Precedentes de Casos Semelhantes
- No caso do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o STF determinou o cumprimento da pena em instalações da Polícia Federal, mas sem manutenção de benefícios administrativos, reforçando a aplicação isonômica da lei penal (STF, HC 152.752, Rel. Min. Edson Fachin, DJ 07/04/2018).
- No julgamento da AP 470 (Mensalão), o STF determinou a execução imediata das penas, sem concessão de privilégios, mesmo a condenados de alto perfil político (STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 14/11/2013).
- Esses precedentes demonstram que a condição de ex-presidente não isenta o condenado das regras gerais da execução penal, especialmente em crimes que atentam contra a administração pública.
IV. DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL
- Caso este Tribunal entenda que a decisão de prisão domiciliar ou a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 são compatíveis com a ordem jurídica, requer-se a arguição incidental de inconstitucionalidade de sua interpretação que permita benefícios a condenado criminalmente.
- Tal interpretação viola os artigos 5º, caput, 15, inciso III, e 37, caput, da Constituição, por conferir privilégios incompatíveis com a moralidade, a igualdade e a suspensão de direitos políticos.
- A jurisprudência do STF, consolidada na ADI 2 (Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 06/09/1991), estabelece que atos normativos contrários à Constituição são inválidos. Por analogia, a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 ou a concessão de prisão domiciliar sem rigoroso embasamento fático-jurídico deve ser afastada.
V. DO RISCO DE AFRONTA À OEA E ÀS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS
- A leniência no caso Collor pode ensejar a atuação da OEA, especialmente por meio do MESICIC, que monitora o cumprimento da Convenção Interamericana contra a Corrupção. Relatórios do MESICIC já apontaram deficiências no sistema brasileiro de execução penal e na punição de altos funcionários (MESICIC, Relatório do Brasil – Quinta Rodada, 2018).
- A Corte Interamericana de Direitos Humanos, embora focada em direitos humanos, tem interpretado a corrupção como uma ameaça à democracia e à dignidade, exigindo dos Estados medidas efetivas para combatê-la (Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, 2010).
- A percepção de impunidade no caso Collor pode levar a denúncias internacionais, comprometendo a posição do Brasil no sistema interamericano e na ONU, especialmente em um contexto de crescente escrutínio global sobre corrupção.
VI. DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA
- Diante da gravidade da situação, requer-se a concessão de medida liminar para:
a) Suspender a decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, determinando sua transferência para unidade penitenciária compatível com o regime fechado, em cela comum, nos termos da Lei de Execução Penal;
b) Suspender a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 em favor de Collor, cessando os benefícios vitalícios custeados pelo erário;
c) Garantir a observância rigorosa dos requisitos do artigo 117 da Lei de Execução Penal em qualquer decisão futura sobre benefícios penais.
- A urgência da medida justifica-se pela necessidade de preservar a confiança na justiça, evitar a perpetuação de privilégios e cumprir as obrigações internacionais do Brasil no combate à corrupção, sob pena de dano irreparável à credibilidade do Estado Democrático de Direito.
VII. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
a) A admissão da presente reclamação constitucional;
b) A concessão de medida liminar, nos termos do item VI;
c) Ao final, a procedência da reclamação para:
i. Declarar a inconstitucionalidade da decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, determinando sua transferência para unidade penitenciária comum, em cela ordinária, compatível com o regime fechado;
ii. Declarar a inconstitucionalidade da manutenção dos benefícios vitalícios a Collor, suspendendo a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 em seu favor;
d) A arguição incidental de inconstitucionalidade da interpretação do Decreto nº 6.381/2008 e da decisão de prisão domiciliar, caso necessário;
e) A citação das autoridades responsáveis para, querendo, apresentarem resposta;
f) A intimação do Procurador-Geral da República para manifestação;
g) A notificação da OEA, por meio do MESICIC, para acompanhamento do caso, caso o STF entenda pertinente.
VIII. TERMOS FINAIS
Nestes termos, pede deferimento.
Joaquim Pedro de Morais Filho