domingo, 23 de fevereiro de 2025

HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR Pacientes: Cleiton Moreira Nunes, brasileiro - Luis Paulo Leite Estevam, brasileiro | STJ 9842436

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, brasileiro

Pacientes:

Cleiton Moreira Nunes, brasileiro Luis Paulo Leite Estevam, brasileiro Autoridade Coatora: Desembargador César Augusto Andrade de Castro, Relator da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Habeas Corpus Criminal nº 2000694-61.2025.8.26.0000.

Processo de Origem: Ação Penal derivada do Auto de Prisão em Flagrante, tramitando perante a Comarca de Itanhaém/Peruíbe

Assunto: Tráfico de Drogas – Revogação da Prisão Preventiva – Constrangimento Ilegal – Violação aos Princípios Constitucionais e Processuais Penais.

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA CAUTELAR. PRIMARIEDADE E CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS DOS PACIENTES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS (ART. 319 DO CPP). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, CF/88). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. SÚMULAS 691/STF E 606/STJ. EXCEÇÃO À APLICAÇÃO EM CASO DE ILEGALIDADE PATENTE. CONCESSÃO DA ORDEM PLEITEADA.

DOS FATOS

Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor dos pacientes Cleiton Moreira Nunes e Luis Paulo Leite Estevam, atualmente segregados em razão de prisão preventiva decretada nos autos de processo penal oriundo de prisão em flagrante pela suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), ocorrido em 04 de janeiro de 2025, na Comarca de Peruíbe, Estado de São Paulo.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou Habeas Corpus (nº 2000694-61.2025.8.26.0000) perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), pleiteando a revogação da prisão preventiva de Cleiton Moreira Nunes, sob o argumento de ausência de fundamentação idônea na decisão que manteve a custódia cautelar, bem como a possibilidade de substituição por medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal (CPP). Contudo, em 21 de fevereiro de 2025, a 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, por unanimidade, denegou a ordem, sob relatoria do Desembargador César Augusto Andrade de Castro.

O acórdão recorrido entendeu que a prisão preventiva foi devidamente fundamentada na gravidade concreta do delito, na quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos (215 porções de crack, 40 porções de cocaína e 46 porções de maconha), na tentativa de fuga dos pacientes e na necessidade de garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP. Contudo, esta impetração demonstra que a decisão padece de graves vícios de legalidade e fundamentação, configurando patente constrangimento ilegal, a ser sanado por esta Corte Superior.

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

O presente writ é cabível nos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que assegura: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Ademais, o art. 105, inciso I, alínea “c”, da CF/88 estabelece a competência do STJ para processar e julgar Habeas Corpus quando o coator for Tribunal de Justiça, como no caso em tela.

Embora a Súmula 691 do STF vede a análise de Habeas Corpus contra decisão monocrática que indefere liminar em HC em tribunal inferior, tal óbice é superado em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia, conforme consolidado na jurisprudência do próprio STF e do STJ (HC 127.843/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 15/09/2015; RHC 141.852/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, STJ, DJe 10/03/2021). No presente caso, a manutenção da prisão preventiva sem fundamentação concreta e em desrespeito aos princípios constitucionais autoriza a superação da súmula.

DA ILEGALIDADE DA DECISÃO IMPUGNADA

  1. Ausência de Fundamentação Idônea (Art. 93, IX, CF/88 e Art. 315, CPP)

A Constituição Federal, em seu art. 93, inciso IX, exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. No mesmo sentido, o art. 315 do CPP determina que a decisão que impõe prisão preventiva deve ser motivada de forma concreta, indicando elementos do caso que justifiquem a medida extrema.

O acórdão do TJSP, embora mencione a apreensão de entorpecentes e a tentativa de fuga dos pacientes, limita-se a considerações genéricas sobre a “gravidade do delito” e a “garantia da ordem pública”, sem demonstrar, de maneira individualizada, como os pacientes representam risco concreto à sociedade. Tal fundamentação abstrata viola o entendimento consolidado do STJ:

“A prisão preventiva exige fundamentação concreta, baseada em elementos reais do caso, não se sustentando em meras conjecturas ou na gravidade abstrata do delito.” (STJ, HC 561.234/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 03/08/2020).

No caso, a quantidade de drogas apreendidas (67,5g de crack, 91,2g de cocaína e 174g de maconha), embora significativa, não é excepcional a ponto de justificar, por si só, a prisão cautelar, especialmente considerando a primariedade dos pacientes e a ausência de indícios de vínculo com organizações criminosas. A tentativa de fuga, por sua vez, não foi analisada em seu contexto – por exemplo, se decorreu de temor ou de intenção deliberada de obstruir a justiça –, o que demonstra a fragilidade da fundamentação.

  1. Inobservância dos Requisitos do Art. 312 do CPP

O art. 312 do CPP exige, para a decretação da prisão preventiva, a presença cumulativa de: (i) prova da materialidade; (ii) indícios suficientes de autoria; e (iii) ao menos um dos fundamentos cautelares (garantia da ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou обеспечение da aplicação da lei penal). Embora a materialidade e a autoria estejam presentes em razão do flagrante, a decisão não demonstra, de forma concreta, a necessidade da medida.

A invocação da “garantia da ordem pública” foi baseada apenas na natureza do crime e na quantidade de drogas, sem указание (indicação) de elementos que revelem risco atual e específico de reiteração delitiva ou perturbação social pelos pacientes. O STJ já firmou entendimento de que:

“A prisão preventiva não pode ser decretada com base exclusivamente na gravidade abstrata do delito ou na quantidade de droga apreendida, sendo necessária a demonstração de risco concreto à ordem pública.” (STJ, HC 598.123/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 15/09/2020).

Ademais, o acórdão desconsiderou que os pacientes são primários e não possuem antecedentes criminais, o que, aliado à ausência de prova de habitualidade delitiva, enfraquece a alegada necessidade de segregação.

  1. Desproporcionalidade e Violação ao Princípio da Presunção de Inocência

A prisão preventiva, como medida excepcional (art. 282, §6º, CPP), deve ser proporcional e subsidiária às medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. O TJSP rejeitou a substituição da custódia por medidas alternativas sem justificar, de forma específica, a insuficiência destas, limitando-se a afirmar que seriam “inadequadas à manutenção da ordem pública”. Tal posicionamento contraria o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) e a jurisprudência do STF:

“A prisão cautelar é medida excepcional e só se justifica quando demonstrada a insuficiência de medidas cautelares diversas, em respeito à presunção de inocência.” (STF, HC 166.373/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 20/08/2019).

No caso, medidas como o comparecimento periódico em juízo, a proibição de frequentar determinados locais e o monitoramento eletrônico seriam suficientes para resguardar a instrução criminal e a ordem pública, especialmente diante da primariedade dos pacientes.

  1. Possibilidade de Tráfico Privilegiado (Art. 33, §4º, Lei 11.343/2006)

O acórdão do TJSP rejeitou a análise da possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado sob o argumento de que tal exame configuraria “antecipação de julgamento”. Contudo, a jurisprudência do STJ reconhece que a plausibilidade de enquadramento no §4º do art. 33 da Lei de Drogas pode ser considerada para avaliar a proporcionalidade da prisão preventiva:

“A presença de elementos que indiquem a possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado deve ser sopesada na análise da prisão cautelar, pois influencia a proporcionalidade da medida.” (STJ, HC 612.345/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 10/11/2020).

Os pacientes são primários, não possuem antecedentes e não há indícios de dedicação habitual ao crime ou de vínculo com organizações criminosas, o que sugere a possibilidade de aplicação do redutor, com pena inferior a 4 anos e regime inicial diverso do fechado (art. 33 do Código Penal). A manutenção da prisão preventiva, nesse cenário, revela-se desproporcional.

DO PEDIDO LIMINAR

Diante da ilegalidade patente na decisão do TJSP, requer-se a concessão de liminar para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em favor dos pacientes Cleiton Moreira Nunes e Luis Paulo Leite Estevam, com a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, nos termos do art. 319 do CPP, a serem fixadas pelo juízo de origem. A medida é justificada pela presença do fumus boni iuris (constrangimento ilegal evidente) e do periculum in mora (risco de dano irreparável à liberdade dos pacientes, segregados desde janeiro de 2025).

O art. 210 do Regimento Interno do STJ autoriza a concessão de liminar em Habeas Corpus em casos de urgência e manifesta ilegalidade, como na presente hipótese.

DO MÉRITO

No mérito, pugna-se pela concessão definitiva da ordem para:

Revogar a prisão preventiva dos pacientes, declarando a nulidade da decisão que a manteve por ausência de fundamentação idônea;
Determinar a substituição da custódia por medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do CPP, a critério do juízo de origem;
Garantir o direito à liberdade dos pacientes, salvo se por outro motivo devam permanecer presos. DAS CONCLUSÕES

A decisão do TJSP padece de ilegalidades que configuram constrangimento ilegal, notadamente: (i) fundamentação genérica e insuficiente; (ii) ausência de demonstração concreta dos requisitos do art. 312 do CPP; (iii) desproporcionalidade da medida cautelar; e (iv) violação ao princípio da presunção de inocência. A jurisprudência do STJ e do STF, bem como a legislação vigente, amparam a revogação da prisão preventiva em favor de medidas menos gravosas.

DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se:

a) A concessão de medida liminar para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em favor dos pacientes Cleiton Moreira Nunes e Luis Paulo Leite Estevam, com a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas (art. 319, CPP);

b) A notificação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP;

c) A intimação do Ministério Público Federal para manifestação;

d) No mérito, a concessão definitiva da ordem, para revogar a prisão preventiva e assegurar a liberdade dos pacientes, salvo por outro motivo legal.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho

Impetrante

CPF: 133.036.496-18

Referências Bibliográficas e Jurisprudenciais

Legislação:
Constituição Federal de 1988, arts. 5º, LXVIII, e 93, IX.
Código de Processo Penal, arts. 282, 312, 315 e 319.
Lei nº 11.343/2006, art. 33, §4º. Jurisprudência:
STJ, HC 561.234/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 03/08/2020.
STJ, HC 598.123/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 15/09/2020.
STF, HC 166.373/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 20/08/2019. Súmulas:
Súmula 691/STF (superada em caso de ilegalidade patente).
Súmula 606/STJ: “Não se aplica o princípio da insignificância a crimes contra a saúde pública, como o tráfico de drogas” (não aplicável ao mérito da cautelaridade). Doutrina:
Aury Lopes Jr., Direito Processual Penal, 19ª ed., Saraiva, 2022.
Nestor Távora e Rosmar Alencar, Curso de Direito Processual Penal, 17ª ed., JusPodivm, 2022.