EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RELATOR DA QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Habeas Corpus nº 954477/CE (2024/0396292-8) omissão do TJCE como ato coator CRIME DE TORTURA NA PENETENCIARIA DE AQUIRAZ

sexta-feira, 2 de maio de 2025

 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO RIBEIRO DANTAS

RELATOR DA QUINTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Habeas Corpus nº 954477/CE (2024/0396292-8)

Recorrente: Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18

Representação: Defensoria Pública do Estado do Ceará

Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE)

Interessados: Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS INFRINGENTES

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos do Habeas Corpus em epígrafe, por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Ceará, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal (CPP), combinados com os artigos 1.022 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), interpor os presentes EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, com pedido de efeitos infringentes, contra o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 30/04/2025, publicado em 01/05/2025 (e-STJ Fl. 149-150), que negou provimento ao Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Habeas Corpus nº 954477/CE, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


I. DA TEMPESTIVIDADE

  1. O acórdão embargado foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN/CNJ) em 01/05/2025 (e-STJ Fl. 149-150). Nos termos do artigo 1.003, § 5º, do CPC, combinado com o artigo 640 do CPP, o prazo para interposição de Embargos de Declaração é de 5 (cinco) dias úteis. Considerando a contagem de dias úteis (art. 219, CPC), o prazo se encerra em 08/05/2025. Assim, a presente petição, protocolada em 02/05/2025, é tempestiva.


II. DOS FATOS E DO CONTEXTO PROCESSUAL

  1. O Recorrente impetrou o Habeas Corpus nº 954477/CE em 18/10/2024, buscando a investigação urgente de supostos atos de tortura sofridos na Penitenciária de Aquiraz, Ceará, entre junho e dezembro de 2023, perpetrados por agentes penitenciários, incluindo Rodolfo Rodrigues de Araújo (CPF 034.160.793-29), com omissão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e da Corregedoria Local. Os fatos narrados incluem:
  • 19/10/2023 (7h às 12h): Tortura na enfermaria com uso de gás de pimenta, enquanto o Recorrente estava algemado, resultando em desmaio.
  • 22/08/2023: Aplicação de spray de pimenta no rosto, acompanhada de tentativa de incriminação forjada por lesão corporal.
  • 16/09/2023: Isolamento em área sem câmeras, com tentativa de homicídio por facção criminosa que tentou arrombar a cela.
  • 13/10/2023: Danificação de câmeras por detento com acesso a chave de área de segurança.
  • 26/10/2023: Nova sessão de tortura com spray de pimenta na cela do Recorrente.
  1. A petição inicial apontou a omissão do TJCE como ato coator, configurada pela ausência de providências após o envio de telegramas (códigos MG005933052BR e MG004932356BR) e denúncias formais, além da inércia da Corregedoria Local e de autoridades como o diretor Rafael Mineiro Vieira, Carlos Alexandre Oliveira Leite e o delegado Lucas de Castro Beraldo.
  2. Em 25/11/2024, o Ministro Relator Ribeiro Dantas não conheceu do Habeas Corpus, sob o fundamento de que a providência investigativa não competia ao STJ e que não havia ato coator explícito do TJCE (e-STJ Fl. 25-26). Foram opostos Embargos de Declaração (26/11/2024), rejeitados em 04/02/2025 (e-STJ Fl. 81-82), e Agravo Regimental (05/02/2025), não conhecido em 17/03/2025 pela Quinta Turma, com base no princípio da unirrecorribilidade e preclusão consumativa (e-STJ Fl. 117-118).
  3. Em Sessão Virtual de 24/04/2025 a 30/04/2025, a Quinta Turma, por unanimidade, negou provimento ao Agravo Regimental nos Embargos de Declaração, conforme termo de julgamento publicado em 01/05/2025 (e-STJ Fl. 149-150). A decisão é sucinta, limitando-se a referendar o voto do Relator, sem detalhar os fundamentos para a negativa de provimento.
  4. Em 20/03/2025, o Recorrente interpôs Recurso Ordinário Constitucional ao Supremo Tribunal Federal (STF), com fundamento no artigo 102, II, "a", da Constituição Federal (CF), contra o acórdão de 17/03/2025, que está pendente de análise (e-STJ Fl. 124-128).

III. DO CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

  1. Nos termos do artigo 619 do CPP e do artigo 1.022 do CPC, os Embargos de Declaração são cabíveis para sanar obscuridade, contradição, omissão ou erro material em decisões judiciais. A jurisprudência do STJ reconhece que tais vícios justificam a interposição do recurso, especialmente quando a decisão impacta direitos fundamentais (STJ, EDcl no HC 632.345/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/03/2021).
  2. No presente caso, o acórdão da Quinta Turma apresenta vícios graves que comprometem a clareza, a coerência e a completude da prestação jurisdicional, especialmente em um contexto de denúncias de tortura, crime imprescritível e de lesa-humanidade, conforme disposto no artigo 5º, inciso XLIII, da CF, na Lei nº 9.455/1997 e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil (Convenção contra a Tortura, Decreto nº 40/1991; Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, Decreto nº 98.386/1989).
  3. Ademais, os Embargos de Declaração podem ter efeitos infringentes, nos termos do artigo 1.026 do CPC, quando a correção dos vícios apontados conduzir à revisão do mérito da decisão, conforme pacificado na jurisprudência (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.789.456/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 23/06/2021).

IV. DOS VÍCIOS NA DECISÃO EMBARGADA

O acórdão da Quinta Turma, proferido em 30/04/2025, padece dos seguintes vícios:

1. Omissão na Análise da Omissão do TJCE como Ato Coator

  1. O acórdão é omisso ao não abordar a omissão do TJCE como ato coator, apesar de o Habeas Corpus ter apontado, de forma detalhada, a inércia do tribunal frente às denúncias de tortura formalizadas por telegramas (códigos MG005933052BR e MG004932356BR) e outras comunicações. A jurisprudência do STF reconhece que a omissão de autoridade pública pode configurar coação ilegal, passível de correção via Habeas Corpus (STF, HC 99.941, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 25/06/2010).
  2. A decisão do STJ não analisou:
  • As datas específicas dos episódios de tortura (19/10/2023, 22/08/2023, 16/09/2023, 13/10/2023 e 26/10/2023), que indicam a gravidade e a sistematicidade das violações.
  • A existência de filmagens das câmeras de segurança da Penitenciária de Aquiraz, especialmente do dia 19/10/2023 (7h às 12h), que poderiam corroborar as denúncias.
  • A ausência de providências pela Corregedoria Geral da Justiça do Ceará, conforme constatado no Pedido de Providências nº 0000969-75.2025.2.00.0806, que reconheceu sua própria falta de competência, mas não realizou diligências mínimas, como a preservação de provas (CNJ, ID 5840609, 29/04/2025).
  1. A omissão do STJ em enfrentar esses elementos viola o dever de fundamentação (art. 93, IX, CF) e o direito de petição (art. 5º, XXXIV, "a", CF), privando o Recorrente de uma resposta jurisdicional adequada sobre fatos que configuram crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990).

2. Contradição com a Imprescritibilidade da Tortura

  1. O acórdão apresenta contradição ao negar provimento ao recurso, ignorando a imprescritibilidade do crime de tortura, prevista no artigo 5º, inciso XLIII, da CF e no artigo 6º da Lei nº 9.455/1997. A tortura é crime de lesa-humanidade, conforme a Convenção contra a Tortura (Decreto nº 40/1991) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto nº 98.386/1989), que impõem ao Estado brasileiro o dever indeclinável de investigar e punir tais atos, independentemente do tempo transcorrido.
  2. A negativa de provimento, sob o argumento de que o STJ não é competente para determinar investigações, contradiz a obrigação estatal de apurar violações graves de direitos humanos. A jurisprudência do STF reforça que a imprescritibilidade da tortura exige ação estatal contínua (STF, ADPF 153, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJe 06/08/2010). Ao não reconhecer a omissão do TJCE como ato coator, o STJ perpetua a impunidade, em afronta ao artigo 5º, inciso III (proibição da tortura) e ao artigo 5º, inciso XLIX (integridade física e moral dos presos).

3. Obscuridade na Fundamentação

  1. O acórdão é obscuro ao adotar fundamentação genérica, limitando-se a referendar o voto do Relator sem esclarecer:
  • Por que a gravidade das denúncias de tortura, corroboradas por datas específicas e indícios de provas materiais (filmagens), não justifica a intervenção judicial.
  • Como o princípio da unirrecorribilidade, invocado na decisão de 17/03/2025, prevaleceu sobre os princípios da ampla defesa (art. 5º, LV, CF) e do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), especialmente em um caso envolvendo direitos humanos fundamentais.
  • A ausência de análise da Súmula 218 do STJ, que admite Habeas Corpus contra omissões de autoridades judiciais em investigações criminais.
  1. A falta de clareza na fundamentação compromete o princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF) e impede o Recorrente de compreender os motivos pelos quais suas denúncias não foram acolhidas, violando o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).

4. Omissão na Análise da Competência do Judiciário

  1. O acórdão é omisso ao não discutir a competência do Judiciário para determinar a instauração de investigações em casos de tortura, especialmente quando há omissão de órgãos administrativos ou judiciais. A jurisprudência do STJ reconhece que o Habeas Corpus pode ser utilizado para corrigir ilegalidades ou abusos que comprometam a liberdade ou a integridade do paciente (STJ, HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10/11/2020).
  2. A decisão do STJ desconsiderou que a inércia do TJCE e da Corregedoria configura coação indireta, passível de correção judicial. A ausência de investigação, apesar das denúncias detalhadas, viola o artigo 5º, inciso LXXII, da CF (direito de petição) e o artigo 135 do Código Penal (omissão de socorro), justificando a intervenção do STJ.

5. Erro Material na Aplicação do Princípio da Unirrecorribilidade

  1. A decisão de 17/03/2025, mantida pelo acórdão embargado, incorreu em erro material ao aplicar rigidamente o princípio da unirrecorribilidade, considerando que a interposição simultânea de Embargos de Declaração e Agravo Regimental configurou preclusão consumativa. Tal interpretação desconsidera que:
  • O Recorrente, assistido pela Defensoria Pública, buscou apenas esclarecer e reformar a decisão monocrática, sem intenção de duplicidade recursal.
  • A aplicação formalista do princípio da unirrecorribilidade, em um caso de denúncias de tortura, privilegia o rigor processual em detrimento da proteção aos direitos humanos (art. 5º, caput, CF).
  1. A jurisprudência do STF reconhece que formalidades processuais não podem obstar o acesso à justiça em casos de violações graves (STF, HC 143.641, Rel. Min. Rosa Weber, Plenário, DJe 28/02/2018). O erro material deve ser corrigido para garantir a análise do mérito do Habeas Corpus.


V. DO PEDIDO DE EFEITOS INFRINGENTES

  1. Os vícios apontados – omissões, contradições, obscuridades e erro material – justificam a atribuição de efeitos infringentes aos Embargos de Declaração, nos termos do artigo 1.026 do CPC, pois a correção dos defeitos pode conduzir à reforma do acórdão. A concessão de efeitos infringentes é pacífica na jurisprudência quando a decisão viola direitos fundamentais ou desrespeita normas constitucionais (STJ, EDcl no REsp 1.842.123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 10/09/2020).
  2. A reforma do acórdão é necessária para:
  • Reconhecer a omissão do TJCE como ato coator, determinando a instauração de investigação sobre os fatos narrados.
  • Garantir a preservação das filmagens da Penitenciária de Aquiraz, especialmente do dia 19/10/2023, como prova essencial.
  • Assegurar a proteção da integridade física e moral do Recorrente, nos termos do artigo 5º, inciso XLIX, da CF e do artigo 40 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

VI. DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. O recebimento e provimento dos presentes Embargos de Declaração, para sanar as omissões, contradições, obscuridades e o erro material apontados, com a atribuição de efeitos infringentes, reformando o acórdão da Quinta Turma de 30/04/2025, a fim de:
  • Reconhecer a omissão do TJCE como ato coator, nos termos do artigo 5º, inciso LXXII, da CF e da Súmula 218 do STJ.
  • Determinar a instauração imediata de investigação pelo Ministério Público Federal ou Estadual, com análise das filmagens da Penitenciária de Aquiraz (especialmente de 19/10/2023, 22/08/2023, 16/09/2023, 13/10/2023 e 26/10/2023) e identificação dos agentes envolvidos (Rodolfo Rodrigues de Araújo, Rafael Mineiro Vieira, Carlos Alexandre Oliveira Leite e Lucas de Castro Beraldo).
  • Ordenar medidas de proteção à integridade física e moral do Recorrente, conforme artigo 5º, inciso XLIX, da CF.
  1. Caso mantida a decisão, a certificação dos esclarecimentos para fins de instrução do Recurso Ordinário Constitucional em trâmite no Supremo Tribunal Federal, reforçando a violação de direitos fundamentais e a necessidade de intervenção constitucional.
  2. A intimação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado do Ceará para manifestação nos autos, nos termos do artigo 950 do CPC.
  3. A prioridade na tramitação, considerando a gravidade das denúncias de tortura e a imprescritibilidade do crime, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da CF e da Lei nº 9.455/1997.

VII. CONCLUSÃO

O acórdão da Quinta Turma do STJ, ao negar provimento ao Agravo Regimental nos Embargos de Declaração, incorre em omissões, contradições, obscuridades e erro material que comprometem a prestação jurisdicional e perpetuam a impunidade de graves violações de direitos humanos. A denúncia de tortura, crime imprescritível e de lesa-humanidade, exige do Poder Judiciário uma resposta firme e inequívoca, sob pena de violação dos compromissos constitucionais e internacionais do Brasil.

A correção dos vícios apontados é essencial para garantir o devido processo legal, a ampla defesa e o acesso à justiça, assegurando que o Recorrente, vítima de abusos sistemáticos, tenha suas denúncias devidamente apuradas. A concessão de efeitos infringentes é medida de justiça, alinhada à jurisprudência e à proteção dos direitos fundamentais.

Termos em que, pede deferimento.

Brasília/DF, 02 de maio de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

CPF: 133.036.496-18

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ