HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Pacientes: Rayane Victoria Silva e Raiara Ferreira Sampaio | STJ 10101417

sábado, 3 de maio de 2025

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho

CPF: 133.036.496-18

Pacientes: Rayane Victoria Silva e Raiara Ferreira Sampaio

Autoridade Coatora: 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 2111260-77.2025.8.26.0000

Assunto: Furto Qualificado Tentado – Prisão Preventiva – Ilegalidade e Constrangimento Ilegal

EMENTA:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 312 DO CPP. PRIMARIEDADE DAS PACIENTES. INEXISTÊNCIA DE RISCO CONCRETO À ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA INDEVIDAMENTE ALEGADA. DIREITO À LIBERDADE PROVISÓRIA COM MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319, CPP). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. CONCESSÃO DA ORDEM.


DOS FATOS E DO DIREITO

Joaquim Pedro de Morais Filho, devidamente identificado, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), impetrar o presente HABEAS CORPUS em favor das pacientes Rayane Victoria Silva e Raiara Ferreira Sampaio, em face de decisão proferida pela 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Habeas Corpus Criminal nº 2111260-77.2025.8.26.0000, que denegou a ordem pleiteada, mantendo a prisão preventiva das pacientes. A decisão impugnada padece de ilegalidades e erros jurídicos graves, configurando constrangimento ilegal, conforme passa a expor.


I – SÍNTESE DOS FATOS

As pacientes foram presas em flagrante em 12/04/2025, pela suposta prática de furto qualificado tentado (art. 155, §4º, c/c art. 14, inciso II, do Código Penal), em uma loja de roupas na Comarca de São Paulo. Em audiência de custódia, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo Juízo da Vara de Plantão, sob a alegação de ausência de comprovação de ocupação lícita e residência fixa, bem como pela existência de outros processos suspensos nos termos do art. 366 do CPP.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 2111260-77.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, requerendo a revogação da prisão preventiva ou a aplicação de medidas cautelares alternativas, com base na primariedade das pacientes e na possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, dado o diminuto valor do bem objeto do furto. Contudo, a 8ª Câmara de Direito Criminal, em acórdão relatado pelo Desembargador Juscelino Batista, denegou a ordem, sob os seguintes fundamentos:

  1. Necessidade de garantia da ordem pública, em razão de suposto risco de reiteração delitiva, considerando processos suspensos (art. 366, CPP);
  2. Inviabilidade de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP);
  3. Impossibilidade de análise do princípio da insignificância, por ausência de debate em primeiro grau, sob pena de supressão de instância;
  4. Ausência de constrangimento ilegal.

O presente writ visa demonstrar que a decisão colegiada incorre em erros jurídicos graves, violando preceitos constitucionais e legais, especialmente os artigos 5º, inciso LIV, LV e LVII, da Constituição Federal, e os artigos 312, 313 e 319 do CPP, além de jurisprudência consolidada do STJ e do STF.


II – DOS ERROS JURÍDICOS NA DECISÃO IMPUGNADA

A decisão da 8ª Câmara de Direito Criminal padece de vícios insanáveis, que configuram constrangimento ilegal, a saber:

1. Ausência de Fundamentação Idônea para a Prisão Preventiva

A decretação e manutenção da prisão preventiva das pacientes violam o artigo 312 do CPP, que exige a demonstração concreta de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, além de prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. A decisão impugnada fundamenta a custódia cautelar em elementos genéricos, como a ausência de ocupação lícita e residência fixa, e na existência de processos suspensos (art. 366, CPP), sem indicar fatos concretos que justifiquem a segregação.

Conforme a jurisprudência pacífica do STJ:

“A prisão preventiva exige fundamentação concreta, com indicação de elementos que demonstrem a necessidade da medida, sendo insuficientes meras ilações ou presunções de reiteração delitiva.” (STJ, HC 659.936/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 07/06/2021).

A ausência de ocupação lícita ou residência fixa não pode, por si só, justificar a prisão preventiva, pois tal interpretação viola o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, CF). Nesse sentido:

“A falta de residência fixa ou ocupação lícita não constitui fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva, sob pena de criminalização da condição social.” (STF, HC 143.641/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 20/09/2018).

Além disso, os processos suspensos (art. 366, CPP) não podem ser utilizados como indicativo de reiteração delitiva, pois não há condenação transitada em julgado, e a simples existência de inquéritos ou ações penais em curso não configura maus antecedentes ou reincidência. Conforme o STJ:

“A existência de inquéritos ou processos em curso não pode ser utilizada como fundamento para a prisão preventiva, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.” (STJ, HC 426.142/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 16/04/2018).

2. Inobservância do Princípio da Proporcionalidade

A manutenção da prisão preventiva é desproporcional, considerando que o crime imputado – furto qualificado tentado – envolve bem de diminuto valor e não foi consumado. A pena máxima prevista para o furto qualificado (art. 155, §4º, CP) é de 7 anos, mas, na forma tentada (art. 14, II, CP), a pena é reduzida de 1/3 a 2/3, o que torna a segregação cautelar incompatível com a gravidade da conduta.

O STF já decidiu que:

“A prisão preventiva deve ser reservada a casos de extrema gravidade, sendo desproporcional quando a pena provável não justifica a segregação cautelar.” (STF, HC 152.707/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 10/05/2018).

Ademais, a Súmula 605 do STJ estabelece:

“A prisão preventiva não pode ser decretada ou mantida com base em conjecturas sobre a gravidade abstrata do delito, devendo ser fundamentada em elementos concretos.”

3. Inviabilidade da Prisão Preventiva para Furto Simples ou Qualificado de Baixo Valor

O artigo 313, inciso I, do CPP, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), determina que a prisão preventiva só é cabível em crimes dolosos com pena privativa de liberdade superior a 4 anos. No caso, tratando-se de furto qualificado tentado, com pena reduzida, e considerando a primariedade das pacientes, é improvável que a pena final, se aplicada, supere o limite de 4 anos. Assim, a prisão preventiva é inadmissível nos termos do art. 313, I, CPP.

Além disso, a Lei nº 14.155/2021, que alterou o Código Penal, reforça a necessidade de análise da proporcionalidade em crimes patrimoniais de menor gravidade, especialmente quando não há violência ou grave ameaça.

4. Aplicação do Princípio da Insignificância

A decisão impugnada erra ao afirmar que a análise do princípio da insignificância configuraria supressão de instância. O Habeas Corpus é via adequada para corrigir constrangimento ilegal, especialmente quando a atipicidade material da conduta é evidente, como no presente caso.

O princípio da insignificância exige a presença de quatro requisitos, conforme consolidado pelo STJ:

  1. Mínima ofensividade da conduta;
  2. Ausência de periculosidade social;
  3. Reduzido grau de reprovabilidade;
  4. Inexpressividade da lesão jurídica.
  5. (STJ, HC 598.051/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 10/11/2020).

No caso, o furto tentado envolveu bem de diminuto valor, conforme alegado pela Defensoria Pública, e não houve consumação, o que reforça a mínima ofensividade e a inexpressividade da lesão. A primariedade das pacientes e a ausência de violência na conduta corroboram a aplicação do princípio. O STJ já decidiu:

“O princípio da insignificância é aplicável ao furto tentado de bens de pequeno valor, especialmente quando o agente é primário e não há violência.” (STJ, AgRg no AREsp 1.789.432/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 03/08/2021).

A recusa do TJSP em analisar a questão, sob o argumento de supressão de instância, viola o artigo 654, §2º, do CPP, que autoriza o conhecimento de matérias de ordem pública em Habeas Corpus, como a atipicidade material da conduta.

5. Possibilidade de Medidas Cautelares Alternativas

A decisão impugnada desconsidera a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão (art. 319, CPP), como comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados lugares ou monitoramento eletrônico. A Lei nº 13.964/2019 reforçou a preferência por medidas menos gravosas, especialmente em crimes de menor potencial ofensivo.

O STJ tem entendimento pacífico nesse sentido:

“A prisão preventiva deve ser substituída por medidas cautelares alternativas quando não houver demonstração concreta da insuficiência destas para acautelar a ordem pública.” (STJ, HC 400.411/SE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 15/12/2017).

6. Violação ao Regimento Interno do STJ e à Jurisprudência

A decisão do TJSP contraria o artigo 255 do RISTJ, que determina a observância de precedentes do STJ em matéria de Habeas Corpus, especialmente no que tange à fundamentação da prisão preventiva e à aplicação do princípio da insignificância. A jurisprudência do STJ é clara ao exigir fundamentação concreta e ao reconhecer a atipicidade material em casos de furto de baixo valor.


III – DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL

O constrangimento ilegal é evidente, pois:

  1. A prisão preventiva carece de fundamentação idônea, violando o art. 312 do CPP;
  2. A decisão desrespeita o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF);
  3. Há desproporcionalidade na segregação cautelar, em razão da natureza do crime (art. 313, I, CPP);
  4. O princípio da insignificância é aplicável, sendo descabida a alegação de supressão de instância;
  5. Medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP) são suficientes para o caso.

IV – DO PEDIDO DE LIMINAR

Dada a urgência do caso, requer-se a concessão de liminar para:

  1. Revogar a prisão preventiva das pacientes Rayane Victoria Silva e Raiara Ferreira Sampaio, com a imediata expedição de alvará de soltura;
  2. Alternativamente, determinar a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), a critério do juízo de primeiro grau.

O periculum in mora está configurado pela manutenção das pacientes em prisão desnecessária, causando prejuízo irreparável à sua liberdade. O fumus boni iuris decorre da evidente ilegalidade da decisão impugnada, conforme demonstrado.


V – DO MÉRITO

No mérito, requer-se a concessão definitiva da ordem para:

  1. Reconhecer a atipicidade material da conduta, com base no princípio da insignificância, determinando o trancamento da ação penal;
  2. Alternativamente, revogar a prisão preventiva, com ou sem aplicação de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP);
  3. Garantir o direito à liberdade das pacientes, nos termos do art. 5º, inciso LXVI, da CF.

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E JURISPRUDENCIAIS

  1. Legislação:
  • Constituição Federal, arts. 5º, incisos LIV, LV, LVII e LXVIII;
  • Código de Processo Penal, arts. 312, 313, 319, 647 e 654;
  • Código Penal, arts. 155, §4º, e 14, inciso II;
  • Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime);
  • Lei nº 14.155/2021.
  1. Jurisprudência:
  • STJ, HC 659.936/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 07/06/2021;
  • STJ, HC 598.051/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 10/11/2020;
  • STF, HC 143.641/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 20/09/2018;
  • Súmula 605 do STJ.
  1. Doutrina:
  • NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021;
  • AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Método, 2020;
  • CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

VII – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. A concessão de liminar para revogar a prisão preventiva das pacientes ou substituí-la por medidas cautelares alternativas;
  2. No mérito, a concessão definitiva da ordem para:
  3. a) Reconhecer a atipicidade material da conduta (princípio da insignificância) e trancar a ação penal;
  4. b) Alternativamente, revogar a prisão preventiva, com ou sem medidas cautelares;
  5. A expedição de alvará de soltura em favor de Rayane Victoria Silva e Raiara Ferreira Sampaio;
  6. A intimação do Ministério Público para manifestação;
  7. A observância do artigo 255 do RISTJ e demais normas aplicáveis.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 03 de maio de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18