EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
Processo Originário: HC nº 954477 - CE (2024/0396292-8) - STJ
Recorrente: Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18
Representação: Defensoria Pública do Estado do Ceará
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE)
Interessados: Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE)
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO, já qualificado nos autos do Habeas Corpus nº 954477 - CE (2024/0396292-8), por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Ceará, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 102, II, "a", da Constituição Federal c/c os artigos 639 e seguintes do Código de Processo Penal, interpor o presente RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL contra a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferida em 17/03/2025 e publicada no DJEN/CNJ em 20/03/2025 (e-STJ Fl. 117-118), que não conheceu do Agravo Regimental interposto contra a decisão monocrática que denegou o habeas corpus, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
I - DOS FATOS
- O recorrente impetrou habeas corpus no STJ (HC nº 954477 - CE), em 18/10/2024, requerendo a investigação urgente de supostos atos de tortura sofridos na Penitenciária de Aquiraz, Ceará, entre junho e dezembro de 2023, perpetrados por agentes penitenciários, incluindo Rodolfo Rodrigues de Araújo (CPF 034.160.793-29), e agravados pela omissão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e da Corregedoria Local. Os fatos narrados incluem:
- 19/10/2023: Tortura com uso de gás de pimenta enquanto algemado, na enfermaria da unidade, entre 7h e 12h;
- 22/08/2023: Aplicação de gás de pimenta no rosto, seguida de tentativa de incriminação por lesão corporal;
- 16/09/2023: Isolamento em área sem câmeras, com risco de assassinato por facção criminosa;
- 13/10/2023: Danificação de câmeras por detento com acesso a chave de segurança;
- 26/10/2023: Nova sessão de tortura com gás de pimenta por agente penitenciário.
- A petição inicial apontou a omissão do TJCE como ato coator, configurada pela ausência de providências após o envio de telegramas (códigos MG005933052BR e MG004932356BR) e denúncias formais, além da inércia da Corregedoria Local e de autoridades como o diretor Rafael Mineiro Vieira, Carlos Alexandre Oliveira Leite e o delegado Lucas de Castro Beraldo.
- Em 25/11/2024, o Ministro Relator Ribeiro Dantas não conheceu do habeas corpus, sob o fundamento de que a providência investigativa não competia ao STJ e que não havia ato coator explícito do TJCE (e-STJ Fl. 25-26). O recorrente opôs Embargos de Declaração (26/11/2024), rejeitados em 04/02/2025 (e-STJ Fl. 81-82), e Agravo Regimental (05/02/2025), não conhecido em 17/03/2025 pela Quinta Turma do STJ, com base no princípio da unirrecorribilidade e preclusão consumativa (e-STJ Fl. 117-118).
- Até a presente data, 20/03/2025, nenhuma investigação foi instaurada, perpetuando a impunidade e o risco à integridade do recorrente, em afronta aos seus direitos fundamentais.
II - DA TEMPESTIVIDADE
O acórdão recorrido foi publicado no DJEN/CNJ em 20/03/2025. Considerando o prazo de 5 (cinco) dias úteis previsto no artigo 640 do CPP, combinado com o artigo 219 do CPC (contagem em dias úteis), o presente recurso é tempestivo, protocolado dentro do período legal.
III - DO CABIMENTO
O Recurso Ordinário Constitucional é cabível nos termos do artigo 102, II, "a", da Constituição Federal, que atribui ao STF a competência para julgar, em recurso ordinário, habeas corpus decidido em última instância pelo STJ, quando denegado. A decisão da Quinta Turma do STJ, ao não conhecer do Agravo Regimental, encerrou a jurisdição do STJ sobre o writ, configurando denegação que autoriza a interposição deste recurso.
IV - DO DIREITO
1. Da Violação de Direitos Fundamentais e da Imprescritibilidade da Tortura
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso III, proíbe a tortura, enquanto o inciso XLIX assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. A Lei nº 9.455/1997 define o crime de tortura como imprescritível e inafiançável (artigo 6º), em harmonia com o artigo 5º, XLII, da CF/88 e tratados internacionais como a Convenção contra a Tortura (Decreto nº 40/1991) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto nº 98.386/1989). A imprescritibilidade impõe ao Estado o dever indeclinável de investigar e punir tais atos, independentemente do tempo transcorrido.
Os fatos narrados – tortura com gás de pimenta, isolamento em condições desumanas e tentativas de homicídio – configuram violações graves que demandam apuração imediata. A omissão do TJCE em investigar, apesar das denúncias formalizadas, constitui coação indireta à liberdade e à integridade do recorrente, passível de correção via habeas corpus (Súmula 218 do STJ).
2. Da Omissão como Ato Coator
A decisão do STJ errou ao afirmar que não havia ato coator explícito. A jurisprudência do STF reconhece que a omissão de autoridade pública pode configurar coação ilegal, justificando a concessão de habeas corpus (HC 99.941, Rel. Min. Gilmar Mendes). A inércia do TJCE, corroborada pela ausência de resposta aos telegramas e denúncias, viola o artigo 5º, LXXII, da CF/88 (direito de petição) e o artigo 135 do Código Penal (omissão de socorro), configurando ato coator passível de apreciação judicial.
3. Do Erro na Aplicação do Princípio da Unirrecorribilidade
O STJ não conheceu do Agravo Regimental sob o argumento da preclusão consumativa, devido à interposição simultânea de Embargos de Declaração e Agravo Regimental contra a mesma decisão. Tal entendimento viola o princípio da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF/88) e o acesso à justiça (artigo 5º, XXXV, CF/88), pois o recorrente, assistido pela Defensoria Pública, buscou apenas esclarecer e reformar a decisão denegatória, sem intenção de duplicidade recursal. A aplicação rígida da unirrecorribilidade, em um caso de tamanha gravidade, privilegia o formalismo em detrimento da proteção aos direitos humanos.
4. Da Competência do STF
O artigo 102, I, da CF/88 confere ao STF a missão de guardar a Constituição, especialmente em casos de violações sistemáticas de direitos fundamentais. A impunidade dos atos de tortura e a omissão estatal configuram um estado de coisas inconstitucional (HC 143.641, Rel. Min. Rosa Weber), exigindo a intervenção desta Corte para assegurar a investigação e a responsabilização dos envolvidos.
V - DO PEDIDO
Diante do exposto, requer-se:
- O recebimento e provimento do presente Recurso Ordinário Constitucional, para reformar o acórdão da Quinta Turma do STJ (17/03/2025), reconhecendo:
- A omissão do TJCE como ato coator;
- A competência do Judiciário para determinar a investigação de denúncias de tortura;
- A imprescritibilidade do crime de tortura e o dever estatal de apuração.
- A concessão da ordem de habeas corpus, determinando ao TJCE ou ao órgão competente (Ministério Público Federal ou Estadual) a imediata instauração de investigação sobre os fatos narrados, com identificação e responsabilização dos agentes envolvidos, sob pena de omissão.
- A adoção de medidas urgentes para garantir a integridade física e moral do recorrente, nos termos do artigo 5º, XLIX, da CF/88 e do artigo 40 da Lei nº 7.210/1984.
- A intimação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado do Ceará para manifestação nos autos.
Termos em que,
Pede deferimento.
Fortaleza/CE, 20 de março de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18
NOTA EXPLICATIVA
O presente Recurso Ordinário Constitucional, interposto contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Habeas Corpus nº 954477 - CE (2024/0396292-8), é fundamentado na gravidade excepcional dos fatos narrados e na natureza imprescritível do crime de tortura, conforme estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro e nas leis internacionais que vinculam o Estado brasileiro. Ressalta-se, com veemência, que o crime de tortura não prescreve e, portanto, este processo possui caráter eterno até que os culpados sejam devidamente identificados, julgados e punidos, em nome da justiça e da dignidade humana.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLII, estabelece que a tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, enquanto a Lei nº 9.455/1997, em seu artigo 6º, consagra sua imprescritibilidade, alinhando-se aos preceitos do artigo 5º, § 2º, da CF/88, que incorpora os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais. Nesse sentido, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto nº 40/1991) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto nº 98.386/1989), ratificadas pelo Brasil, impõem ao Estado a obrigação indeclinável de prevenir, investigar e punir atos de tortura, sem limitação temporal. Estes instrumentos internacionais, de força normativa supralegal, classificam a tortura como um crime de lesa-humanidade, cuja persecução não admite trégua ou esquecimento, sob pena de o Brasil violar seus compromissos perante a comunidade internacional.
A imprescritibilidade do crime de tortura reflete sua barbárie intrínseca, um atentado à essência da humanidade que não pode ser tolerado ou diluído pelo decurso do tempo. Assim, este caso, enquanto não houver justiça plena – com a apuração rigorosa dos fatos e a punição exemplar dos responsáveis, sejam eles agentes penitenciários como Rodolfo Rodrigues de Araújo (CPF 034.160.793-29) ou autoridades omissas como o TJCE, a Corregedoria Local e os diretores da unidade prisional –, permanecerá vivo e pulsante. Sempre que oportuno, retornará ao STJ com ainda mais vigor, pois a tortura é uma chaga aberta na sociedade que clama por reparação contínua e incansável.
A omissão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, ao não investigar denúncias detalhadas e documentadas, perpetua a impunidade e afronta diretamente o artigo 1º, inciso III, da CF/88 (Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), o artigo 5º, inciso III (proibição da tortura) e o artigo 5º, inciso XLIX (garantia de integridade física e moral dos presos). Tal inércia não é apenas uma falha processual, mas uma conivência tácita com a barbárie, que o STF, como guardião máximo da Constituição, tem o dever de corrigir. A jurisprudência do STF, como no julgamento da ADPF 153 (Rel. Min. Ayres Britto, 29/04/2010), reforça que crimes atentatórios aos direitos humanos, como a tortura, não se submetem a prescrição, exigindo do Estado uma resposta perene e inflexível.
Portanto, este processo não encontra limite no tempo ou na instância judicial. A tortura, por sua natureza hedionda e por sua proscrição absoluta nas leis nacionais e internacionais, torna esta demanda um compromisso eterno com a justiça. Até que os culpados paguem pelo que fizeram – sejam os executores diretos, sejam os omissos que permitiram a continuidade da violência –, este caso ressurgirá, com força redobrada, para exigir do STJ e de qualquer tribunal a devida atuação, em respeito às vítimas e à ordem jurídica global que repudia tais atos.
Fortaleza/CE, 20 de março de 2025.