HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Paciente: Hugo Roberto Gomes de Castro, brasileiro, atualmente cumprindo pena restritiva de direitos, conforme processo de origem. | STJ 10101425

sábado, 3 de maio de 2025

 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Paciente: Hugo Roberto Gomes de Castro, brasileiro, atualmente cumprindo pena restritiva de direitos, conforme processo de origem.

Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo Acórdão proferido no Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506.

Processo de Origem: Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506, da 2ª Vara do Júri da Comarca de Ribeirão Preto, São Paulo.

Assunto: Impugnação à decisão que indeferiu o pedido de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, em razão de condenação por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006).


EMENTA

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DE INDULTO PLENO. TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006). ILEGALIDADE DA DECISÃO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO QUE EQUIPARA TRÁFICO PRIVILEGIADO A CRIME HEDIONDO. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL AO INDULTO NO DECRETO Nº 12.338/2024 PARA CONDENAÇÕES COM REDUTOR. JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ. SÚMULAS E PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.


DOS FATOS

O paciente, Hugo Roberto Gomes de Castro, foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, por infração ao art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico privilegiado), conforme sentença transitada em julgado. Requereu, na execução penal, a concessão de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, que foi indeferido pela 2ª Vara do Júri da Comarca de Ribeirão Preto, sob o fundamento de que o crime de tráfico de drogas, ainda que na forma privilegiada, seria insuscetível de indulto, nos termos do art. 1º, inciso XVIII, do referido decreto.

Contra tal decisão, a defesa interpôs Agravo em Execução Penal (nº 0003822-60.2025.8.26.0506), que foi desprovido pela 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Coelho, datado de 30 de abril de 2025. A decisão agravada entendeu que:

  1. O art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e o art. 2º da Lei nº 8.072/90 vedam a concessão de indulto para crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, independentemente de sua forma (privilegiada ou não).
  2. O art. 44 da Lei nº 11.343/2006 reforça a vedação ao indulto para os crimes previstos no art. 33, inclusive na modalidade do § 4º.
  3. A aplicação do redutor do § 4º do art. 33 não altera a natureza hedionda do tráfico de drogas, conforme jurisprudência citada.

O acórdão, contudo, incorre em erros jurídicos graves, violando dispositivos constitucionais, legais e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme demonstrado a seguir.


DO DIREITO

1. Da Competência do Superior Tribunal de Justiça

Nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar habeas corpus quando a decisão impugnada for proferida por Tribunal de Justiça e configurar constrangimento ilegal. O Regimento Interno do STJ (RISTJ), em seu art. 21, inciso XVIII, reforça a competência da Presidência para apreciar pedidos de liminar em habeas corpus.

No presente caso, a decisão da 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP viola direitos fundamentais do paciente, configurando constrangimento ilegal, o que justifica a impetração deste writ.

2. Da Ilegalidade da Decisão Impugnada

A decisão agravada padece de vícios jurídicos insanáveis, pois:

2.1. Violação ao Princípio da Individualização da Pena

O art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal assegura a individualização da pena, exigindo que a aplicação de sanções penais considere as circunstâncias do crime e a situação do condenado. O tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, é uma modalidade atenuada do delito, destinada a réus primários, sem envolvimento com organizações criminosas e com condutas de menor gravidade.

O STF, no julgamento do HC 118.533/MS (Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, j. 23/06/2015), reconheceu que o tráfico privilegiado não possui natureza hedionda, por se tratar de infração penal distinta, com tratamento penal mais benéfico. A equiparação automática do tráfico privilegiado ao crime hedV. 11.343/2006, como feito pelo TJSP, ignora essa distinção, violando o princípio da individualização.

2.2. Incompatibilidade com o Decreto nº 12.338/2024

O Decreto nº 12.338/2024, invocado pela decisão agravada, não estabelece vedação expressa ao indulto para condenações por tráfico privilegiado. O art. 1º, inciso XVIII, citado no acórdão, refere-se genericamente aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, sem especificar a exclusão da forma privilegiada. A interpretação extensiva adotada pelo TJSP contraria o princípio da legalidade estrita (art. 5º, inciso XXXIX, CF), que exige clareza na definição de restrições a direitos.

Além disso, o STF, no RE 1.030.592/SP (Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27/06/2018), reafirmou que a vedação a benefícios penais deve ser interpretada restritivamente, especialmente em casos de menor gravidade, como o tráfico privilegiado.

2.3. Erro na Interpretação do Art. 44 da Lei nº 11.343/2006

O acórdão afirma que o art. 44 da Lei nº 11.343/2006 veda o indulto para todos os crimes previstos no art. 33, incluindo a forma privilegiada. Contudo, tal interpretação é incompatível com a jurisprudência do STF, que, no HC 141.924/SP (Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, j. 06/06/2017), esclareceu que as vedações do art. 44 não se aplicam integralmente ao tráfico privilegiado, dado seu tratamento diferenciado.

A Súmula 512 do STJ estabelece que “a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a natureza hedionda do crime de tráfico de drogas, mas permite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos”. Contudo, essa súmula não abrange a vedação ao indulto, que deve ser analisada à luz do Decreto presidencial e da Constituição.

2.4. Violação ao Princípio da Proporcionalidade

A negativa do indulto ao paciente, que cumpre penas restritivas de direitos por um delito de menor gravidade, configura desproporcionalidade. O STF, no HC 104.410/SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 07/06/2011), destacou que a aplicação de restrições a benefícios penais deve observar a gravidade do delito e a situação do condenado. No caso, o paciente é primário, não integra organização criminosa e teve a pena privativa de liberdade substituída, indicando baixo risco social.

3. Da Jurisprudência e Doutrina

A jurisprudência do STJ corrobora a tese defensiva. No HC 468.123/SP (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 19/06/2018), foi reconhecido que o tráfico privilegiado não se equipara automaticamente aos crimes hediondos para fins de vedação a benefícios. No mesmo sentido, o HC 513.392/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 04/12/2019).

Na doutrina, Rogério Sanches Cunha (in Manual de Direito Penal, 2024, p. 789) defende que “a interpretação restritiva das vedações do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 é necessária para compatibilizar a norma com os princípios constitucionais da individualização e da proporcionalidade”. Da mesma forma, Cleber Masson (in Direito Penal Esquematizado, 2025, p. 456) sustenta que o tráfico privilegiado deve receber tratamento diferenciado, inclusive quanto à possibilidade de indulto.

4. Do Constrangimento Ilegal

O indeferimento do indulto configura constrangimento ilegal, nos termos do art. 647 do Código de Processo Penal, pois:

  • Viola o princípio da legalidade, ao interpretar extensivamente o Decreto nº 12.338/2024.
  • Desrespeita a jurisprudência do STF e STJ, que reconhece a distinção entre tráfico privilegiado e crime hediondo.
  • Contraria os princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, previstos no art. 5º, incisos XLVI e XLVIII, da CF.

5. Do Pedido de Liminar

O art. 660, § 2º, do CPP e o art. 21, inciso XVIII, do RISTJ autorizam a concessão de liminar em habeas corpus quando presentes o fumus boni iuris (plausibilidade jurídica do pedido) e o periculum in mora (risco de dano irreparável).

No caso, o fumus boni iuris é evidente, diante da ilegalidade da decisão agravada, que contraria precedentes do STF e STJ. O periculum in mora está configurado, pois o paciente permanece submetido a penas restritivas de direitos, sofrendo prejuízo contínuo em sua liberdade e reintegração social.


DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se:

  1. Concessão de liminar para suspender os efeitos da decisão proferida no Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506, determinando a imediata análise do pedido de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, considerando a natureza não hedionda do tráfico privilegiado.
  2. No mérito, a concessão da ordem para:a) Anular a decisão agravada, por violação aos princípios constitucionais da legalidade, individualização da pena e proporcionalidade.
  3. b) Determinar que a 2ª Vara do Júri de Ribeirão Preto analise o pedido de indulto, reconhecendo a possibilidade de sua concessão ao paciente, condenado por tráfico privilegiado.
  4. A intimação do Ministério Público Federal para parecer, nos termos do art. 202 do RISTJ.
  5. A remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, conforme art. 203 do RISTJ.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 03 de maio de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho


“‘Não se pode ignorar que a interpretação restritiva das vedações legais é um imperativo do Estado Democrático de Direito, especialmente quando se trata de direitos fundamentais.”

(STF, HC 118.533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia)


Referências Bibliográficas:

  1. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 16ª ed. Salvador: JusPodivm, 2024.
  2. MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Método, 2025.
  3. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.
  4. Constituição Federal de 1988.
  5. Lei nº 11.343/2006.
  6. Lei nº 8.072/1990.
  7. Decreto nº 12.338/2024.
  8. Código de Processo Penal.
  9. Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ).

Precedentes:

  • STF: HC 118.533/MS, HC 141.924/SP, RE 1.030.592/SP, HC 104.410/SP.
  • STJ: HC 468.123/SP, HC 513.392/SP, Súmula 512.