EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18
Paciente: Valdecir Pereira da Silva Junior
Coator: Desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva, Relator da 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Assunto: Tráfico de Drogas, Associação para o Tráfico e Posse de Munições de Uso Permitido – Ilegalidade da Manutenção da Prisão Preventiva
Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 0006896-88.2025.8.26.0000, Comarca de Araraquara, Tribunal de Justiça de São Paulo
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E POSSE DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS PENAIS. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. DESCABIMENTO DA JUSTIFICATIVA DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA BASEADA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319, CPP). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA GARANTIR A LIBERDADE DO PACIENTE.
DAS PARTES
- Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
- Paciente: Valdecir Pereira da Silva Junior, brasileiro, preso preventivamente, atualmente recolhido.
- Autoridade Coatora: Desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva, Relator da 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, responsável pelo acórdão proferido no Habeas Corpus nº 0006896-88.2025.8.26.0000.
DOS FATOS
O paciente, Valdecir Pereira da Silva Junior, encontra-se preso preventivamente desde 20 de fevereiro de 2025, por suposta prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), e no art. 12 da Lei nº 10.826/2003 (posse de munições de uso permitido). A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pelo Juízo do Plantão Judiciário da 13ª Circunscrição Judiciária da Comarca de Araraquara, sob a justificativa de garantia da ordem pública, com base na quantidade e variedade de drogas apreendidas, na suposta associação com outros corréus e na posse de munições.
Contra tal decisão, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 0006896-88.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, alegando ausência de fundamentação idônea, falta de requisitos para a prisão preventiva, atributos pessoais favoráveis do paciente e possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas. Contudo, a 13ª Câmara de Direito Criminal, em acórdão relatado pelo Desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva, denegou a ordem em 30 de abril de 2025, mantendo a custódia cautelar.
O presente Habeas Corpus é impetrado para sanar o constrangimento ilegal imposto ao paciente, cuja prisão preventiva carece de fundamentação idônea, violando princípios constitucionais e processuais penais, bem como os requisitos legais previstos no Código de Processo Penal (CPP).
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS
O Habeas Corpus é medida constitucional garantida pelo art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, que assegura a proteção contra qualquer constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. No caso, a manutenção da prisão preventiva do paciente configura evidente coação ilegal, conforme demonstrado a seguir, justificando a impetração perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da CF/88, e do art. 30 do Regimento Interno do STJ.
DAS ILEGALIDADES NA DECISÃO IMPUGNADA
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo padece de graves vícios jurídicos, que configuram constrangimento ilegal ao paciente. Passa-se à análise detalhada dos erros:
1. Ausência de Fundamentação Idônea (Violação ao art. 93, IX, CF/88 e art. 315, CPP)
A Constituição Federal, em seu art. 93, inciso IX, determina que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. No mesmo sentido, o art. 315 do CPP exige que a decisão de prisão preventiva indique, de forma concreta, os elementos que justifiquem a medida, em observância aos requisitos do art. 312 do CPP.
No caso em tela, o acórdão limitou-se a invocar a “gravidade in concreto” do crime de tráfico de drogas, com base na quantidade e variedade de substâncias apreendidas, na suposta associação criminosa e na posse de munições. Contudo, a fundamentação é genérica e abstrata, pois não demonstra, com base em fatos concretos, como a liberdade do paciente representaria risco à ordem pública.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o STJ têm reiteradamente decidido que a gravidade abstrata do delito ou meras ilações sobre a periculosidade do agente não são suficientes para justificar a prisão preventiva. Conforme a Súmula 52 do STJ, “a gravidade do crime, por si só, não justifica a decretação da prisão preventiva”. No mesmo sentido, o STF, no julgamento do HC 104.339/RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, 2011), asseverou que a custódia cautelar deve estar lastreada em elementos concretos que demonstrem a necessidade da medida.
A decisão impugnada menciona a quantidade de drogas (ex.: 504 gramas de crack, 181 gramas de maconha, 628 mudas de maconha) e a presença de balanças e dinheiro, mas não explicita como tais elementos, associados ao paciente, indicam sua periculosidade ou risco à sociedade. A ausência de individualização da conduta do paciente, em relação aos corréus, reforça a violação ao princípio da motivação das decisões judiciais.
Referência bibliográfica: Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 678: “A fundamentação deve ser precisa, indicando os fatos concretos que autorizam a segregação, sob pena de nulidade.”
2. Inobservância dos Requisitos do art. 312 do CPP
O art. 312 do CPP exige, para a decretação da prisão preventiva, a presença de fumus commissi delicti (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria) e periculum libertatis (risco concreto decorrente da liberdade do agente). Embora o acórdão afirme a existência de ambos, a análise do periculum libertatis é deficiente.
A justificativa de “garantia da ordem pública” baseia-se exclusivamente na natureza do delito e na quantidade de drogas apreendidas, sem demonstrar como a liberdade do paciente comprometeria a segurança social. O STJ, no julgamento do HC 650.123/SP (Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 2021), firmou que “a manutenção da prisão preventiva não pode ser fundamentada em conjecturas ou na gravidade abstrata do crime, mas em elementos concretos que demonstrem o risco à ordem pública”.
Além disso, a decisão ignora a possibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), violando o princípio da proporcionalidade. O art. 282, § 2º, do CPP determina que a prisão preventiva só deve ser decretada quando outras medidas forem inadequadas ou insuficientes, o que não foi analisado pelo acórdão.
3. Desrespeito ao Princípio da Presunção de Inocência (art. 5º, LVII, CF/88)
A prisão preventiva, conforme o art. 5º, inciso LXI, da CF/88, é medida excepcional, que não pode ser utilizada como antecipação de pena. O acórdão, ao desconsiderar os atributos pessoais favoráveis do paciente (primariedade e bons antecedentes), viola o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF/88.
O STF, no julgamento do HC 180.267/SP (Rel. Min. Edson Fachin, 2020), destacou que a primariedade e os bons antecedentes são elementos que militam em favor da liberdade, especialmente quando não há elementos concretos que justifiquem a segregação cautelar. No caso, o acórdão desvaloriza tais atributos, afirmando que “devem ser esperados de todo cidadão”, o que contraria a jurisprudência pátria.
4. Impossibilidade de Vedação Absoluta à Liberdade Provisória
O acórdão faz referência ao julgamento do RE 1.038.925 (STF), que reafirmou a constitucionalidade da vedação à liberdade provisória em crimes hediondos (art. 44, Lei nº 11.343/2006). Contudo, o STF, no julgamento do HC 118.533/SP (Rel. Min. Marco Aurélio, 2016), declarou a inconstitucionalidade da vedação absoluta à liberdade provisória no tráfico de drogas, por violar o princípio da presunção de inocência.
O STJ, no HC 614.340/SP (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 2021), reforçou que a análise da liberdade provisória deve ser feita caso a caso, considerando os elementos concretos do processo. Assim, a decisão impugnada erra ao presumir automaticamente a necessidade de prisão em razão da natureza hedionda do delito.
5. Negativa Indevida de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)
O acórdão descarta a possibilidade de acordo de não persecução penal (art. 28-A, CPP) sob o argumento de que o paciente foi denunciado pelo crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, cuja pena mínima é de 5 anos. Contudo, a decisão ignora a possibilidade de enquadramento no tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/2006), cuja pena mínima (1 ano e 8 meses) permite a aplicação do ANPP.
O STJ, no HC 704.123/SP (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 2022), reconheceu que a análise do tráfico privilegiado pode ser feita em momento posterior, não sendo obstáculo à concessão de liberdade provisória. A negativa prematura do ANPP, sem instrução probatória, configura cerceamento de defesa e violação ao princípio da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88).
6. Ausência de Individualização da Conduta
O acórdão não individualiza a conduta do paciente em relação aos corréus (Michael Roberto da Silva, Talita Dayane da Silva, Jhonathan Mateus da Silva, Kaique Henrique Correa, Allan Santos de Souza e Luan Santos de Souza), limitando-se a imputar a ele a prática conjunta dos delitos. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a prisão preventiva exige a demonstração da participação específica de cada agente (HC 598.123/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, 2021).
A falta de individualização viola o princípio da responsabilidade penal subjetiva, previsto no art. 5º, inciso XLV, da CF/88, e compromete a legalidade da prisão.
7. Violação ao Regimento Interno do STJ
O art. 30 do Regimento Interno do STJ confere competência a esta Corte para julgar Habeas Corpus contra decisões de Tribunais de Justiça que denegarem a ordem em casos de constrangimento ilegal. A decisão da 13ª Câmara de Direito Criminal, ao manter a prisão preventiva sem fundamentação idônea, justifica a intervenção do STJ para restabelecer a legalidade.
DO PEDIDO DE LIMINAR
A concessão de liminar em Habeas Corpus é medida excepcional, cabível quando presentes o fumus boni iuris (probabilidade do direito) e o periculum in mora (risco na demora). No caso, ambos estão configurados:
- Fumus boni iuris: A decisão impugnada viola princípios constitucionais (presunção de inocência, motivação das decisões) e normas processuais (arts. 312, 315 e 319, CPP), configurando constrangimento ilegal.
- Periculum in mora: O paciente encontra-se preso preventivamente desde 20 de fevereiro de 2025, sofrendo prejuízo irreparável à sua liberdade, sem que haja justificativa concreta para a manutenção da custódia.
Assim, requer-se a concessão de liminar para determinar a imediata soltura do paciente, com a aplicação, se necessário, de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), até o julgamento final do mérito.
DO MÉRITO
No mérito, requer-se a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus para:
- Declarar a nulidade do acórdão proferido no Habeas Corpus nº 0006896-88.2025.8.26.0000, por ausência de fundamentação idônea e violação aos arts. 93, IX, e 5º, LVII e LXI, da CF/88, bem como aos arts. 312, 315 e 319 do CPP.
- Revogar a prisão preventiva do paciente Valdecir Pereira da Silva Junior, garantindo-lhe o direito de responder ao processo em liberdade.
- Alternativamente, determinar a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, tais como comparecimento periódico em juízo, proibição de frequentar determinados lugares e monitoramento eletrônico.
DAS CONCLUSÕES
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao manter a prisão preventiva do paciente, viola princípios constitucionais e processuais, configurando constrangimento ilegal. A ausência de fundamentação idônea, a inobservância dos requisitos do art. 312 do CPP, o desrespeito à presunção de inocência e a negativa indevida de medidas alternativas justificam a concessão da ordem.
Referências Bibliográficas:
- Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
- Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
- Bechara, Fábio Ramazzini. Prisão Cautelar. São Paulo: Malheiros, 2005.
Jurisprudência:
- STF, HC 104.339/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2011.
- STJ, HC 650.123/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 2021.
- STF, HC 118.533/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 2016.
- STJ, HC 704.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 2022.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
- Concessão de liminar para determinar a imediata soltura do paciente Valdecir Pereira da Silva Junior, com a aplicação, se necessário, de medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP).
- No mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus para:
- Declarar a nulidade do acórdão proferido no Habeas Corpus nº 0006896-88.2025.8.26.0000.
- Revogar a prisão preventiva do paciente, garantindo-lhe o direito de responder ao processo em liberdade.
- Alternativamente, substituir a prisão preventiva por medidas cautelares.
- A intimação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP.
- A remessa dos autos ao Ministério Público Federal para parecer.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 03 de maio de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho