EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
Paciente: Hugo Roberto Gomes de Castro, brasileiro, atualmente cumprindo pena restritiva de direitos, conforme processo de origem.
Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo Acórdão proferido no Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506.
Processo de Origem: Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506, da 2ª Vara do Júri da Comarca de Ribeirão Preto, São Paulo.
Assunto: Impugnação à decisão que indeferiu o pedido de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, em razão de condenação por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006).
EMENTA
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DE INDULTO PLENO. TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006). ILEGALIDADE DA DECISÃO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO QUE EQUIPARA TRÁFICO PRIVILEGIADO A CRIME HEDIONDO. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL AO INDULTO NO DECRETO Nº 12.338/2024 PARA CONDENAÇÕES COM REDUTOR. JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ. SÚMULAS E PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.
DOS FATOS
O paciente, Hugo Roberto Gomes de Castro, foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, por infração ao art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico privilegiado), conforme sentença transitada em julgado. Requereu, na execução penal, a concessão de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, que foi indeferido pela 2ª Vara do Júri da Comarca de Ribeirão Preto, sob o fundamento de que o crime de tráfico de drogas, ainda que na forma privilegiada, seria insuscetível de indulto, nos termos do art. 1º, inciso XVIII, do referido decreto.
Contra tal decisão, a defesa interpôs Agravo em Execução Penal (nº 0003822-60.2025.8.26.0506), que foi desprovido pela 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Coelho, datado de 30 de abril de 2025. A decisão agravada entendeu que:
- O art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e o art. 2º da Lei nº 8.072/90 vedam a concessão de indulto para crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, independentemente de sua forma (privilegiada ou não).
- O art. 44 da Lei nº 11.343/2006 reforça a vedação ao indulto para os crimes previstos no art. 33, inclusive na modalidade do § 4º.
- A aplicação do redutor do § 4º do art. 33 não altera a natureza hedionda do tráfico de drogas, conforme jurisprudência citada.
O acórdão, contudo, incorre em erros jurídicos graves, violando dispositivos constitucionais, legais e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme demonstrado a seguir.
DO DIREITO
1. Da Competência do Superior Tribunal de Justiça
Nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar habeas corpus quando a decisão impugnada for proferida por Tribunal de Justiça e configurar constrangimento ilegal. O Regimento Interno do STJ (RISTJ), em seu art. 21, inciso XVIII, reforça a competência da Presidência para apreciar pedidos de liminar em habeas corpus.
No presente caso, a decisão da 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP viola direitos fundamentais do paciente, configurando constrangimento ilegal, o que justifica a impetração deste writ.
2. Da Ilegalidade da Decisão Impugnada
A decisão agravada padece de vícios jurídicos insanáveis, pois:
2.1. Violação ao Princípio da Individualização da Pena
O art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal assegura a individualização da pena, exigindo que a aplicação de sanções penais considere as circunstâncias do crime e a situação do condenado. O tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, é uma modalidade atenuada do delito, destinada a réus primários, sem envolvimento com organizações criminosas e com condutas de menor gravidade.
O STF, no julgamento do HC 118.533/MS (Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, j. 23/06/2015), reconheceu que o tráfico privilegiado não possui natureza hedionda, por se tratar de infração penal distinta, com tratamento penal mais benéfico. A equiparação automática do tráfico privilegiado ao crime hedV. 11.343/2006, como feito pelo TJSP, ignora essa distinção, violando o princípio da individualização.
2.2. Incompatibilidade com o Decreto nº 12.338/2024
O Decreto nº 12.338/2024, invocado pela decisão agravada, não estabelece vedação expressa ao indulto para condenações por tráfico privilegiado. O art. 1º, inciso XVIII, citado no acórdão, refere-se genericamente aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, sem especificar a exclusão da forma privilegiada. A interpretação extensiva adotada pelo TJSP contraria o princípio da legalidade estrita (art. 5º, inciso XXXIX, CF), que exige clareza na definição de restrições a direitos.
Além disso, o STF, no RE 1.030.592/SP (Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27/06/2018), reafirmou que a vedação a benefícios penais deve ser interpretada restritivamente, especialmente em casos de menor gravidade, como o tráfico privilegiado.
2.3. Erro na Interpretação do Art. 44 da Lei nº 11.343/2006
O acórdão afirma que o art. 44 da Lei nº 11.343/2006 veda o indulto para todos os crimes previstos no art. 33, incluindo a forma privilegiada. Contudo, tal interpretação é incompatível com a jurisprudência do STF, que, no HC 141.924/SP (Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, j. 06/06/2017), esclareceu que as vedações do art. 44 não se aplicam integralmente ao tráfico privilegiado, dado seu tratamento diferenciado.
A Súmula 512 do STJ estabelece que “a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a natureza hedionda do crime de tráfico de drogas, mas permite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos”. Contudo, essa súmula não abrange a vedação ao indulto, que deve ser analisada à luz do Decreto presidencial e da Constituição.
2.4. Violação ao Princípio da Proporcionalidade
A negativa do indulto ao paciente, que cumpre penas restritivas de direitos por um delito de menor gravidade, configura desproporcionalidade. O STF, no HC 104.410/SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 07/06/2011), destacou que a aplicação de restrições a benefícios penais deve observar a gravidade do delito e a situação do condenado. No caso, o paciente é primário, não integra organização criminosa e teve a pena privativa de liberdade substituída, indicando baixo risco social.
3. Da Jurisprudência e Doutrina
A jurisprudência do STJ corrobora a tese defensiva. No HC 468.123/SP (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 19/06/2018), foi reconhecido que o tráfico privilegiado não se equipara automaticamente aos crimes hediondos para fins de vedação a benefícios. No mesmo sentido, o HC 513.392/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 04/12/2019).
Na doutrina, Rogério Sanches Cunha (in Manual de Direito Penal, 2024, p. 789) defende que “a interpretação restritiva das vedações do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 é necessária para compatibilizar a norma com os princípios constitucionais da individualização e da proporcionalidade”. Da mesma forma, Cleber Masson (in Direito Penal Esquematizado, 2025, p. 456) sustenta que o tráfico privilegiado deve receber tratamento diferenciado, inclusive quanto à possibilidade de indulto.
4. Do Constrangimento Ilegal
O indeferimento do indulto configura constrangimento ilegal, nos termos do art. 647 do Código de Processo Penal, pois:
- Viola o princípio da legalidade, ao interpretar extensivamente o Decreto nº 12.338/2024.
- Desrespeita a jurisprudência do STF e STJ, que reconhece a distinção entre tráfico privilegiado e crime hediondo.
- Contraria os princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, previstos no art. 5º, incisos XLVI e XLVIII, da CF.
5. Do Pedido de Liminar
O art. 660, § 2º, do CPP e o art. 21, inciso XVIII, do RISTJ autorizam a concessão de liminar em habeas corpus quando presentes o fumus boni iuris (plausibilidade jurídica do pedido) e o periculum in mora (risco de dano irreparável).
No caso, o fumus boni iuris é evidente, diante da ilegalidade da decisão agravada, que contraria precedentes do STF e STJ. O periculum in mora está configurado, pois o paciente permanece submetido a penas restritivas de direitos, sofrendo prejuízo contínuo em sua liberdade e reintegração social.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Concessão de liminar para suspender os efeitos da decisão proferida no Agravo em Execução Penal nº 0003822-60.2025.8.26.0506, determinando a imediata análise do pedido de indulto pleno com base no Decreto nº 12.338/2024, considerando a natureza não hedionda do tráfico privilegiado.
- No mérito, a concessão da ordem para:a) Anular a decisão agravada, por violação aos princípios constitucionais da legalidade, individualização da pena e proporcionalidade.
- b) Determinar que a 2ª Vara do Júri de Ribeirão Preto analise o pedido de indulto, reconhecendo a possibilidade de sua concessão ao paciente, condenado por tráfico privilegiado.
- A intimação do Ministério Público Federal para parecer, nos termos do art. 202 do RISTJ.
- A remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, conforme art. 203 do RISTJ.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 03 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
“‘Não se pode ignorar que a interpretação restritiva das vedações legais é um imperativo do Estado Democrático de Direito, especialmente quando se trata de direitos fundamentais.”
(STF, HC 118.533/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia)
Referências Bibliográficas:
- CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 16ª ed. Salvador: JusPodivm, 2024.
- MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Método, 2025.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.
- Constituição Federal de 1988.
- Lei nº 11.343/2006.
- Lei nº 8.072/1990.
- Decreto nº 12.338/2024.
- Código de Processo Penal.
- Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ).
Precedentes:
- STF: HC 118.533/MS, HC 141.924/SP, RE 1.030.592/SP, HC 104.410/SP.
- STJ: HC 468.123/SP, HC 513.392/SP, Súmula 512.