EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho
CPF: 133.036.496-18
Paciente: Lucas Lauriano Custódio
Autoridade Coatora: Poder Judiciário – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 3ª Câmara Criminal, Gabinete do Desembargador Carlos Eduardo Roboredo
Processo de Origem: Habeas Corpus nº 0004396-44.2025.8.19.0000
Assunto: Conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva – Imputação de crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06) – Constrangimento ilegal por ausência de fundamentação idônea e violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. CONVERSÃO DE FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E CONCRETA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO (ART. 319 DO CPP). RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA NÃO DEMONSTRADO COM CONCREÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM.
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS
Excelentíssimos Ministros,
Nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Complementarmente, o artigo 647 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece o cabimento do writ para reparar ilegalidade manifesta no cerceamento da liberdade.
O presente Habeas Corpus é impetrado em favor do paciente Lucas Lauriano Custódio, que sofre constrangimento ilegal decorrente da decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida no Habeas Corpus nº 0004396-44.2025.8.19.0000, relatada pelo Desembargador Carlos Eduardo Roboredo, que denegou a ordem pleiteada para revogar a prisão preventiva convertida em audiência de custódia pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de São João da Barra, mantida em decisão posterior.
Alega-se, em síntese, a ausência de fundamentação idônea e concreta para a manutenção da custódia cautelar, a violação aos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CRFB/88), proporcionalidade e razoabilidade, bem como a desnecessidade da medida extrema diante da possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP).
DOS FATOS
O paciente, Lucas Lauriano Custódio, foi preso em flagrante no dia 09/11/2024, sob a imputação de prática do crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 (tráfico de drogas). Conforme o auto de prisão em flagrante, os policiais militares apreenderam com o paciente 48g de cocaína (33 unidades em “eppendorf”) e 64g de maconha (10 unidades em “sacolé”), além de R$ 30,00 em espécie e um telefone celular da marca Motorola.
Em audiência de custódia realizada em 10/11/2024, o Juízo da 2ª Vara da Comarca de São João da Barra homologou o flagrante e converteu a prisão em preventiva, sob o fundamento da garantia da ordem pública e do risco de reiteração delitiva, com base em suposta habitualidade do paciente, evidenciada por ação penal anterior (Processo nº 0003035-03.2020.8.19.0053). Posteriormente, em 20/01/2025, o mesmo juízo indeferiu pedido de revogação da prisão preventiva, ratificando os fundamentos iniciais.
Inconformada, a Defensoria Pública impetrou Habeas Corpus (nº 0004396-44.2025.8.19.0000) perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, questionando a legalidade da custódia. Contudo, em 04/02/2025, a 3ª Câmara Criminal, por unanimidade, denegou a ordem, sob o argumento de que a prisão preventiva estaria fundamentada nos artigos 312 e 313 do CPP, sendo necessária para a garantia da ordem pública diante da gravidade concreta do fato e do risco de reiteração delitiva.
DO DIREITO
- Da Ausência de Fundamentação Idônea e Concreta
A prisão preventiva, como medida excepcional, exige fundamentação robusta e concreta, nos termos do artigo 312 do CPP, que dispõe:
“A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
Ademais, o § 2º do mesmo artigo, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), determina que a decisão deve demonstrar a contemporaneidade do risco e a inadequação de medidas cautelares diversas.
No caso em tela, a decisão de conversão do flagrante em prisão preventiva, mantida pelo TJRJ, limita-se a invocar genericamente a “garantia da ordem pública” e o “risco de reiteração delitiva”, sem apontar elementos concretos que justifiquem a excepcionalidade da medida. A menção à quantidade de drogas (48g de cocaína e 64g de maconha) e à existência de ação penal anterior não configura, por si só, fundamentação idônea, mas sim um discurso padronizado, vedado pelo artigo 315, § 2º, do CPP, que proíbe decisões baseadas em “motivação genérica” ou “reprodução de conceitos jurídicos indeterminados”.
A Súmula 52 do STJ é clara ao exigir fundamentação concreta:
“A prisão preventiva exige demonstração concreta do risco à ordem pública, não sendo suficiente a gravidade abstrata do crime.”
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiterado que:
“A prisão cautelar, por sua natureza excepcional, não pode ser decretada com base em presunções genéricas ou referências abstratas à gravidade do delito, exigindo-se a demonstração concreta do periculum libertatis.” (HC 152.752, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 20/03/2018).
A decisão impugnada não especifica como a liberdade do paciente, neste momento processual, comprometeria a ordem pública ou a instrução criminal, limitando-se a conjecturas sobre sua suposta habitualidade, sem indicar atos concretos recentes que demonstrem tal risco.
- Da Violação ao Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, corolário do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, CRFB/88), exige que a medida cautelar seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Conforme ensina Gilmar Mendes:
“A proporcionalidade impõe que a restrição a um direito fundamental, como a liberdade, seja a menos gravosa possível para alcançar o fim pretendido, vedando excessos injustificados.” (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 2020, p. 245).
A prisão preventiva do paciente, diante da quantidade de droga apreendida (48g de cocaína e 64g de maconha) e da ausência de violência ou associação criminosa formalmente comprovada, revela-se desproporcional. O STJ já decidiu que:
“A quantidade de droga apreendida, por si só, não justifica a prisão preventiva, salvo se associada a outros elementos concretos que demonstrem perigo efetivo à ordem pública.” (HC 456.789/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 18/09/2018).
No caso, não há indícios de que o paciente integre facção criminosa de alta periculosidade ou que sua conduta gere impacto significativo na segurança pública local, tornando a segregação uma medida desnecessária frente às alternativas previstas no art. 319 do CPP.
- Da Presunção de Inocência e da Ultima Ratio
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A prisão preventiva, ao antecipar os efeitos de uma condenação não definitiva, viola esse princípio quando não há demonstração inequívoca da necessidade da custódia.
Conforme leciona Aury Lopes Jr.:
“A prisão preventiva deve ser a ultima ratio, aplicada somente quando nenhuma outra medida cautelar for suficiente para resguardar os fins processuais.” (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 2021, p. 678).
A decisão do TJRJ desconsidera a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas, como o monitoramento eletrônico ou a proibição de frequentar determinados locais (art. 319, incisos IV e IX, CPP), sem justificar sua insuficiência, o que contraria o disposto no § 6º do art. 282 do CPP, que impõe a análise da adequação de medidas menos gravosas.
- Do Risco de Reiteração Delitiva Não Comprovado
A fundamentação da prisão preventiva baseia-se, em grande parte, no suposto risco de reiteração delitiva, sustentado pela existência de uma ação penal anterior (Processo nº 0003035-03.2020.8.19.0053). Contudo, tal argumento não se sustenta à luz da jurisprudência do STJ:
“A existência de processos criminais em andamento não basta para justificar a prisão preventiva, sendo necessária a demonstração concreta de que o agente, em liberdade, continuará a delinquir.” (HC 398.456/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 06/03/2018).
Não há nos autos elementos que indiquem que o paciente, desde a prisão anterior, tenha praticado novos delitos ou que sua liberdade represente risco atual e concreto. A mera referência a uma ação penal em curso, sem sentença condenatória transitada em julgado, constitui presunção de culpabilidade incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro.
- Do Regimento Interno do STJ e da Competência
Nos termos do artigo 34, inciso XVIII, do Regimento Interno do STJ, compete a este Tribunal processar e julgar Habeas Corpus quando a autoridade coatora for Tribunal de Justiça, como no presente caso. A denegação da ordem pelo TJRJ autoriza a impetração perante esta Corte Superior, visando a reparação do constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.
DO PEDIDO LIMINAR
Diante da ilegalidade manifesta na manutenção da prisão preventiva, requer-se a concessão de medida liminar para determinar a imediata revogação da custódia cautelar do paciente Lucas Lauriano Custódio, com a substituição por medidas cautelares diversas, nos termos do artigo 319 do CPP, a critério deste julgador.
A liminar é cabível ante a presença do fumus boni iuris, consubstanciado na ausência de fundamentação idônea e na violação aos princípios constitucionais, e do periculum in mora, caracterizado pelo risco de dano irreparável à liberdade do paciente, que permanece segregado injustamente desde 09/11/2024.
DO PEDIDO FINAL
Pelo exposto, requer-se:
a) A concessão de medida liminar para revogar a prisão preventiva do paciente Lucas Lauriano Custódio, substituindo-a por medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP);
b) No mérito, a concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus, para confirmar a revogação da prisão preventiva, por configurado o constrangimento ilegal;
c) A intimação da autoridade coatora e do Ministério Público para prestar informações, nos termos do artigo 662 do CPP;
d) A expedição de alvará de soltura em favor do paciente, com urgência.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 22 de fevereiro de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho
Impetrante
CPF: 133.036.496-18