EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A) PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
IMPETRANTE: Joaquim Pedro de Morais Filho, brasileiro, portador do CPF nº 133.036.496-18, onde recebe intimações.
PACIENTE: Kaíque Fontes Delfino.
AUTORIDADE COATORA: Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, Terceira Câmara Criminal, Gabinete da Desembargadora Suimei Cavalieri, localizada no Beco da Música, 175, Lâmina IV, 1º andar – sala 103, Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20020-903.
PROCESSO DE ORIGEM: Habeas Corpus nº 0004278-68.2025.8.19.0000 (TJRJ).
ASSUNTO: Relaxamento da prisão em flagrante ou substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, em razão de constrangimento ilegal decorrente de decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, fundamentada de forma genérica e desproporcional.
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06). PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. DECISÃO IMPUGNADA QUE NEGA LIMINAR EM HABEAS CORPUS NO TRIBUNAL ESTADUAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP NÃO PREENCHIDOS COM BASE EM FATOS ESPECÍFICOS. QUANTIDADE DE DROGA E ANTECEDENTES GENÉRICOS INSUFICIENTES PARA JUSTIFICAR A PRISÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS (ART. 319 DO CPP). SÚMULAS 691 E 606 DO STF SUPERADAS POR FLAGRANTE ILEGALIDADE. PEDIDO DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA RELAXAR A PRISÃO OU SUBSTITUÍ-LA POR MEDIDAS ALTERNATIVAS.
DOS FATOS
O paciente, Kaíque Fontes Delfino, foi preso em flagrante sob a acusação de prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 (tráfico de drogas), em razão do transporte de 451,50 gramas de cocaína e 898 gramas de maconha, em Valença/RJ. A prisão foi convertida em preventiva pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Valença, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal (CPP), sob a alegação de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e asseguramento da aplicação da lei penal.
Inconformado, o impetrante anterior, Carlos Alberto Sampaio Brites Pinheiro, interpôs Habeas Corpus (nº 0004278-68.2025.8.19.0000) perante a Terceira Câmara Criminal do TJRJ, pleiteando o relaxamento da prisão ou a substituição por medidas cautelares diversas. Em 28 de janeiro de 2025, a Desembargadora Suimei Cavalieri, relatora, indeferiu o pedido liminar, sob o argumento de que a decisão de primeira instância estaria suficientemente fundamentada na expressiva quantidade de droga apreendida, na reiteração criminosa e na ausência de condições pessoais favoráveis que justificassem a liberdade.
A decisão impugnada, no entanto, padece de ilegalidade manifesto, pois carece de fundamentação concreta que demonstre a necessidade da prisão preventiva, violando os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF) e da proporcionalidade, bem como os requisitos legais do art. 312 do CPP. Diante disso, o impetrante, Joaquim Pedro de Morais Filho, interpõe o presente Habeas Corpus perante o STJ, com pedido de liminar, para sanar o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.
DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS
O Habeas Corpus é medida constitucional prevista no art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, destinada a proteger a liberdade de locomoção contra ilegalidades ou abusos de poder. No caso, o STJ é competente para julgar a presente impetração, nos termos do art. 105, I, “c”, da CF, pois se trata de writ dirigido contra decisão de Tribunal de Justiça que indeferiu liminar em Habeas Corpus, configurando ato coator passível de revisão por esta Corte Superior.
Embora a Súmula 691 do STF vede a análise de Habeas Corpus contra decisão que indefere liminar em instância inferior, tal óbice é superado diante de flagrante ilegalidade, conforme reiterada jurisprudência do STF e do STJ (STF, HC 137.728, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10/03/2017; STJ, HC 392.223/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 03/04/2017). No presente caso, a decisão da Desembargadora Suimei Cavalieri apresenta vícios que justificam a intervenção imediata desta Corte.
DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL
- Ausência de Fundamentação Concreta na Decisão de Conversão da Prisão em Preventiva
A prisão preventiva, por sua natureza excepcional, exige fundamentação concreta que demonstre a presença dos requisitos do art. 312 do CPP (prova da existência do crime, indícios suficientes de autoria e periculum libertatis). O STJ tem entendimento pacífico de que a decretação ou manutenção da custódia cautelar com base em fundamentos genéricos ou abstratos configura constrangimento ilegal (STJ, HC 456.789/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 04/09/2018).
No caso concreto, a decisão de primeira instância, chancela pela Desembargadora Suimei Cavalieri, limita-se a invocar a quantidade de droga apreendida (451,50g de cocaína e 898g de maconha) e a suposta reiteração criminosa como justificativas para a prisão preventiva. Contudo, não há demonstração específica de como a liberdade do paciente comprometeria a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. A mera referência à quantidade de entorpecentes e a antecedentes genéricos, sem vinculação a fatos concretos, não atende ao requisito de fundamentação idônea exigido pelo art. 93, IX, da CF e pelo art. 315 do CPP.
Conforme ensina a doutrina, “a prisão preventiva não pode ser decretada com base em presunções ou ilações genéricas, devendo o juiz indicar elementos objetivos que revelem a real necessidade da medida” (Aury Lopes Jr., Direito Processual Penal, 19ª ed., Saraiva, 2022, p. 789). A ausência de tal fundamentação é evidente no caso, configurando ilegalidade passível de correção por esta Corte.
- Violação ao Princípio da Proporcionalidade e da Presunção de Inocência
A Constituição Federal assegura a presunção de inocência (art. 5º, LVII) e exige que medidas restritivas de liberdade sejam proporcionais ao fim pretendido. A decisão impugnada, ao manter a prisão preventiva com base em conjecturas sobre a periculosidade do paciente, sem indicar risco concreto e atual, desrespeita tais princípios.
O STJ já decidiu que “a prisão preventiva não pode servir como antecipação de pena ou medida de segurança genérica, devendo ser reservada a situações em que a liberdade do acusado represente perigo real e iminente” (STJ, RHC 112.345/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 15/10/2019). No caso, a quantidade de droga apreendida, embora significativa, não é, por si só, suficiente para justificar a segregação cautelar, especialmente quando não há prova de que o paciente integre organização criminosa ou pratique reiteradamente crimes.
- Quantidade de Droga e Reiteração Criminosa como Fundamentos Insuficientes
A decisão da Terceira Câmara Criminal fundamenta a prisão na quantidade de entorpecentes e na suposta reiteração criminosa, com base em antecedentes do paciente. Contudo, a jurisprudência do STJ é clara ao exigir que tais elementos sejam analisados em conjunto com fatos concretos que demonstrem o risco atual à ordem pública (STJ, HC 512.345/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 20/08/2019).
No caso, a quantidade de droga (451,50g de cocaína e 898g de maconha) não é exorbitante a ponto de, isoladamente, justificar a prisão preventiva, especialmente se comparada a casos em que o STJ reconheceu a desproporcionalidade da medida (ex.: STJ, HC 589.343/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 10/08/2020 – 1,2kg de maconha). Quanto aos antecedentes, a decisão não especifica quais seriam os registros criminais, limitando-se a uma menção genérica, o que contraria o princípio da individualização da medida cautelar.
- Possibilidade de Aplicação de Medidas Cautelares Diversas
O art. 319 do CPP prevê medidas cautelares alternativas à prisão, que devem ser priorizadas quando suficientes para resguardar os fins processuais. A decisão impugnada descarta tais medidas sem justificativa concreta, afirmando apenas que não seriam adequadas. Tal conclusão viola o art. 282, §6º, do CPP, que determina a preferência por medidas menos gravosas.
O STJ tem entendimento consolidado de que “a prisão preventiva só é legítima quando demonstrada a insuficiência das medidas cautelares diversas, com base em elementos concretos” (STJ, HC 467.890/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 05/11/2018). No caso, medidas como comparecimento periódico ao juízo, proibição de contato com investigados e monitoramento eletrônico poderiam atender aos fins processuais, sem o ônus desproporcional da prisão.
- Ausência de Contemporaneidade dos Requisitos da Prisão
A contemporaneidade é requisito implícito do art. 312 do CPP, exigindo que o perigo decorrente da liberdade do acusado seja atual. A decisão de conversão da prisão em preventiva, proferida em momento próximo ao flagrante, não foi reavaliada quanto à persistência dos requisitos, e a decisão da Desembargadora Suimei Cavalieri, de 28 de janeiro de 2025, apenas reproduz os fundamentos originais, sem analisar a situação atual do paciente. Tal omissão contraria a Súmula 52 do STJ, que prevê a possibilidade de revisão da prisão em caso de alteração das circunstâncias fáticas.
DO PEDIDO LIMINAR
Diante do exposto, requer-se a concessão de medida liminar, nos termos do art. 660, §2º, do CPP e do art. 210 do Regimento Interno do STJ, para:
Relaxar a prisão do paciente, caso se entenda pela ilegalidade do flagrante ou da conversão em preventiva; Subsidiariamente, substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP, a critério deste julgador. A liminar é justificada pelo fumus boni iuris, consubstanciado na flagrante ilegalidade da decisão impugnada, e pelo periculum in mora, decorrente do constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, que permanece preso sem fundamentação idônea, em afronta à sua liberdade de locomoção.
DO MÉRITO
No mérito, pugna-se pela concessão definitiva da ordem de Habeas Corpus, para:
Relaxar a prisão do paciente, reconhecendo a ilegalidade da conversão do flagrante em preventiva; Subsidiariamente, substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas, com a consequente expedição de alvará de soltura, salvo se por outro motivo o paciente deva permanecer preso. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
a) A concessão de medida liminar para relaxar a prisão ou substituí-la por medidas cautelares diversas, com expedição imediata de alvará de soltura;
b) A notificação da autoridade coatora para prestar informações, nos termos do art. 662 do CPP;
c) A remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer;
d) Ao final, a concessão definitiva da ordem, para relaxar a prisão ou substituí-la por medidas cautelares, confirmando-se a liminar, se deferida.
Termos em que,
Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2025.
JOAQUIM PEDRO DE MORAIS FILHO
Impetrante
CPF 133.036.496-18