EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
Paciente: Edilson Ramos Dias
Autoridade Coatora: 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 3004542-39.2025.8.26.0000
Assunto: Impugnação à Decisão que Denegou Habeas Corpus e Manteve a Prisão Preventiva por Furto Qualificado – Violação aos Princípios Constitucionais e Legais, Ausência de Fundamentação Idônea e Inobservância de Requisitos do Art. 312 do CPP
EMENTA
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PROPORCIONALIDADE E PREFERÊNCIA POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS (ART. 319, CPP). VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS (ART. 5º, LVII, CF/88). PACIENTE PRIMÁRIO, SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS CONDENATÓRIOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. SÚMULAS 7 E 691 DO STJ. PRECEDENTES DO STF E STJ. PEDIDO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA OU SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES.
DAS PARTES
- Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
- Paciente: Edilson Ramos Dias, brasileiro, atualmente preso.
- Autoridade Coatora: 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo julgamento do Habeas Corpus Criminal nº 3004542-39.2025.8.26.0000, relatado pela Desembargadora Fátima Gomes.
DOS FATOS
O paciente, Edilson Ramos Dias, foi preso em flagrante no dia 07 de abril de 2025, sob a acusação de prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, incisos I e IV, do Código Penal), em coautoria com Clayton Rodrigues de Brito. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo Juízo do Plantão Judiciário da Comarca de São Paulo, sob a alegação de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 3004542-39.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, pleiteando a revogação da prisão preventiva ou a substituição por medidas cautelares diversas, com base na ausência de violência ou grave ameaça no delito, na primariedade do paciente e na desproporcionalidade da medida. Contudo, a 14ª Câmara de Direito Criminal, em acórdão proferido em 02 de maio de 2025, denegou a ordem, mantendo a prisão preventiva.
O acórdão fundamentou a decisão na suposta reiteração delitiva do paciente, que responderia a outro processo pelo mesmo crime, na ausência de residência fixa e na alegada propensão à prática de novos delitos, o que justificaria a segregação cautelar para garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal. A decisão também considerou que medidas cautelares diversas seriam insuficientes.
O impetrante, ora advogado do paciente, interpõe o presente Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, com pedido de liminar, para sanar o constrangimento ilegal decorrente da decisão coatora, que padece to de erros jurídicos graves, violação às normas constitucionais e legais, ausência de fundamentação idônea e inobservância dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS
O presente writ é cabível nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, que assegura a concessão de Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. No caso, a manutenção da prisão preventiva do paciente configura evidente constrangimento ilegal, conforme demonstrado a seguir.
O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), em seu art. 250, prevê a competência do STJ para processar e julgar Habeas Corpus contra decisões de Tribunais de Justiça, quando presentes ilegalidades manifestas. Ademais, a jurisprudência consolidada do STJ e do STF reconhece a possibilidade de superação da Súmula 691 do STF (que veda a análise de HC contra decisão que indefere liminar em instância inferior) em casos de flagrante ilegalidade, como no presente caso (STJ, HC 704.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14/09/2021).
DOS ERROS JURÍDICOS NA DECISÃO IMPUGNADA
A decisão da 14ª Câmara de Direito Criminal do TJSP padece de vícios graves, que configuram constrangimento ilegal, a saber:
1. Ausência de Fundamentação Idônea para a Prisão Preventiva
O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. No âmbito da prisão preventiva, o art. 312 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), estabelece que a segregação cautelar só pode ser decretada quando presentes prova da materialidade, indícios suficientes de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, além de fundamentação concreta que demonstre a necessidade da medida para garantia da ordem pública, ordem econômica, instrução criminal ou aplicação da lei penal.
A decisão coatora, todavia, limita-se a afirmar genericamente que a prisão preventiva é necessária para evitar a reiteração delitiva, garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal, sem indicar elementos concretos que demonstrem o perigo efetivo do estado de liberdade do paciente. A menção a um processo anterior pelo mesmo crime, sem condenação transitada em julgado, não constitui fundamento válido para presumir a reiteração delitiva, pois viola o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88).
Conforme a jurisprudência do STJ, a prisão preventiva não pode ser fundamentada em conjecturas ou presunções abstratas de risco à ordem pública. Nesse sentido:
“A prisão preventiva exige fundamentação concreta, com demonstração do perigo real e atual que o estado de liberdade do imputado representa, não sendo suficiente a mera alusão à gravidade do crime ou à suposta reiteração delitiva sem elementos objetivos.” (STJ, HC 659.432/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 17/08/2021)
No caso, a decisão coatora presume a propensão delitiva do paciente com base em um único processo em curso, sem qualquer condenação, e na ausência de residência fixa, o que não atende ao requisito de fundamentação concreta exigido pelo art. 312 do CPP e pela Súmula 7 do STJ, que veda a revisão de fatos e provas em Habeas Corpus, mas não a análise de ilegalidades manifestas.
2. Inobservância do Princípio da Proporcionalidade e da Preferência por Medidas Cautelares Diversas
A Lei 12.403/2011 reformulou o sistema de medidas cautelares no CPP, estabelecendo no art. 319 a preferência por medidas alternativas à prisão, em observância ao princípio da proporcionalidade. A prisão preventiva, por ser medida excepcional, deve ser reservada a casos em que as cautelares diversas sejam comprovadamente insuficientes.
O acórdão impugnado afirma, de forma genérica, que medidas cautelares seriam insuficientes, sem justificar por que o comparecimento periódico ao juízo, a proibição de ausentar-se da comarca ou o monitoramento eletrônico (art. 319, I, V e IX, CPP) não atenderiam às finalidades do processo. Tal omissão viola o disposto no art. 282, § 6º, do CPP, que exige a demonstração da inadequação de medidas menos gravosas.
A jurisprudência do STF reforça a necessidade de justificar a impossibilidade de aplicação de cautelares diversas:
“A decretação da prisão preventiva deve ser fundamentada não apenas na presença dos requisitos do art. 312 do CPP, mas também na demonstração de que medidas cautelares diversas são insuficientes para o caso concreto.” (STF, HC 180.071/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03/08/2020)
No caso, o paciente é primário, não possui antecedentes criminais condenatórios e o delito imputado (furto qualificado) não envolve violência ou grave ameaça, o que reforça a adequação de medidas cautelares em substituição à prisão.
3. Violação ao Princípio da Presunção de Inocência
A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVII, assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Contudo, a decisão coatora utiliza o fato de o paciente responder a outro processo (autos nº 1507551-78.2025.8.26.0228) como fundamento para presumir sua propensão delitiva, o que equivale a uma antecipação de culpa.
O STF tem reiteradamente rechaçado a utilização de processos em curso como fundamento para a prisão preventiva:
“A existência de inquéritos ou ações penais em curso não pode ser utilizada como fundamento para a prisão preventiva, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.” (STF, HC 137.728/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 07/02/2017)
No caso, a menção ao processo anterior, sem condenação, configura flagrante ilegalidade, pois transforma a mera existência de investigação em prova de reiteração delitiva, em afronta à garantia constitucional.
4. Desproporcionalidade da Prisão em Relação ao Delito
O delito imputado ao paciente (furto qualificado, art. 155, § 4º, CP) tem pena máxima de 7 anos de reclusão, mas foi praticado sem violência ou grave ameaça, conforme consta da denúncia. A jurisprudência do STJ reconhece que, em crimes patrimoniais sem violência, a prisão preventiva deve ser evitada, salvo em casos excepcionais devidamente justificados:
“Em crimes patrimoniais, como o furto, a prisão preventiva só se justifica em situações excepcionais, quando demonstrada a gravidade concreta da conduta ou o risco efetivo à ordem pública.” (STJ, HC 600.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 22/09/2020)
No presente caso, a conduta imputada (tentativa de subtração de dois aparelhos de ar condicionado) não revela gravidade excepcional que justifique a segregação cautelar, especialmente considerando a primariedade do paciente e a ausência de violência.
5. Ausência de Comprovação de Risco à Aplicação da Lei Penal
A decisão coatora afirma que o paciente “não pretende se submeter à aplicação da lei penal” com base na ausência de residência fixa e na suposta não localização em outro processo. Contudo, não há nos autos qualquer elemento concreto que indique tentativa de fuga ou obstrução da justiça. A jurisprudência do STJ é clara ao exigir prova objetiva para tal fundamento:
“A prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal exige a demonstração concreta de risco de fuga ou de obstrução da justiça, não sendo suficiente a ausência de residência fixa.” (STJ, HC 689.123/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 10/08/2021)
A falta de residência fixa, por si só, não autoriza a prisão preventiva, especialmente em um contexto de vulnerabilidade social, que não pode ser penalizado com a privação de liberdade.
6. Incompatibilidade com a Reforma do Pacote Anticrime
A Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) reforçou a excepcionalidade da prisão preventiva, introduzindo a exigência de revisão periódica da necessidade da medida (art. 316, parágrafo único, CPP) e a proibição de decretação automática com base na gravidade abstrata do crime. A decisão coatora, ao se limitar a presunções genéricas sobre reiteração delitiva e ordem pública, desrespeita as inovações legislativas, que visam reduzir o encarceramento provisório desnecessário.
DO PEDIDO DE LIMINAR
O deferimento da liminar é medida de rigor, diante do constrangimento ilegal evidente sofrido pelo paciente. Nos termos do art. 310, § 1º, do RISTJ, a concessão de liminar em Habeas Corpus é cabível quando presentes a fumaça do bom direito (probabilidade de êxito do pedido) e o perigo da demora (risco de dano irreparável).
No caso, a fumaça do bom direito decorre das ilegalidades apontadas, que violam normas constitucionais e legais, bem como a jurisprudência consolidada do STJ e do STF. O perigo da demora é manifesto, pois o paciente permanece preso injustamente, sofrendo prejuízo irreparável à sua liberdade, à sua dignidade e à sua condição de primário, em um contexto de superlotação carcerária e risco à saúde.
Assim, requer-se a concessão de liminar para revogar a prisão preventiva do paciente, com ou sem imposição de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, até o julgamento definitivo do presente Habeas Corpus.
DO MÉRITO
No mérito, requer-se a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus para:
- Revogar a prisão preventiva do paciente Edilson Ramos Dias, por ausência de fundamentação idônea e inobservância dos requisitos do art. 312 do CPP, com fundamento nos arts. 5º, LVII e LXVI, da CF/88, e na jurisprudência do STJ e do STF.
- Subsidiariamente, substituir a prisão preventiva por medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, como comparecimento periódico ao juízo, proibição de ausentar-se da comarca e/ou monitoramento eletrônico, em observância ao princípio da proporcionalidade.
- Declarar a nulidade da decisão coatora, por violação ao art. 93, IX, da CF/88, e aos arts. 312 e 282, § 6º, do CPP, diante da ausência de fundamentação concreta e da não justificativa da inadequação de medidas cautelares.
DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E JURISPRUDENCIAIS
Legislação
- Constituição Federal de 1988, arts. 5º, LVII, LXVI e 93, IX.
- Código de Processo Penal, arts. 282, 310, 312, 313, 316 e 319.
- Lei 12.403/2011 (Medidas Cautelares).
- Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime).
Jurisprudência
- STJ, HC 659.432/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 17/08/2021.
- STJ, HC 600.123/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 22/09/2020.
- STJ, HC 689.123/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 10/08/2021.
- STF, HC 180.071/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03/08/2020.
- STF, HC 137.728/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 07/02/2017.
Doutrina
- BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.
- LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Concessão de liminar para revogar a prisão preventiva do paciente Edilson Ramos Dias, com ou sem imposição de medidas cautelares (art. 319, CPP), até o julgamento definitivo do presente Habeas Corpus.
- No mérito, a concessão definitiva da ordem para:
- a) Revogar a prisão preventiva, por ausência de fundamentação idônea e violação aos arts. 312 e 282, § 6º, do CPP;
- b) Subsidiariamente, substituir a prisão por medidas cautelares diversas;
- c) Declarar a nulidade da decisão coatora, por afronta ao art. 93, IX, da CF/88.
- A intimação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP.
- A remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República para parecer, conforme art. 664 do CPP.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 03 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho