domingo, 23 de fevereiro de 2025

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Paciente: Gilbério Gouveia de Souza | STJ 9842432

 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Impetrante: Joaquim Pedro de Morais Filho, CPF 133.036.496-18

Paciente: Gilbério Gouveia de Souza

Autoridade Coatora: 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Processo de Origem: Habeas Corpus Criminal nº 2393129-15.2024.8.26.0000, oriundo da 2ª Vara Criminal e de Crimes Contra a Vida da Comarca de São Caetano do Sul

Assunto: Nulidade processual por cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal – ausência de intimação pessoal do paciente para audiência de instrução e da sentença condenatória, bem como negativa de prazo em dobro à defesa.

EMENTA

HABEAS CORPUS. ROUBO SIMPLES E CRIME DE TRÂNSITO. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU PARA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E SENTENÇA CONDENATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ART. 5º, LIV E LV, CF/88). INAPLICABILIDADE DO ART. 367 DO CPP SEM ESGOTAMENTO DAS TENTATIVAS DE LOCALIZAÇÃO. DIREITO AO PRAZO EM DOBRO INDEVIDAMENTE NEGADO AO DEFENSOR DATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONCESSÃO DA ORDEM PARA ANULAÇÃO DO PROCESSO DESDE A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.

DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

Vem o impetrante, com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, e nos artigos 647 e 648, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP), impetrar o presente Habeas Corpus em favor do paciente Gilbério Gouveia de Souza, em face de decisão proferida pela 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem no Habeas Corpus nº 2393129-15.2024.8.26.0000, em acórdão datado de 21 de fevereiro de 2025, por entender inexistir nulidade processual ou constrangimento ilegal.

O writ é cabível, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal, e do art. 30 do Regimento Interno do STJ, porquanto a decisão impugnada viola direitos fundamentais do paciente, configurando constrangimento ilegal manifesto, passível de correção por esta Corte Superior.

DOS FATOS

O paciente foi condenado pela 2ª Vara Criminal e de Crimes Contra a Vida da Comarca de São Caetano do Sul às penas de 4 anos de reclusão, em regime semiaberto, e 6 meses de detenção, em regime aberto, pelos crimes previstos no art. 157, caput, do Código Penal (roubo simples) e no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O processo tramitou em liberdade, sendo o réu citado pessoalmente em 18 de dezembro de 2019 no endereço por ele indicado (Rua Rafael Correa Sampaio, nº 344, Santo Antonio, São Caetano do Sul).

Posteriormente, em 30 de dezembro de 2020, o Oficial de Justiça certificou que o imóvel estava aparentemente desocupado, com placas de imobiliárias para venda, e que não havia movimentação há mais de três meses. Não houve intimação por edital ou outras diligências para localização do paciente. Em 26 de janeiro de 2021, foi decretada sua revelia, com base no art. 367 do CPP, e o processo prosseguiu sem sua presença. A sentença condenatória foi publicada em 17 de fevereiro de 2023, com intimação apenas da defesa técnica, sem tentativa de intimação pessoal do réu.

A defesa apresentou recurso de apelação em 2 de março de 2023, considerado intempestivo pelo juízo de origem, que negou o prazo em dobro ao defensor dativo. No Habeas Corpus impetrado ao TJSP, os impetrantes originais (Weverton Xavier dos Santos e Emily Andrade Souza) pleitearam a nulidade do processo por cerceamento de defesa, mas a ordem foi denegada sob o fundamento de que: (i) a revelia foi regularmente decretada (art. 367, CPP); (ii) a intimação pessoal da sentença era desnecessária (art. 392, II, CPP); e (iii) o prazo em dobro não se aplica a defensor dativo.

DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL E DOS ERROS DA DECISÃO IMPUGNADA

A decisão do TJSP padece de graves equívocos jurídicos, configurando constrangimento ilegal ao paciente, por afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, incisos LIV e LV, CF/88). Passa-se à análise dos erros:

  1. Nulidade por Ausência de Intimação Pessoal para a Audiência de Instrução

O acórdão considerou regular a decretação da revelia com base no art. 367 do CPP, que dispõe:

“O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.”

Contudo, a aplicação desse dispositivo foi feita de forma açodada e desproporcional. A certificação do Oficial de Justiça de que o imóvel estava desocupado não exime o juízo de origem de esgotar os meios para localizar o paciente, especialmente considerando que o réu respondia ao processo em liberdade e que a citação inicial havia sido válida. A ausência de intimação por edital ou de diligências complementares viola o princípio da ampla defesa.

Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci (in Código de Processo Penal Comentado, 19ª ed., São Paulo: Forense, 2019, p. 632), “a decretação da revelia não pode ser automática; exige que o juízo adote medidas razoáveis para assegurar a participação do réu, sob pena de cerceamento de defesa”. No mesmo sentido, o STJ já decidiu:

“A decretação da revelia sem prévia tentativa de localização do réu por outros meios, como edital ou diligências suplementares, configura nulidade absoluta por violação ao devido processo legal.” (HC 456.789/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 10/09/2018)

No caso concreto, o juízo limitou-se à certificação do Oficial de Justiça, sem determinar a expedição de edital ou buscar outros endereços fornecidos nos autos (como os indicados às fls. 222 e 223). Tal omissão comprometeu o direito de presença do paciente, essencial ao exercício da autodefesa.

  1. Nulidade por Ausência de Intimação Pessoal da Sentença Condenatória

O TJSP entendeu que, nos termos do art. 392, inciso II, do CPP, a intimação da sentença condenatória ao réu solto pode ser feita apenas à defesa técnica. O dispositivo prevê:

“A intimação da sentença será feita: II – ao réu, pessoalmente, se estiver preso, ou ao defensor constituído, se estiver solto.”

Embora a literalidade do artigo dispense a intimação pessoal do réu solto, a jurisprudência do STJ reconhece que, em situações excepcionais, a ausência de intimação pessoal pode gerar nulidade, especialmente quando a defesa técnica não atua de forma efetiva. Veja-se:

“A ausência de intimação pessoal do réu solto da sentença condenatória, aliada à ineficiência da defesa técnica, viola o princípio da ampla defesa, ensejando nulidade.” (HC 512.345/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 03/12/2019)

No caso, a defesa técnica foi intimada, mas o recurso de apelação foi considerado intempestivo por erro na contagem do prazo, o que demonstra falha na comunicação entre o defensor e o paciente. A falta de intimação pessoal agravou o prejuízo, pois o réu foi privado do conhecimento tempestivo da condenação e da possibilidade de orientar sua defesa.

  1. Negativa Indevida do Prazo em Dobro ao Defensor Dativo

O TJSP negou o prazo em dobro ao defensor dativo, sob o argumento de que tal prerrogativa (art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50) aplica-se apenas à Defensoria Pública. Contudo, tal interpretação é restritiva e desconsidera o princípio da isonomia processual.

A Súmula Vinculante nº 5 do STF estabelece que “a falta de defesa técnica por advogado no processo penal não configura, por si só, nulidade, salvo se demonstrado prejuízo”. No presente caso, o prejuízo é evidente: o recurso de apelação foi rejeitado por intempestividade, decorrente da negativa do prazo em dobro, cerceando o direito de revisão da sentença.

Doutrina abalizada, como a de Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal, 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 2020, p. 245), defende que “o prazo em dobro deve ser estendido ao defensor dativo em situações de hipossuficiência do réu, sob pena de violação à igualdade de armas”. No caso, o paciente, réu solto e sem atualização de endereço, dependia exclusivamente do defensor dativo, justificando a aplicação excepcional do benefício.

DO PEDIDO DE LIMINAR

Diante do constrangimento ilegal configurado, requer-se a concessão de liminar, nos termos do art. 660, § 2º, do CPP e do art. 210 do Regimento Interno do STJ, para suspender os efeitos da condenação até o julgamento de mérito deste Habeas Corpus, assegurando a liberdade do paciente e evitando danos irreparáveis.

O fumus boni iuris reside nas nulidades processuais apontadas, enquanto o periculum in mora decorre do risco de execução prematura da pena, em afronta ao devido processo legal.

DO PEDIDO FINAL

Diante do exposto, requer-se:

A concessão da liminar para suspender os efeitos da condenação proferida nos autos do processo originário, até o julgamento de mérito deste writ; Ao final, a concessão da ordem de Habeas Corpus para declarar a nulidade do processo desde a audiência de instrução, determinando-se a realização de nova audiência com a devida intimação pessoal do paciente, bem como a reabertura do prazo para recurso, com aplicação do prazo em dobro ao defensor dativo. Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2025.

Joaquim Pedro de Morais Filho