RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL face da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que autorizou o ex-Presidente da República FERNANDO COLLOR DE MELLO a cumprir pena em prisão domiciliar | STF ANOTE O NÚMERO DO SEU RECIBO 58487/2025 Enviado em 02/05/2025 às 17:03:56

sexta-feira, 2 de maio de 2025

 RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Ministro(a) Presidente do Supremo Tribunal Federal

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado que esta subscreve (procuração anexa), com fundamento nos artigos 5º, inciso XXXIV, “a”, e 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal de 1988, bem como na Lei nº 9.882/1999 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, propor a presente:

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

em face da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que autorizou o ex-Presidente da República FERNANDO COLLOR DE MELLO a cumprir pena em prisão domiciliar, conforme decisão proferida em 1º de maio de 2025, nos autos da Execução Penal (EP) 131, sob a alegação de doenças graves, e da ausência de transferência para unidade penitenciária em cela comum, considerando que tal decisão viola preceitos constitucionais e compromissos internacionais do Brasil no combate à corrupção, especialmente perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), com fulcro nos argumentos e pedidos a seguir expostos.


I. DOS FATOS

  1. Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello, na Ação Penal (AP) 1.025, à pena de 8 anos e 10 meses de prisão em regime inicial fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em esquema envolvendo a BR Distribuidora, no âmbito da Operação Lava Jato (,).
  2. A condenação foi confirmada em novembro de 2024, com a rejeição dos embargos de declaração apresentados pela defesa, consolidando o trânsito em julgado da decisão (,).
  3. Em 24 de abril de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes determinou o cumprimento imediato da pena, resultando na prisão de Collor em Maceió, Alagoas, inicialmente custodiado em cela individual no Presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira (,).
  4. Em 1º de maio de 2025, o Ministro Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar humanitária a Collor, nos autos da Execução Penal (EP) 131, com base em laudos médicos que atestam doenças graves (Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar), exigindo o uso de tornozeleira eletrônica e impondo restrições como suspensão de passaporte e limitação de visitas (ConJur, 1º de maio de 2025).
  5. A decisão foi fundamentada na compatibilização entre a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e a efetividade da justiça penal, com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou a medida proporcional à idade (75 anos) e ao quadro de saúde do condenado.
  6. Contudo, a concessão de prisão domiciliar, sem transferência para unidade penitenciária comum e em tempo exíguo após a prisão, reforça a percepção de tratamento privilegiado, especialmente considerando a gravidade dos crimes cometidos, que envolveram o recebimento de R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos da BR Distribuidora com a UTC Engenharia (,).
  7. A manutenção de benefícios vitalícios a ex-presidentes, conforme o Decreto nº 6.381/2008, incluindo veículos oficiais, motoristas e assessores, também persiste, mesmo após a condenação criminal transitada em julgado, configurando afronta aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e igualdade (,).
  8. Tal cenário compromete a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional, especialmente no cumprimento de pactos anticorrupção assinados no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), como a Convenção Interamericana contra a Corrupção, e da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC).
  9. A presente reclamação busca corrigir essas violações, assegurando a supremacia da Constituição Federal, a igualdade perante a lei e o cumprimento das obrigações internacionais do Brasil no combate à corrupção.

II. DO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

  1. A reclamação constitucional é o instrumento adequado para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal e garantir a autoridade de suas decisões, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea “l”, da Constituição Federal, bem como para assegurar o cumprimento de preceitos fundamentais violados por atos judiciais ou administrativos (STF, Rcl 2.138, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 27/04/2001).
  2. No presente caso, a decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, sem observância rigorosa dos requisitos legais e em tempo exíguo, e a manutenção de benefícios vitalícios violam diretamente os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput), moralidade administrativa (art. 37, caput), dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e eficiência (art. 37, caput), além de comprometerem o cumprimento de tratados internacionais anticorrupção.
  3. A Súmula Vinculante nº 10 do STF reforça que a inobservância de princípios constitucionais por atos normativos ou decisões judiciais é passível de correção por reclamação, especialmente quando configuram desvio de finalidade ou violação à ordem constitucional.
  4. Ademais, a reclamação é cabível para evitar que decisões judiciais perpetuem um estado de coisas inconstitucional, como o tratamento privilegiado a condenados por crimes graves, que mina a confiança no sistema de justiça e compromete obrigações internacionais do Brasil (STF, ADPF 347, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/03/2016).

III. DA VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL

a) Da Concessão Indevida de Prisão Domiciliar

  1. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) estabelece, em seu artigo 117, que a prisão domiciliar é uma medida excepcional, aplicável a condenados em regime aberto ou em situações específicas, como doença grave que exija cuidados especiais, desde que comprovada por laudo médico idôneo e que a medida seja indispensável.
  2. No caso, embora a defesa de Collor tenha apresentado laudos atestando Parkinson, apneia do sono e transtorno afetivo bipolar, não há demonstração inequívoca de que tais condições sejam incompatíveis com o cumprimento da pena em unidade penitenciária comum, especialmente considerando que o STF determinou o regime inicial fechado ().
  3. A jurisprudência do STF exige rigor na concessão de benefícios penais, especialmente em casos de crimes graves como corrupção e lavagem de dinheiro, que atentam contra a ordem pública e a confiança nas instituições (STF, HC 126.292, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/05/2016).
  4. A decisão de conceder prisão domiciliar, apenas uma semana após o início do cumprimento da pena, sem esgotar a análise de alternativas como adaptações no presídio, configura desvio de finalidade e viola o princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF), ao conceder tratamento privilegiado em razão da condição de ex-presidente.
  5. A Súmula 718 do STF reforça que a gravidade do crime não justifica tratamento mais severo, mas, por analogia, a notoriedade do condenado ou sua posição social não pode justificar benefícios excepcionais, sob pena de perpetuar desigualdades no sistema penal.

b) Da Manutenção de Benefícios Vitalícios

  1. O Decreto nº 6.381/2008 assegura a ex-presidentes benefícios como veículos oficiais, motoristas e assessores, mas não prevê sua suspensão em caso de condenação criminal transitada em julgado. Contudo, a interpretação sistemática da Constituição Federal impõe a suspensão desses privilégios, sob pena de violação aos princípios da moralidade e impessoalidade (art. 37, caput, CF).
  2. A Súmula Vinculante nº 13 do STF estabelece que os princípios do artigo 37, caput, têm aplicação imediata, vedando práticas que impliquem privilégios incompatíveis com a moralidade administrativa. A manutenção de benefícios a um condenado por corrupção, custeados pelo erário, é uma afronta à soberania popular e à dignidade do povo brasileiro (STF, ADI 5.619, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 10/08/2018).
  3. O artigo 15, inciso III, da Constituição determina a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. Embora o Decreto nº 6.381/2008 não mencione direitos políticos, a concessão de regalias administrativas a um condenado implica tratamento privilegiado, violando a igualdade perante a lei (art. 5º, caput, CF).

c) Da Violação de Pactos Internacionais Anticorrupção

  1. O Brasil é signatário de tratados internacionais que impõem o combate rigoroso à corrupção, incluindo a Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA, 1996), internalizada pelo Decreto nº 4.410/2002, e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), internalizada pelo Decreto nº 5.687/2006.
  2. A Convenção Interamericana contra a Corrupção, em seu artigo III, estabelece medidas preventivas, como a promoção de padrões éticos na administração pública e a garantia de punição efetiva aos atos de corrupção. O artigo VIII reforça a obrigação de criminalizar a corrupção passiva e garantir a execução das penas.
  3. A UNCAC, em seu artigo 30, determina que os Estados-Partes devem assegurar a proporcionalidade na aplicação das penas, considerando a gravidade dos crimes de corrupção, e evitar benefícios indevidos que comprometam a confiança pública no sistema de justiça.
  4. A concessão de prisão domiciliar e a manutenção de benefícios vitalícios a Collor contrariam essas obrigações, pois sugerem leniência no combate à corrupção, especialmente em um caso de trânsito em julgado envolvendo crimes que causaram prejuízo de R$ 20 milhões ao erário ().
  5. A OEA, por meio do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC), avalia o cumprimento das obrigações anticorrupção pelos Estados-membros. A leniência no caso Collor pode ensejar recomendações ou sanções diplomáticas, comprometendo a reputação internacional do Brasil.
  6. Como destacado por Garcia (2011), as convenções internacionais anticorrupção influenciaram a edição da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que reforça a responsabilidade administrativa e penal por atos de corrupção, exigindo do Estado brasileiro medidas efetivas para punir os responsáveis (GARCIA, Mônica Nicida. Três Convenções Internacionais Anticorrupção e seu impacto no Brasil. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca; ZOCKUN; ADRI, Renata Porto (Coord.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2011).

d) Precedentes de Casos Semelhantes

  1. No caso do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o STF determinou o cumprimento da pena em instalações da Polícia Federal, mas sem manutenção de benefícios administrativos, reforçando a aplicação isonômica da lei penal (STF, HC 152.752, Rel. Min. Edson Fachin, DJ 07/04/2018).
  2. No julgamento da AP 470 (Mensalão), o STF determinou a execução imediata das penas, sem concessão de privilégios, mesmo a condenados de alto perfil político (STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 14/11/2013).
  3. Esses precedentes demonstram que a condição de ex-presidente não isenta o condenado das regras gerais da execução penal, especialmente em crimes que atentam contra a administração pública.

IV. DA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL

  1. Caso este Tribunal entenda que a decisão de prisão domiciliar ou a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 são compatíveis com a ordem jurídica, requer-se a arguição incidental de inconstitucionalidade de sua interpretação que permita benefícios a condenado criminalmente.
  2. Tal interpretação viola os artigos 5º, caput, 15, inciso III, e 37, caput, da Constituição, por conferir privilégios incompatíveis com a moralidade, a igualdade e a suspensão de direitos políticos.
  3. A jurisprudência do STF, consolidada na ADI 2 (Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 06/09/1991), estabelece que atos normativos contrários à Constituição são inválidos. Por analogia, a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 ou a concessão de prisão domiciliar sem rigoroso embasamento fático-jurídico deve ser afastada.

V. DO RISCO DE AFRONTA À OEA E ÀS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS

  1. A leniência no caso Collor pode ensejar a atuação da OEA, especialmente por meio do MESICIC, que monitora o cumprimento da Convenção Interamericana contra a Corrupção. Relatórios do MESICIC já apontaram deficiências no sistema brasileiro de execução penal e na punição de altos funcionários (MESICIC, Relatório do Brasil – Quinta Rodada, 2018).
  2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, embora focada em direitos humanos, tem interpretado a corrupção como uma ameaça à democracia e à dignidade, exigindo dos Estados medidas efetivas para combatê-la (Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, 2010).
  3. A percepção de impunidade no caso Collor pode levar a denúncias internacionais, comprometendo a posição do Brasil no sistema interamericano e na ONU, especialmente em um contexto de crescente escrutínio global sobre corrupção.

VI. DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

  1. Diante da gravidade da situação, requer-se a concessão de medida liminar para:

a) Suspender a decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, determinando sua transferência para unidade penitenciária compatível com o regime fechado, em cela comum, nos termos da Lei de Execução Penal;

b) Suspender a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 em favor de Collor, cessando os benefícios vitalícios custeados pelo erário;

c) Garantir a observância rigorosa dos requisitos do artigo 117 da Lei de Execução Penal em qualquer decisão futura sobre benefícios penais.

  1. A urgência da medida justifica-se pela necessidade de preservar a confiança na justiça, evitar a perpetuação de privilégios e cumprir as obrigações internacionais do Brasil no combate à corrupção, sob pena de dano irreparável à credibilidade do Estado Democrático de Direito.


VII. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

a) A admissão da presente reclamação constitucional;

b) A concessão de medida liminar, nos termos do item VI;

c) Ao final, a procedência da reclamação para:

i. Declarar a inconstitucionalidade da decisão que concedeu prisão domiciliar a Fernando Collor, determinando sua transferência para unidade penitenciária comum, em cela ordinária, compatível com o regime fechado;

ii. Declarar a inconstitucionalidade da manutenção dos benefícios vitalícios a Collor, suspendendo a aplicação do Decreto nº 6.381/2008 em seu favor;

d) A arguição incidental de inconstitucionalidade da interpretação do Decreto nº 6.381/2008 e da decisão de prisão domiciliar, caso necessário;

e) A citação das autoridades responsáveis para, querendo, apresentarem resposta;

f) A intimação do Procurador-Geral da República para manifestação;

g) A notificação da OEA, por meio do MESICIC, para acompanhamento do caso, caso o STF entenda pertinente.


VIII. TERMOS FINAIS

Nestes termos, pede deferimento.

Joaquim Pedro de Morais Filho