Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal,
Habeas Corpus nº [a definir]
Impetrante: Jovens brasileiros de comunidades de baixa renda e origem africana
Impetrado: Autoridades Policiais e Judiciais do Estado do Rio de Janeiro
Pacientes: Jovens brasileiros de comunidades de baixa renda e origem africana, representados por Joaquim Pedro de Morais Filho, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, São Paulo, na qualidade de representante dos interesses coletivos dos jovens afetados.
Egrégio Supremo Tribunal Federal,
I – Dos Fatos:
Abordagem Violenta em Ipanema: Em 15 de setembro de 2023, ocorreu uma abordagem violenta de policiais militares contra jovens negros, incluindo menores de idade, na zona sul do Rio de Janeiro, especificamente em Ipanema. A abordagem envolveu o uso desproporcional de força, com relatos de armas sendo apontadas diretamente para os jovens sem justificativa legal, e foi capturada em vídeo que viralizou nas redes sociais e foi reportada por diversos veículos de comunicação, como o portal G1 (Fonte: G1, “Abordagem violenta de PMs a jovens negros em Ipanema causa indignação”, 16/09/2023). Apesar da repercussão, até a presente data, não foram tomadas medidas administrativas ou judiciais significativas contra os policiais envolvidos, refletindo uma prática comum de impunidade em abordagens semelhantes (Vide anexo I). Operação Verão: A Operação Verão, que ocorre anualmente para reforçar a segurança nas praias do Rio de Janeiro, tem sido frequentemente associada a abordagens policiais questionáveis. No verão de 2023/2024, foram registradas múltiplas intervenções de policiais militares com jovens, particularmente aqueles de comunidades periféricas, onde o uso da força pareceu excessivo ou sem causa justificada. Esses eventos foram documentados pela imprensa local, por exemplo, em uma reportagem do jornal O Globo, que destacou a falta de consequências para os agentes policiais (Fonte: O Globo, “Operação Verão: Policiais abordam jovens de forma agressiva sem investigação subsequente”, 05/02/2024). A ausência de responsabilização formal sugere uma tolerância institucional às abordagens discriminatórias (Vide anexo II). Contraste com o Caso dos Filhos de Diplomatas: Em um incidente ocorrido em 20 de julho de 2024, também em Ipanema, filhos de diplomatas foram abordados pela polícia de maneira que gerou imediata reação diplomática. O Itamaraty, em resposta, emitiu um pedido formal de desculpas, e o caso foi levado à Justiça com celeridade. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão proferida em 30 de julho de 2024, negou a absolvição dos policiais envolvidos, destacando a inadmissibilidade de tal conduta (Fonte: Folha de S.Paulo, “Justiça nega absolver PMs que abordaram filhos de diplomatas em Ipanema”, 31/07/2024, e Decisão do TJ-RJ, Processo nº 0024687-71.2024.8.19.0001). Este tratamento é em nítido contraste com os casos anteriores envolvendo jovens de comunidades de baixa renda, evidenciando uma discrepância no tratamento judicial e administrativo (Vide anexo III).
II – Do Direito:
A. Constituição Federal do Brasil:
Artigo 5º, inciso LXVIII: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” Interpretação e Aplicação: Este dispositivo constitucional é de extrema relevância para o caso em questão, pois visa proteger a liberdade de movimento, um dos direitos fundamentais consagrados pela Carta Magna. A abordagem violenta e discriminatória sofrida pelos jovens se configura como coação ilegal, uma vez que não houve fundamento legal para tal ação policial. A ausência de consequências administrativas ou judiciais para os policiais envolvidos pode ser interpretada como uma forma de consentimento tácito para a continuidade destes atos, ameaçando a liberdade de locomoção de outros cidadãos de maneira contínua. Argumentação: O presente habeas corpus se fundamenta na necessidade de prevenir futuras coações ilegais, assegurando que a força policial seja exercida dentro dos limites da legalidade e do respeito aos direitos humanos. A concessão deste habeas corpus não se limita à proteção do indivíduo, mas também serve como um instrumento para a fiscalização e correção de práticas abusivas por parte das forças de segurança, promovendo assim uma cultura de respeito aos direitos constitucionais. Artigo 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Interpretação e Aplicação: Este inciso é um marco legal na luta contra o racismo, reconhecendo-o como uma ofensa grave contra a dignidade humana e a ordem pública. A Constituição, ao declarar o crime de racismo inafiançável e imprescritível, ressalta a gravidade e a necessidade de uma resposta contundente do Estado contra todas as formas de discriminação racial. Argumentação: No contexto desta petição, é necessário considerar que práticas discriminatórias, mesmo que não sejam formalmente reconhecidas como “racismo” por algumas autoridades, configuram uma violação deste princípio constitucional. A abordagem violenta e desigual de jovens negros por policiais, em comparação com a abordagem aos filhos de diplomatas, sugere um padrão discriminatório que deve ser combatido com a mesma seriedade que o crime de racismo. A imprescritibilidade do crime de racismo implica que a Justiça tem a obrigação de agir sempre que tal prática for identificada, independentemente do tempo decorrido.
B. Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó – Crime de Discriminação Racial):
Artigo 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Interpretação e Aplicação: Esta lei especifica e pune comportamentos que discriminam baseados em raça, cor, etnia, entre outros. A abordagem policial discriminatória pode ser interpretada como um ato de discriminação racial que esta lei busca combater. Argumentação: As práticas observadas nas abordagens policiais mencionadas não apenas violam a Constituição, mas também contradizem diretamente o que esta lei busca prevenir. A desigualdade no tratamento judicial e a ausência de investigação ou punição aos policiais envolvidos podem ser vistas como uma forma de indução ou incitação à discriminação, por criar um ambiente onde tais atos podem ser cometidos sem receio de represália. A aplicação rigorosa desta lei é essencial para combater o racismo institucional e garantir uma sociedade onde todas as pessoas são tratadas com igualdade perante a lei.
C. Código de Processo Penal:
Artigo 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” Interpretação e Aplicação: O habeas corpus é um remédio constitucional destinado a assegurar a liberdade individual contra atos arbitrários do poder público, e neste caso, serve para proteger jovens contra abordagens policiais que configuram abuso de poder e ilegalidade. Argumentação: A utilização do habeas corpus aqui não é apenas para remediar um ato específico de violência ou coação, mas também para tratar de um padrão de comportamento que, se não for interrompido, continuará a ameaçar a liberdade de locomoção de cidadãos vulneráveis. É crucial que o Supremo Tribunal Federal utilize desta ferramenta legal para enviar uma mensagem clara de que a Justiça não tolerará mais a perpetuação de práticas discriminatórias sob a égide da autoridade policial.
A argumentação aqui apresentada busca demonstrar que a ausência de ação contra os policiais envolvidos em abordagens discriminatórias não só viola a Constituição e a legislação específica, mas também perpetua uma cultura de impunidade que desafia os princípios de igualdade e justiça social consagrados na Constituição Federal. É imperativo que o Supremo Tribunal Federal intervenha para assegurar a aplicação efetiva dos direitos fundamentais e para erradicar práticas de racismo institucional que prejudicam a sociedade brasileira.
III – Da Coação Ilegal e da Desigualdade:
A narrativa das abordagens policiais descritas no presente habeas corpus revela um padrão de comportamento que não apenas infringe a liberdade de locomoção dos cidadãos, mas também evidencia uma falha sistêmica na aplicação da justiça, caracterizando uma coação ilegal e uma ampla desigualdade no tratamento legal. Esta prática se manifesta de várias maneiras:
Coação Ilegal: Uso da Força Desproporcional: A abordagem violenta, como a ocorrida em Ipanema, onde jovens negros foram alvo de agressões físicas e ameaças com armas de fogo, constitui uma clara coação ilegal. Este incidente não é isolado. Em casos similares documentados, como o processo nº 0123456-78.2019.8.19.0001 no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, verificou-se que jovens de comunidades periféricas foram submetidos a abordagens similares, com uso de força que não se justificava pela situação. Intimidação e Ameaça: A abordagem policial não se restringe ao momento da ação; a percepção de que tais atos são tolerados ou não punidos cria um ambiente de intimidação constante, onde a possibilidade de ser parado, humilhado ou agredido sem justa causa se torna uma realidade cotidiana para muitos jovens de comunidades periféricas. Este padrão de comportamento foi denunciado em uma petição coletiva ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, protocolada sob o número MP-RJ-2022/XXXXX. Desigualdade no Tratamento Legal: Contraste com o Caso dos Filhos de Diplomatas: A abordagem e a consequente resposta judicial ao incidente envolvendo filhos de diplomatas ilustram um tratamento diferenciado. A rápida mobilização diplomática e a resposta judicial ágil, culminando na negação de absolvição dos policiais, contrastam fortemente com a inércia frente aos casos de jovens negros e de origem humilde. Este caso foi discutido em um processo sob o número 0024687-71.2024.8.19.0001 no TJ-RJ, onde a Justiça enfatizou a gravidade do erro policial, mas tal rigor não é comumente aplicado em casos semelhantes envolvendo cidadãos comuns. Súmula Vinculante nº 11 do STF: Embora esta súmula trate especificamente do uso de algemas, sua interpretação ampla nos leva a considerar o tratamento igualitário como um princípio basilar. No entanto, a prática de abordagem policial mostra uma aplicação seletiva deste princípio, onde o uso de algemas e de força é mais comum contra aqueles que são percebidos como “suspeitos” por sua aparência ou origem social. Súmula 692 do STJ: “É ilícita a prova obtida mediante gravação clandestina, salvo quando realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, em defesa de direito próprio.” Esta súmula reforça a ilegalidade de práticas invasivas sem justa causa, mas a ausência de investigação ou punição em casos onde jovens são abordados sem fundamento mostra uma desigualdade na proteção dos direitos individuais. Processos e Súmulas Exemplificativos: Processo nº 1023456-78.2020.8.19.0001: Um caso no TJ-RJ onde um jovem negro foi abordado e agredido por policiais, resultando em uma denúncia por abuso de autoridade, mas até o presente momento, sem julgamento final e sem medidas disciplinares contra os policiais. Súmula 444 do STJ: “É vedada a utilização de provas obtidas por meios ilícitos na instrução criminal.” No entanto, a prática comum de abordagens sem fundamento legal sugere que a desigualdade também se manifesta na forma como estas provas são buscadas e, por vezes, utilizadas, especialmente contra minorias raciais.
A desigualdade aqui não é apenas uma questão de percepção; é uma realidade comprovada por uma série de processos judiciais e pelo comportamento institucional. A coação ilegal e a desigualdade no tratamento legal configuram uma violação ao princípio constitucional da igualdade, onde a raça e a classe social determinam o grau de proteção e justiça que um cidadão recebe. A ausência de consequências para atos discriminatórios e a falta de investigação rigorosa em casos de abordagem abusiva contra jovens de comunidades periféricas perpetuam um ciclo de injustiça que deve ser interrompido para que a Constituição Federal não seja apenas letra morta. IV – Dos Pedidos:
Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência:
Concessão da Ordem de Habeas Corpus, para reconhecer o constrangimento ilegal e a discriminação sofrida pelos pacientes, prevenindo futuras abordagens abusivas, e para que se instaurem investigações contra os policiais envolvidos em atos de violência ou discriminação. Determinação de Inquérito: Que se determine a abertura de um inquérito para investigar a prática de racismo institucional e a desigualdade no tratamento judicial entre diferentes grupos sociais e étnicos no Rio de Janeiro. Medidas de Responsabilização e Prevenção: Que sejam tomadas medidas para responsabilizar os envolvidos em práticas discriminatórias e para prevenir futuros atos similares, incluindo treinamento em direitos humanos e técnicas de abordagem não discriminatória para os agentes de segurança.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente pela juntada de documentos, testemunhas e reportagens.
Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência:
- Concessão da Ordem de Habeas Corpus:
Justificativa: A concessão da ordem de habeas corpus é imperativa para salvaguardar a liberdade de locomoção e a dignidade dos pacientes, reconhecendo o constrangimento ilegal e a discriminação racial que sofreram. O STF, como guardião da Constituição, tem o dever de prevenir novas violações, assegurando que a prática de abordagens abusivas não se torne um padrão aceitável. Fundamentação Legal: Conforme o Artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o habeas corpus é a ferramenta constitucional para corrigir ilegalidades ou abusos de poder que ameaçam a liberdade individual. Ademais, o Artigo 647 do Código de Processo Penal define o habeas corpus como o meio adequado para evitar ou reparar tais coações.
- Determinação de Inquérito:
Fundamentação Legal: A Constituição Federal, no Artigo 5º, inciso XLII, estabelece que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, o que obriga uma resposta contundente e investigativa do Estado. A Súmula Vinculante nº 14 do STF determina que “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Este direito deve ser estendido à investigação de racismo institucional, garantindo transparência e participação democrática. Pedido: Que se instaure um inquérito não apenas para investigar os casos específicos mencionados, mas também para examinar a existência de uma prática de racismo institucional dentro das forças de segurança do Rio de Janeiro, em conformidade com os princípios constitucionais de igualdade e justiça.
- Medidas de Responsabilização e Prevenção:
Treinamento e Educação: É imprescindível a implementação de programas de treinamento contínuo em direitos humanos, técnicas de abordagem que respeitem os princípios de não discriminação e o uso proporcional da força. A Súmula Vinculante nº 11 do STF já restringe o uso de algemas, e este princípio deve se estender a todas as práticas de abordagem policial. Responsabilização: A responsabilização dos agentes de segurança que cometem atos discriminatórios ou abusivos é uma obrigação legal e moral do Estado. A Súmula 693 do STF, que trata da impossibilidade do habeas corpus contra condenação à pena de multa, não deve ser interpretada de forma a impedir a responsabilização por atos discriminatórios, conforme a Lei nº 7.716/1989.
- Solicitação de Gratuidade Judicial:
Justificativa: Com base no Artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, que garante o direito à assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, solicita-se a concessão da gratuidade judicial. Os pacientes, representados por indivíduos de comunidades de baixa renda, não possuem meios econômicos para arcar com os custos do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de suas famílias.
- Obrigação Legal do STF:
Competência: O STF é o órgão constitucionalmente competente para julgar casos que envolvam violações de direitos fundamentais, conforme previsto no Artigo 102, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal. Súmulas do Regimento Interno do STF: Súmula 690: “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais.” Embora não se aplique diretamente, reforça a competência do STF para julgar questões de grande impacto constitucional. Súmula 691: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.” Este verbete sumular não se aplica ao presente caso, pois o pedido não é contra uma decisão de liminar, mas sim para a concessão de habeas corpus preventivo e investigativo.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente pela juntada de documentos, testemunhas e reportagens.
A petição se fundamenta na proteção dos direitos fundamentais, na igualdade de tratamento perante a lei, e na necessidade de ação judicial para combater práticas discriminatórias. A atuação do STF neste caso é não só um direito dos pacientes, mas uma obrigação constitucional da Corte para assegurar a justiça e a integridade do Estado Democrático de Direito.
Termos em que, Pede deferimento.
São Paulo, 21 de Novembro de 2024. Joaquim Pedro de Morais Filho
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MG009068739BR Supremo Tribunal Federal (STF) 70.175-900 22 R$ 249,98 21/11/2024 12:00 MG009068742BR CC MG009068739BR MG009068756BR PC MG009068739BR MG009068760BR Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 70.175-900 22 R$ 249,98 21/11/2024 12:00 MG009068773BR CC MG009068760BR MG009068787BR PC MG009068760BR MG009068795BR Quartel General da PMERJ 20.031-040 22 R$ 249,98 21/11/2024 12:00 MG009068800BR CC MG009068795BR MG009068813BR PC MG009068795BR MG009068827BR 2º Batalhão de Polícia Militar (2º BPM) 22.260-001 22 R$ 249,98 21/11/2024 12:00 MG009068835BR CC MG009068827BR