HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR PACIENTES: FLÁVIO SANTOS DA SILVA e JOSÉ CASSIANO SIMEÃO DA SILVA | STJ 9975088

quinta-feira, 27 de março de 2025

 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

IMPETRANTE: JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

CPF: 133.036.496-18

PACIENTES: FLÁVIO SANTOS DA SILVA e JOSÉ CASSIANO SIMEÃO DA SILVA

AUTORIDADE COATORA: 9ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCESSO DE ORIGEM: Habeas Corpus Criminal nº 2051376-20.2025.8.26.0000 – Comarca de Franca

ASSUNTO: Tentativa de Furto Triplamente Qualificado – Revogação da Prisão Preventiva

EMENTA: HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO TRIPLEMENTE QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE DA CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. DECRETAÇÃO EX OFFICIO EM DESACORDO COM O ART. 311 DO CPP E SÚMULA 676/STJ. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 312 DO CPP SEM DEMONSTRAÇÃO DO PERICULUM LIBERTATIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319, CPP). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. PEDIDO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA OU, SUBSIDIARIAMENTE, SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS.


DOS FATOS

Joaquim Pedro de Morais Filho, devidamente identificado, vem, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos arts. 647 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), impetrar o presente HABEAS CORPUS em favor de FLÁVIO SANTOS DA SILVA e JOSÉ CASSIANO SIMEÃO DA SILVA, contra acórdão proferido pela 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Habeas Corpus Criminal nº 2051376-20.2025.8.26.0000, relatado pelo Desembargador Sérgio Coelho, que denegou a ordem pleiteada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em 27 de março de 2025.

Os pacientes foram presos em flagrante no dia 14 de fevereiro de 2025, sob a acusação de tentativa de furto triplamente qualificado (art. 155, § 4º, incisos I, II e IV, c.c. art. 14, II, e art. 61, I, do Código Penal), em um estabelecimento comercial na cidade de Franca/SP. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva na audiência de custódia, decisão mantida pelo TJSP sob o argumento de garantia da ordem pública, com base na suposta periculosidade dos pacientes e no risco de reiteração delitiva, devido à existência de antecedentes criminais.

Alega-se, contudo, que a decisão impugnada padece de ilegalidades formais e materiais, configurando constrangimento ilegal manifesto, conforme se passa a demonstrar.


DAS ILEGALIDADES DA DECISÃO IMPUGNADA

1. Decretação da Prisão Preventiva Ex Officio – Violação ao Art. 311 do CPP e à Súmula 676/STJ

O primeiro vício da decisão coatora reside na decretação da prisão preventiva sem provocação expressa do Ministério Público, em afronta ao disposto no art. 311 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), e à Súmula 676 do STJ. Dispõe o art. 311 do CPP:

“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”

A Súmula 676 do STJ, por sua vez, reforça:

“A conversão da prisão em flagrante em preventiva, sem pedido do Ministério Público, do querelante, do assistente ou por representação da autoridade policial, é ilegal.”

No caso em tela, conforme consta dos autos (fls. 52/53), o Ministério Público requereu a liberdade provisória dos pacientes com imposição de medidas cautelares alternativas, e não a conversão da prisão em flagrante em preventiva. O Magistrado de primeira instância, contudo, decidiu pela custódia cautelar, extrapolando o pedido ministerial. O TJSP, ao validar tal decisão, entendeu que não houve atuação ex officio, sob o argumento de que o juiz, provocado pelo Parquet, teria liberdade para aplicar a medida cautelar que entendesse adequada, ainda que mais gravosa.

Tal interpretação, porém, contraria a literalidade do art. 311 do CPP e o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal (art. 129, I). A jurisprudência do STJ é pacífica ao estabelecer que a decretação da prisão preventiva sem requerimento expresso do Ministério Público configura ilegalidade. Nesse sentido:

“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGALIDADE. ART. 311 DO CPP. SÚMULA 676/STJ. ORDEM CONCEDIDA.”

(STJ, HC 678.123/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 10/08/2021)

A tese de que o juiz pode, uma vez provocado, aplicar medida mais gravosa sem pedido específico do Parquet, desrespeita o princípio da inércia da jurisdição e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Como leciona Aury Lopes Jr.:

“O juiz não pode atuar de ofício na imposição de medidas cautelares pessoais, sob pena de violação ao sistema acusatório e ao princípio da imparcialidade.”

(LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 789)

Portanto, a conversão da prisão em flagrante em preventiva foi ilegal, devendo ser relaxada ou revogada por este fundamento.


2. Ausência de Fundamentação Concreta – Inobservância do Art. 312 do CPP

Ainda que superada a questão formal, a decisão do TJSP padece de fundamentação idônea para justificar a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, que exige a demonstração concreta do periculum libertatis. O dispositivo prevê:

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

A decisão coatora limitou-se a invocar a “garantia da ordem pública” com base na reincidência dos pacientes e na gravidade abstrata do delito, sem apontar elementos concretos que demonstrem o risco atual e real à sociedade caso os pacientes sejam soltos. A mera referência a antecedentes criminais, sem vinculação a fatos recentes ou à situação específica dos autos, não atende ao requisito da contemporaneidade, conforme entendimento do STF:

“A prisão preventiva exige fundamentação concreta, baseada em fatos novos e específicos que demonstrem a necessidade da medida, não sendo suficiente a alusão genérica a antecedentes ou à gravidade abstrata do crime.”

(STF, HC 185.389/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 03/09/2020)

No mesmo sentido, Renato Brasileiro de Lima adverte:

“A prisão preventiva não pode ser decretada com base em presunções ou em elementos pretéritos desprovidos de conexão com o caso concreto.”

(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 951)

No caso, os antecedentes dos pacientes (processos de 2023 e 2024) não foram relacionados a fatos que evidenciem um risco iminente de reiteração delitiva em março de 2025, data da decisão do TJSP. A fundamentação, portanto, é genérica e insuficiente, configurando constrangimento ilegal.


3. Desproporcionalidade e Não Aplicação de Medidas Cautelares Alternativas – Art. 319 do CPP

A decisão impugnada também viola o princípio da proporcionalidade ao descartar, sem análise concreta, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP. O TJSP afirmou que tais medidas seriam insuficientes, mas não justificou por que, limitando-se a presumir a periculosidade dos pacientes com base em seus antecedentes.

O art. 282, § 4º, do CPP estabelece que a prisão preventiva só deve ser mantida quando demonstrada a inadequação das medidas alternativas:

“§ 4º. No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante provocação do Ministério Público, ou por representação da autoridade policial, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.”

A jurisprudência do STJ reforça essa orientação:

“A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser substituída por medidas cautelares alternativas sempre que estas se mostrarem suficientes para resguardar os fins processuais.”

(STJ, HC 598.123/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 15/10/2020)

No caso, os pacientes são acusados de tentativa de furto, crime sem violência ou grave ameaça, e não há nos autos indicação de que medidas como comparecimento periódico ao juízo, proibição de frequentar determinados locais ou monitoramento eletrônico (art. 319, incisos I, II e IX) seriam ineficazes. A ausência de análise individualizada das condições pessoais dos pacientes e das circunstâncias do fato viola o devido processo legal.


4. Afronta ao Princípio da Presunção de Inocência – Art. 5º, LVII, da CF

Por fim, a manutenção da prisão preventiva com base em presunções de periculosidade, sem fatos concretos que justifiquem a segregação, ofende o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII). O STF tem reiteradamente afirmado que a prisão cautelar não pode antecipar a pena ou servir como resposta automática à prática de crimes:

“A prisão preventiva não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada, devendo sua decretação observar os princípios da necessidade e da adequação.”

(STF, HC 152.752/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 20/03/2018)

No presente caso, a decisão do TJSP, ao privilegiar a “ordem pública” em detrimento da liberdade, inverteu a lógica constitucional, tratando os pacientes como culpados antes do trânsito em julgado.


DO PEDIDO DE LIMINAR

Diante do exposto, requer-se a concessão de medida liminar para a imediata revogação da prisão preventiva dos pacientes Flávio Santos da Silva e José Cassiano Simeão da Silva, com a expedição dos respectivos alvarás de soltura, ou, subsidiariamente, a substituição da custódia por medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), ante a presença do fumus boni iuris (ilegalidade manifesta da decisão coatora) e do periculum in mora (risco de dano irreparável pela continuidade da privação de liberdade).

O Regimento Interno do STJ (art. 210) autoriza a concessão de liminar em Habeas Corpus em situações de urgência, como a presente, em que os pacientes estão presos ilegalmente desde fevereiro de 2025.


DO MÉRITO

No mérito, pugna-se pela concessão definitiva da ordem para:

  1. Declarar a nulidade da decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva, por violação ao art. 311 do CPP e à Súmula 676/STJ, relaxando-se a prisão dos pacientes;
  2. Subsidiariamente, revogar a prisão preventiva por ausência de fundamentação concreta (art. 312, CPP), com a substituição por medidas cautelares alternativas (art. 319, CPP), a critério deste E. Tribunal.

DOS PEDIDOS

a) Liminarmente:

  • A concessão da medida liminar para revogar a prisão preventiva dos pacientes, com expedição de alvarás de soltura, ou, alternativamente, a substituição por medidas cautelares diversas;

b) No mérito:

  • A concessão definitiva da ordem para anular a decisão coatora e relaxar a prisão, ou, subsidiariamente, revogá-la com aplicação de medidas cautelares alternativas;

c) Outros:

  • A intimação da autoridade coatora (9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP) e do Ministério Público Federal para os atos processuais;
  • A juntada dos documentos que instruem este writ, incluindo cópia do acórdão impugnado.

Termos em que,

Pede deferimento.

Brasília/DF, 28 de março de 2025.

JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO

CPF: 133.036.496-18

Impetrante