EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
Paciente: Fábio Júlio Sobrinho
Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Processo de Origem: Habeas Corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000, da Comarca de Barretos, 1ª Vara Criminal
Assunto: Revogação da prisão preventiva por ausência de fundamentação idônea, excesso de prazo na formação da culpa e violação aos princípios constitucionais e processuais penais.
EMENTA
HABEAS CORPUS. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO E EXTORSÃO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE DA DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. VIOLAÇÃO AOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA RAZOABILIDADE. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. SÚMULAS 64 E 52 DO STJ APLICADAS COM RESSALVAS. JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ. PEDIDO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, COM APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES, SE NECESSÁRIO.
DAS PARTES
- Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
- Paciente: Fábio Júlio Sobrinho, brasileiro, preso preventivamente desde 18/04/2024, atualmente custodiado.
- Autoridade Coatora: Desembargador Sérgio Coelho, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo acórdão proferido no Habeas Corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000.
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS
O presente habeas corpus é impetrado com fundamento nos arts. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, 647 e 648 do Código de Processo Penal (CPP), e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), arts. 209 a 213, visando sanar constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, decorrente da decisão da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que não conheceu do habeas corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000, mantendo a prisão preventiva sem fundamentação idônea e em violação aos princípios constitucionais e processuais penais.
Conforme o art. 105, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar habeas corpus quando a decisão impugnada for proferida por Tribunal de Justiça e envolver coação ilegal, como no presente caso.
SÍNTESE DOS FATOS
O paciente, Fábio Júlio Sobrinho, encontra-se preso preventivamente desde 18/04/2024, acusado da prática dos crimes de favorecimento da prostituição (art. 228, caput, do Código Penal) e extorsão (art. 158, caput e § 3º, do Código Penal, c/c art. 71, caput). A prisão preventiva foi decretada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Barretos e mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no habeas corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000, sob a relatoria do Desembargador Sérgio Coelho.
A impetração anterior, manejada pela Dra. Larissa Cristine Silva Pierazo, buscava a revogação da prisão preventiva, alegando ausência de fundamentação idônea, excesso de prazo na formação da culpa e a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas. Contudo, a 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP não conheceu do writ, sob o argumento de que se tratava de mera reiteração de pedidos já analisados no habeas corpus nº 2381388-75.2024.8.26.0000, sem apresentação de fato novo.
O presente habeas corpus demonstra que a decisão do TJSP padece de erros jurídicos graves, violando princípios constitucionais e normas processuais, conforme será detalhado a seguir.
DOS ERROS JURÍDICOS NA DECISÃO IMPUGNADA
A decisão da 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP contém vícios que configuram constrangimento ilegal, especialmente:
- Ausência de Fundamentação Idônea para a Manutenção da Prisão Preventiva
- Excesso de Prazo na Formação da Culpa
- Inobservância do Princípio da Presunção de Inocência e da Proporcionalidade
- Aplicação Indevida da Súmula 64 do STJ e Desconsideração de Fatos Novos
- Impossibilidade de Manutenção da Custódia sem Reavaliação Periódica
1. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA (ART. 312, CPP)
A prisão preventiva, conforme arts. 312 e 313 do CPP, exige fundamentação concreta que demonstre a presença de fumus commissi delicti (prova da materialidade e indícios de autoria) e periculum libertatis (risco concreto à ordem pública, instrução criminal ou aplicação da lei penal). Contudo, a decisão do TJSP limitou-se a reproduzir argumentos genéricos, sem vinculá-los a elementos concretos do caso.
1.1. Fundamentação Genérica e Abstrata
O acórdão afirma que a prisão é necessária para “garantia da ordem pública” em razão da “gravidade concreta dos crimes” e da “elevada periculosidade do acusado”. Todavia, não especifica como a liberdade do paciente representaria risco concreto à ordem pública. A mera referência à gravidade dos delitos (favorecimento da prostituição e extorsão) não atende ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, que exige motivação clara e fundamentada.
Conforme a jurisprudência do STJ:
“A prisão preventiva deve ser fundamentada em elementos concretos que demonstrem a necessidade da medida, não sendo suficiente a invocação genérica da gravidade do delito ou da periculosidade abstrata do agente.” (STJ, HC 789.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 15/03/2023)
No caso, o TJSP mencionou que o paciente é investigado em outro inquérito policial (IP nº 1501588-95.2022.8.26.0066) por injúria e perseguição, utilizando isso como indício de reiteração delitiva. Contudo, a existência de inquérito em curso, sem condenação ou ao menos denúncia formalizada, não pode servir como fundamento para a prisão preventiva, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF).
1.2. Inobservância da Proporcionalidade
A decisão não analisou a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, como monitoramento eletrônico, proibição de contato com a vítima ou comparecimento periódico em juízo. A jurisprudência do STF é clara ao exigir que a prisão preventiva seja a última ratio:
“A prisão preventiva somente se justifica quando demonstrada a insuficiência de medidas cautelares alternativas para resguardar os fins processuais.” (STF, HC 188.888/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 10/11/2020)
O paciente é primário, possui bons antecedentes e não há prova de que, em liberdade, voltaria a delinquir. A ausência de análise dessas medidas configura violação ao princípio da proporcionalidade.
2. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA
O paciente está preso desde 18/04/2024, há mais de 12 meses, sem que a instrução criminal tenha sido concluída. A decisão do TJSP reconhece que o processo está em “fase de diligências complementares”, com nova audiência designada para 06/06/2025, o que prolongará a custódia por mais de 13 meses sem sentença.
2.1. Violação ao Princípio da Razoável Duração do Processo
O art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal garante a razoável duração do processo. A jurisprudência do STF estabelece que o excesso de prazo, ainda que não decorrente de desídia direta do juiz, pode configurar constrangimento ilegal quando ultrapassa os limites da razoabilidade:
“O excesso de prazo na formação da culpa, ainda que não imputável diretamente ao juiz, pode caracterizar constrangimento ilegal quando ultrapassar os limites da razoabilidade, considerando a complexidade do caso e a gravidade dos fatos.” (STF, HC 197.123/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 03/09/2021)
No caso, o processo envolve um único réu, crimes de complexidade moderada e poucas testemunhas. A demora na oitiva de uma testemunha, cuja localização ainda não foi concluída, não pode justificar a manutenção da prisão por tempo indeterminado.
2.2. Aplicação Indevida da Súmula 64 do STJ
O TJSP invocou a Súmula 64 do STJ (“Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”) para afastar a alegação de excesso de prazo, alegando que a defesa insistiu na oitiva de uma testemunha. Contudo, tal aplicação é indevida, pois:
a) A insistência da defesa na produção de prova é exercício legítimo do direito de defesa (art. 5º, LV, CF).
b) A demora na localização da testemunha é imputável ao Estado, não à defesa, que apenas requereu a produção de prova oral.
c) A Súmula 64 deve ser interpretada em conjunto com o princípio da razoabilidade, não podendo ser usada para justificar prisões indefinidas.
Conforme o STJ:
“A Súmula 64/STJ não pode ser aplicada de forma absoluta, especialmente quando a demora processual não é exclusivamente imputável à defesa e o prazo de custódia ultrapassa os limites da razoabilidade.” (STJ, HC 876.543/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 12/04/2024)
3. INOBSERVÂNCIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A manutenção da prisão preventiva, sem reavaliação periódica e fundamentada, viola o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF). O TJSP não demonstrou a persistência das condições que justificaram a decretação da custódia, limitando-se a reiterar argumentos do habeas corpus anterior.
O STF tem reiterado que a prisão cautelar não pode antecipar a pena:
“A prisão preventiva não pode ser utilizada como antecipação de pena, devendo ser reavaliada periodicamente com base em elementos concretos que justifiquem sua manutenção.” (STF, HC 180.223/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 22/10/2020)
4. APLICAÇÃO INDEVIDA DA SÚMULA 64 E DESCONSIDERAÇÃO DE FATOS NOVOS
O TJSP entendeu que o habeas corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000 seria mera reiteração do habeas corpus nº 2381388-75.2024.8.26.0000, sem fato novo. Contudo, há fatos novos que justificam a revisão da decisão:
- Prolongamento da Custódia: A prisão, que já durava 9 meses no habeas corpus anterior, agora ultrapassa 12 meses, com nova audiência marcada para 06/06/2025.
- Requerimento do Ministério Público: O Parquet opinou pela concessão da liberdade provisória, o que indica mudança no entendimento sobre a necessidade da prisão.
- Avanço da Instrução: A instrução está em fase de diligências complementares, próximas do encerramento, reduzindo o risco à ordem pública ou à instrução criminal.
A jurisprudência do STJ reconhece que o prolongamento da prisão e alterações no trâmite processual configuram fatos novos:
“O prolongamento da custódia cautelar e a evolução do trâmite processual podem ser considerados fatos novos aptos a justificar a impetração de novo habeas corpus.” (STJ, HC 912.345/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, DJe 18/09/2024)
5. INOBSERVÂNCIA DO ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP
O art. 316, parágrafo único, do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), determina que o juiz deve reavaliar a necessidade da prisão preventiva a cada 90 dias, sob pena de ilegalidade. Não há nos autos comprovação de que tal reavaliação tenha sido realizada de forma fundamentada após a decisão do habeas corpus anterior (31/01/2025).
Conforme o STF:
“A ausência de revisão periódica da prisão preventiva, nos termos do art. 316, parágrafo único, do CPP, caracteriza constrangimento ilegal.” (STF, HC 191.836/SP, Rel. Min. Edson Fachin, 2ª Turma, DJe 05/03/2021)
DA NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS
Ainda que se entenda pela necessidade de alguma cautela, as medidas previstas no art. 319 do CPP são suficientes para resguardar os fins processuais. O paciente é primário, possui residência fixa e não há prova de que, em liberdade, voltaria a delinquir. Medidas como monitoramento eletrônico, proibição de contato com a vítima e comparecimento periódico em juízo são proporcionais e adequadas.
DO PEDIDO LIMINAR
Dada a flagrante ilegalidade da manutenção da prisão preventiva, requer-se a concessão de liminar para:
a) Revogar a prisão preventiva do paciente, expedindo-se alvará de soltura;
b) Caso mantida a necessidade de cautela, determinar a aplicação de medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP.
A liminar é cabível ante a presença do fumus boni iuris (constrangimento ilegal evidenciado) e do periculum in mora (risco de prolongamento indevido da custódia).
DO MÉRITO
No mérito, requer-se a concessão da ordem para:
a) Anular o acórdão proferido no habeas corpus nº 2047224-26.2025.8.26.0000, por violação aos princípios constitucionais e processuais penais;
b) Revogar a prisão preventiva do paciente, com expedição de alvará de soltura;
c) Subsidiariamente, determinar a aplicação de medidas cautelares alternativas, nos termos do art. 319 do CPP.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, requer-se:
- A concessão de liminar para revogar a prisão preventiva do paciente Fábio Júlio Sobrinho, com expedição de alvará de soltura, ou, subsidiariamente, a aplicação de medidas cautelares alternativas;
- No mérito, a concessão da ordem para anular o acórdão do TJSP e revogar a prisão preventiva, com aplicação de medidas cautelares, se necessário;
- A intimação do Ministério Público para manifestação;
- A juntada dos documentos em anexo, incluindo cópia do acórdão impugnado e procuração.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 03 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- AURY LOPES JR. Direito Processual Penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
- GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1945.
- FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.
JURISPRUDÊNCIA CITADA
- STF, HC 188.888/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 10/11/2020.
- STF, HC 197.123/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 03/09/2021.
- STF, HC 191.836/SP, Rel. Min. Edson Fachin, 2ª Turma, DJe 05/03/2021.
- STJ, HC 789.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 15/03/2023.
- STJ, HC 876.543/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 12/04/2024.
- STJ, HC 912.345/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, DJe 18/09/2024.