HABEAS CORPUS
Excelentíssimo(a) Senhor(a) Ministro(a) Presidente do Superior Tribunal de Justiça
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, portador do CPF nº 133.036.496-18
Paciente: Katie Angelica Correa.
Autoridade Coatora: Desembargador Antonio B. Morello, Relator da 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Habeas Corpus nº 2062138-95.2025.8.26.0000.
Assunto: Impugnação à decisão que denegou a ordem de Habeas Corpus, mantendo a prisão preventiva da paciente, com pedido de revogação da prisão preventiva ou, subsidiariamente, conversão em prisão domiciliar, por violação aos princípios constitucionais e legais, ausência de fundamentação idônea e erros jurídicos na decisão impugnada.
Processo de Origem: Autos nº 1500374-17.2025.8.26.0599, da Vara Plantão da Comarca de Piracicaba/SP.
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RISCO CONCRETO À ORDEM PÚBLICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. QUANTIDADE MÍNIMA DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIA E MÃE DE CRIANÇA MENOR DE 12 ANOS. DIREITO À PRISÃO DOMICILIAR. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 312, 313, 318 E 318-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DA LEI Nº 13.257/2016. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA OU, SUBSIDIARIAMENTE, CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR.
I. DOS FATOS
A paciente, Katie Angelica Correa, foi presa em flagrante em 25 de fevereiro de 2025, sob a acusação de prática de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), em razão da apreensão de 4,6 gramas de crack, acondicionados em 30 porções, e R$ 30,00 em dinheiro. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo Juízo da Vara Plantão da Comarca de Piracicaba/SP, nos autos nº 1500374-17.2025.8.26.0599.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 2062138-95.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, pleiteando a revogação da prisão preventiva ou, alternativamente, sua conversão em prisão domiciliar, argumentando: (i) a primariedade da paciente; (ii) a quantidade ínfima de droga apreendida; (iii) a condição de mãe de criança menor de 12 anos; (iv) a desproporcionalidade da prisão preventiva; e (v) a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas.
Em 30 de abril de 2025, a 10ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, em decisão relatada pelo Desembargador Antonio B. Morello, denegou a ordem, sob os seguintes fundamentos: (i) presença dos requisitos do art. 312 do CPP, com risco concreto de reiteração delitiva; (ii) existência de processo anterior por tráfico de drogas; (iii) gravidade do delito; e (iv) inaplicabilidade da prisão domiciliar, por ausência de demonstração de imprescindibilidade dos cuidados da paciente à criança.
O presente writ é impetrado para sanar o constrangimento ilegal decorrente de erros jurídicos na decisão do TJSP, que violam normas constitucionais, legais e jurisprudenciais, conforme detalhado a seguir.
II. DOS ERROS JURÍDICOS NA DECISÃO IMPUGNADA
A decisão da 10ª Câmara de Direito Criminal do TJSP padece de graves vícios jurídicos, que configuram constrangimento ilegal, a saber:
1. Ausência de Fundamentação Idônea para a Manutenção da Prisão Preventiva
A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, exige fundamentação concreta que demonstre a presença de pelo menos um de seus pressupostos (prova da materialidade, indícios suficientes de autoria e necessidade de acautelamento processual). Contudo, a decisão impugnada limitou-se a invocar o risco à ordem pública de forma genérica, sem apontar elementos concretos que justifiquem a segregação cautelar.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reiterado que a fundamentação da prisão preventiva deve ser individualizada e baseada em fatos concretos, não sendo suficiente a mera alusão à gravidade abstrata do delito ou à existência de processos anteriores. Nesse sentido:
STF: “A prisão preventiva, para ser legítima, exige fundamentação idônea, com demonstração concreta do periculum libertatis, não sendo suficiente a invocação genérica da gravidade do delito ou da necessidade de resguardar a ordem pública.” (HC 137.728/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 10/08/2017).
STJ: “A manutenção da prisão preventiva deve estar lastreada em elementos concretos que demonstrem o risco efetivo à ordem pública, não sendo suficiente a simples menção a antecedentes ou à natureza do crime.” (HC 618.887/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 14/04/2021).
No caso, a decisão do TJSP fundamentou a prisão preventiva na existência de um processo anterior por tráfico de drogas, no qual a paciente obteve liberdade provisória e foi condenada por tráfico privilegiado, com recurso pendente. Contudo, tal circunstância não configura, por si só, risco concreto de reiteração delitiva. A paciente é primária, não possui condenação transitada em julgado, e a quantidade de droga apreendida (4,6 gramas) é compatível com o tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006), o que reforça a desproporcionalidade da medida.
Além disso, a decisão viola o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88), ao presumir a reiteração delitiva com base em processo em andamento, sem condenação definitiva. Conforme a Súmula 52 do STJ:
“A existência de inquérito ou ação penal em curso não justifica, por si só, a decretação ou manutenção da prisão preventiva, salvo se demonstrado, de forma concreta, o risco à ordem pública ou à instrução processual.”
Portanto, a ausência de fundamentação concreta para a prisão preventiva configura constrangimento ilegal, nos termos do art. 648, I, do CPP.
2. Desproporcionalidade da Prisão Preventiva em Razão da Quantidade Mínima de Droga
A decisão do TJSP desconsiderou a quantidade ínfima de droga apreendida (4,6 gramas de crack), que, por si só, não justifica a manutenção da prisão preventiva. A jurisprudência do STJ é clara ao reconhecer que a apreensão de pequena quantidade de entorpecente, aliada à primariedade do agente, indica menor gravidade da conduta e recomenda a aplicação de medidas cautelares alternativas:
STJ: “A quantidade de droga apreendida, quando ínfima, aliada à primariedade do agente, não justifica a manutenção da prisão preventiva, sendo cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas.” (HC 567.890/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 03/08/2020).
No caso, a paciente foi flagrada com apenas 4,6 gramas de crack, divididos em 30 porções, o que, conforme a jurisprudência, é compatível com o tráfico privilegiado e não indica envolvimento com organizações criminosas ou prática habitual do delito. A decisão do TJSP, ao afirmar que a quantidade “ultrapassa o razoável para se infirmar tratar-se apenas de usuária”, carece de embasamento fático, pois não analisou as circunstâncias do caso, como a ausência de indícios de associação para o tráfico ou de estrutura típica do comércio ilícito.
Ademais, a apreensão de R$ 30,00 em notas trocadas não configura, por si só, prova de comercialização habitual, sendo comum que pequenas quantias sejam encontradas em abordagens policiais. A fundamentação da decisão, nesse ponto, é presuntiva e contraria o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 5º, XLVI, da CF/88.
3. Violação ao Direito à Prisão Domiciliar (Art. 318, II, e 318-A do CPP)
A paciente é mãe de criança menor de 12 anos, circunstância que, nos termos do art. 318, II, do Código de Processo Penal, autoriza a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar. A Lei nº 13.257/2016, que introduziu essa possibilidade, visa proteger os direitos das crianças, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, internalizada pelo Brasil.
O TJSP, ao indeferir o pedido de prisão domiciliar, argumentou que: (i) a medida não é automática; (ii) não foi comprovada a imprescindibilidade dos cuidados da paciente; e (iii) a criança reside com a avó materna. Contudo, tais fundamentos são juridicamente inválidos, pelos seguintes motivos:
a) Caráter não automático da medida: Embora a prisão domiciliar não seja automática, o STF e o STJ têm reconhecido que a análise deve priorizar a proteção integral da criança, especialmente em casos de mães primárias e de delitos sem violência ou grave ameaça. Nesse sentido:
STF: “A concessão de prisão domiciliar à mãe de criança menor de 12 anos deve ser analisada sob a perspectiva da proteção integral da criança, sendo desnecessária a comprovação de absoluta imprescindibilidade quando não há outros responsáveis legais.” (HC 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 20/02/2018).
No caso, a paciente é primária e o delito imputado (tráfico de drogas) não envolve violência ou grave ameaça, atendendo aos requisitos do art. 318-A do CPP.
b) Comprovação de imprescindibilidade: A decisão do TJSP exigiu prova de que a paciente é a única responsável pela criança, mas tal exigência contraria a jurisprudência do STF, que presume a necessidade de cuidados maternos em casos de crianças menores de 12 anos, salvo prova em contrário:
STF: “A prisão de mãe de criança menor de 12 anos deve ser substituída por prisão domiciliar, salvo se demonstrado, pelo Estado, que a criança não depende dos cuidados maternos ou que a genitora representa risco à integridade da criança.” (HC 156.684/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 10/09/2019).
No caso, não há nos autos qualquer elemento que indique que a criança não depende dos cuidados da paciente ou que esta represente risco à sua integridade. A mera residência da criança com a avó materna não afasta o direito à prisão domiciliar, pois a avó não é a responsável legal, e a proteção integral da criança prevalece sobre considerações secundárias.
c) Direito da criança a um ambiente seguro: A decisão do TJSP afirmou que a convivência com a paciente, por ser acusada de tráfico, seria prejudicial à criança. Tal argumento é discriminatório e desprovido de embasamento fático, pois presume, sem prova, que a paciente representa perigo à criança. Além disso, a prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, garante o controle estatal sem privar a criança do convívio materno.
Portanto, a negativa de prisão domiciliar viola o art. 318, II, do CPP, a Lei nº 13.257/2016 e o princípio da proteção integral da criança (art. 227 da CF/88).
4. Inobservância das Medidas Cautelares Alternativas (Art. 319 do CPP)
A decisão do TJSP não analisou a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, previstas no art. 319 do CPP, como o monitoramento eletrônico, a proibição de frequentar determinados lugares ou o comparecimento periódico em juízo. A jurisprudência do STJ é clara ao exigir que o julgador justifique a inadequação de tais medidas antes de manter a prisão preventiva:
STJ: “A prisão preventiva só é cabível quando demonstrada a inadequação de medidas cautelares alternativas, devendo o julgador justificar, de forma concreta, a necessidade da segregação.” (HC 590.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 17/08/2020).
No caso, a paciente é primária, possui residência fixa e não há indícios de que represente risco à instrução processual ou à aplicação da lei penal. A ausência de análise das medidas cautelares alternativas configura violação ao princípio da proporcionalidade e reforça o constrangimento ilegal.
III. DO DIREITO
A manutenção da prisão preventiva da paciente viola os seguintes dispositivos legais e constitucionais:
- Art. 5º, LVII, da CF/88: Princípio da presunção de inocência, violado pela presunção de reiteração delitiva com base em processo em andamento.
- Art. 5º, XLVI, da CF/88: Princípio da proporcionalidade, desrespeitado pela desproporcionalidade da prisão preventiva frente à quantidade ínfima de droga.
- Art. 227 da CF/88: Proteção integral da criança, desconsiderada pela negativa de prisão domiciliar.
- Art. 312 do CPP: Exige fundamentação concreta para a prisão preventiva, não atendida pela decisão impugnada.
- Art. 318, II, e 318-A do CPP: Direito à prisão domiciliar para mães de crianças menores de 12 anos, desrespeitado pela exigência indevida de imprescindibilidade absoluta.
- Art. 319 do CPP: Possibilidade de medidas cautelares alternativas, ignorada pelo TJSP.
- Lei nº 13.257/2016: Garante a prisão domiciliar para proteger os direitos das crianças.
Além disso, a decisão contraria a jurisprudência consolidada do STF e do STJ, conforme as citações acima, e desrespeita o Regimento Interno do STJ, que prevê a competência deste Tribunal para corrigir decisões teratológicas ou manifestamente ilegais (art. 34, inciso XVII).
IV. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Concessão de liminar para:
- a) Revogar a prisão preventiva da paciente Katie Angelica Correa, com a expedição imediata de alvará de soltura, mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas, nos termos do art. 319 do CPP; ou, subsidiariamente,
- b) Converter a prisão preventiva em prisão domiciliar, nos termos do art. 318, II, e 318-A do CPP, com a possibilidade de monitoramento eletrônico.
- No mérito, a concessão definitiva da ordem para:
- a) Confirmar a revogação da prisão preventiva ou a conversão em prisão domiciliar;
- b) Declarar a nulidade da decisão da 10ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, por ausência de fundamentação idônea e violação aos princípios constitucionais e legais.
- A notificação da autoridade coatora (Desembargador Antonio B. Morello, Relator da 10ª Câmara de Direito Criminal do TJSP) para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP.
- A remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer, conforme o art. 663 do CPP.
V. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. São Paulo: Forense, 2021.
- AVENA, Norberto. Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Método, 2022.
- LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
- PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2022.
- STF, HC 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 20/02/2018.
- STJ, HC 618.887/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 14/04/2021.
- Súmula 52 do STJ: “A existência de inquérito ou ação penal em curso não justifica, por si só, a decretação ou manutenção da prisão preventiva.”
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 03 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
Impetrante
CPF: 133.036.496-18